A intenção é que a pequena coleção, produzida com fio feito a partir de desperdícios não utilizados na indústria têxtil e dos lanifícios, que de outra forma iriam para aterro ou incineração, promova a sustentabilidade e as roupas ganhem uma segunda vida.

Os proprietários da empresa, Catarina e Rui Gomes, explicam que “a microcápsula” de roupa está em produção, vai ter “no máximo” 700 peças, para contrariar a ideia de massificação, cada unidade será numerada, vai entrar no mercado no final de setembro e cada unidade será acompanhada da sua história, “do que já foi em outra vida”, e de um vale de 20%, a descontar numa futura compra, se a roupa utilizada for entregue para ser novamente reciclada.

Além da ideia de “desperdício mínimo”, a J. Gomes pretende também, depois de devolvida, “estudar como a peça se comportou durante a utilização”, segundo Catarina Gomes, de 48 anos.

“É uma microcápsula, para não haver desperdício. Se tiver o privilégio de voltar a receber a peça, é dado um desconto de 20% na aquisição da próxima, um incentivo para nos devolverem a velha, para a estudarmos e lhe darmos nova vida”, explica a empresária, em declarações à agência Lusa.

Com duas fábricas no concelho da Covilhã (Canhoso e Tortosendo), no distrito de Castelo Branco, Catarina Gomes faz uma analogia entre o novo projeto e o que aconteceu em janeiro de 2022 à sua unidade no Canhoso, que ardeu na totalidade, mas “renasceu das cinzas, ganhou uma nova vida”.

Embora esse não seja o negócio da empresa, Catarina Gomes sublinha que, tendo o fio à disposição, esta é uma forma de “fazer um conceito de moda diferente (…) apostar no eco design e no desperdício mínimo” e dar o passo para que “outras empresas sintam confiança em arriscar neste tipo de produtos”.

“Queremos consciencializar as pessoas que é possível andar na moda, ter um produto muito giro, com a garantia de que vai voltar a ser reciclado, numa lógica de comprar uma camisola, saber que é feita com fio reciclado, comprar porque se gosta, mas também por saber o que lhe vamos fazer quando já não a utilizar”, acentua, à Lusa, Catarina Gomes, que nas suas duas unidades recicla anualmente uma média de dois milhões de toneladas de desperdício têxtil e conta este ano chegar aos três milhões de toneladas.

Segundo a empresária covilhanense, o conceito é a antítese de fazer coleções numerosas, porque “a ideia não é o lucro, mas consciencializar que o reciclado faz moda bonita”.

A microcápsula de roupa tem previstas 50 peças por modelo, com sete opções para mulher e duas camisolas e um casaco para homem, roupa composta maioritariamente por lã, mas também poliéster, acrílico e outras fibras.

“A nossa preocupação é que o cliente goste, se sinta confortável, mas que no fim tenha a consciência de nos entregar a peça. Isso é que é valioso”, reforça Catarina Gomes, enquanto afaga em cima da secretária uma manta que há dois anos a empresa começou a comercializar, juntamente com echarpes, cachecóis e meias, feitas com o mesmo fio reciclado, e que tiveram “uma boa aceitação”.

A responsável da J. Gomes que, sublinha, tem também o primeiro fio vegan reciclado certificado em Portugal, adianta que a equipa está já a pensar na próxima coleção, para a primavera/verão, assente num conceito vegan, aproveitando os recursos existentes.

Catarina Gomes refere a aposta na economia circular e as sinergias com as empresas da região, onde são recolhidos os desperdícios e para onde vai o fio para fazer estas peças, concebidas na J. Gomes.

A empresária defende que os designers, tendo em conta que “o planeta está a chorar”, vão ter de repensar a moda e os materiais utilizados, reduzindo ou eliminando, sempre que possível, fechos, botões e outros adereços que dificultam a reciclagem.

“Não é o reciclado que tem de se adaptar a nós, nós é que temos de nos adaptar ao reciclado”, preconiza, à medida que circula pelas várias secções da unidade de recolha e separação de resíduos têxteis (no Tortosendo), onde tudo é separado e, durante a semana, “só saem dois sacos para o lixo: o do refeitório e o da casa de banho”.

O caminho, defende Catarina Gomes, é retroceder aos hábitos de gerações anteriores, quando não existia ’fast fashion’ e não se comprava sem ponderação, uma mentalidade que começa a observar nos filhos e lhe dá esperança num futuro mais sustentável.