Enterrou Isabel II, casou príncipes e coroou Carlos III. O que fez cair o arcebispo da Cantuária?

Enterrou Isabel II, casou príncipes e coroou Carlos III. O que fez cair o arcebispo da Cantuária?

O arcebispo da Cantuária é a figura mais alta da igreja Anglicana no mundo inteiro e o bispo diocesano da diocese de Canterbury, no Reino Unido. O atual bispo, Justin Welby, demitiu-se hoje na sequência de um inquérito que acusa a Igreja Anglicana, nomeadamente o próprio líder religioso, de encobrir agressões físicas e sexuais em campos de férias para jovens cristãos durante décadas.

Recorde-se que a Igreja Anglicana faz parte da fé cristã e surgiu em Inglaterra após a Reforma Inglesa, no contexto da reforma protestante na Europa. Desde a sua fundação no século XVI, pelo rei Henrique VIII, que o líder máximo da fé ou Governador Supremo da Igreja de Inglaterra é o próprio rei de Inglaterra, neste caso Carlos III.

Justin Welby substituiu Rowan Williams como arcebispo da Cantuária em 2013, é membro da Câmara dos Lordes, celebrou o casamento real do príncipe Harry e Meghan Markle, em 2018, liderou o funeral de Isabel II, em 2022, e a coroação de Carlos III e da rainha Camilla na Abadia de Westminster, em 2023.

Rei Carlos III na sua coroação
Rei Carlos III na sua coroação (Photo by Richard POHLE / POOL / AFP)

O que se passou na igreja Anglicana?

Recentemente, vários protestos vieram a público de vítimas do falecido John Smyth, um advogado proeminente que abusou de rapazes adolescentes e jovens em campos de férias cristãos no Reino Unido, Zimbabué e África do Sul durante cinco décadas.

Andrew Morse, que foi repetidamente espancado por Smyth durante um período de cinco anos, disse que a demissão era uma oportunidade para Justin Welby começar a reparar os danos causados pela forma como a Igreja lidou com os casos históricos de abuso.

Na quinta-feira passada, a Igreja divulgou os resultados de uma investigação independente sobre Smyth, que abusou sexualmente, psicologicamente e fisicamente de cerca de 30 rapazes e jovens no Reino Unido e 85 em África, a partir da década de 1970.

O relatório independente de 251 páginas conduzido por Keith Makin concluiu que Justin Welby não denunciou Smyth às autoridades quando foi informado dos abusos em agosto de 2013, pouco depois de se ter tornado arcebispo da Cantuária.

Na semana passada, Welby assumiu a responsabilidade por não ter assegurado que as alegações fossem investigadas de forma tão “enérgica” como deveriam ter sido depois de ter tido conhecimento dos abusos, mas respondeu que tinha decidido não se demitir.

Na segunda-feira, o gabinete de Welby emitiu um comunicado reiterando essa posição e expressando o seu “horror perante a dimensão do abuso flagrante de John Smyth”.

Os responsáveis da Igreja tiveram conhecimento dos abusos em 1982, quando receberam os resultados de uma investigação interna sobre Smyth, e “participaram num encobrimento ativo” para evitar que as conclusões viessem à luz do dia, concluiu ainda o relatório publicado na semana passada.

Smyth mudou-se para o Zimbabué em 1984 e mais tarde para a África do Sul e continuou a abusar de rapazes e jovens nos dois países até à sua morte em agosto de 2018.

Os abusos só foram tornados públicos por uma reportagem da estação de televisão britânica Channel 4 em 2017, o que levou a polícia de Hampshire a abrir uma investigação.

A polícia estava a preparar-se para extraditar Smyth para o interrogar quando este morreu.

Esta terça-feira, Justin Welby anunciou a renúncia como líder da igreja. “É muito claro que devo assumir a responsabilidade pessoal e institucional pelo longo e traumatizante período entre 2013 e 2024”, justificou numa declaração na qual anunciou a sua renúncia.

“Tendo solicitado a graciosa permissão de Sua Majestade o Rei, decidi renunciar ao cargo de arcebispo de Cantuária”, disse Welby num comunicado publicado no site da Igreja de Inglaterra, onde assume que foi informado em 2013 sobre os abusos sexuais, embora ressalve ter sido igualmente informado de que a polícia também tinha sido notificada. “Acreditei erradamente que seria seguida uma resolução apropriada”, assegura.

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