A subida nos preços da habitação não é uma surpresa, já que segue a tendência dos últimos anos. Contudo, há muito do preço de uma casa que não diz respeito à casa propriamente dita, mas sim a impostos e taxas do Estado.

Ou seja, há um grande impacto fiscal de cada tipo de imposto no preço final da compra. Gonçalo Nascimento Rodrigues, consultor em Finanças Imobiliárias e autor do blog Out of the Box, ajuda a perceber o que está em causa.

"Entre 25 a 30% do preço final de venda de uma casa é imposto. Dividido entre IMT [Imposto Municipal sobre Transações], IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], imposto de selo, o IVA da construção e o IRC [Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas] que o promotor imobiliário tem de pagar pelas mais-valias", começa por explicar ao SAPO24.

"É um valor considerável, sendo que de todos os impostos que contribuem para este aumento de preços o IVA da construção é o mais significativo", aponta.

Num artigo no Out of the Box, Gonçalo Nascimento Rodrigues faz as contas num exemplo simples, para a compra de uma casa de 200 mil euros em Portugal Continental, "para habitação própria e permanente".

"Assuma-se, ainda, a contração de um crédito habitação de 154.000€, representando um LTV [rácio financiamento garantia nos créditos habitação] de 77%, em linha com a média registada no mercado em 2022", pode ler-se.

Feitas as contas — considerando os vários impostos, como o IMT, imposto de selo, IMI, IVA da construção, IRC — "a fiscalidade inerente à venda de uma casa nova de 200.000€ é de 54.554€, ou seja, 27% do preço de venda".

"O IVA pago na construção representa a maior fatia de impostos pagos (40%), seguido de IMT (29%) e IRC (19%). Já o lucro líquido do Promotor representaria 20% do preço de venda da casa", é por fim explicado.

Então, o que fazer para reverter esta situação? Para o consultor em Finanças Imobiliárias, a resposta é óbvia: "baixar impostos". Mas há que considerar "o objetivo que se quer atingir".

"Não se vai baixar impostos exclusivamente porque se acha que a fiscalidade num determinado segmento ou num determinado mercado de investimento é muito elevado. Tem de haver um objetivo estratégico", adianta.

Assim, se o objetivo "é permitir o aumento da oferta de construção nova, seria interessante diminuir substancialmente a taxa de IVA na construção de habitação nova. Se o objetivo é permitir a aquisição de habitação própria permanente, a primeira, por jovens ou por jovens famílias, provavelmente é melhor rever as tabelas de IMT, por exemplo. Portanto, depende", remata.

Quem compra casa em Portugal?

Considerando todas as contas, a questão que se impõe é apenas uma: afinal, quem é que ainda consegue comprar casa? Gonçalo Nascimento Rodrigues aponta que, genericamente, "quem compra casas em Portugal são portugueses e famílias portuguesas com recurso a crédito de habitação".

Todavia, há um pormenor a considerar: "Portugal é muito pequeno, mas é muito grande. A habitação é muito heterogénea, é muito diferente quem compra casas em Santa Maria da Feira ou quem compra casas em Loulé".

"Há locais, à partida os grandes centros urbanos, onde as pessoas recorrem mais a crédito para o efeito. Em cidades de média dimensão e em zonas mais no interior do país recorre-se menos a crédito", justifica.

"Em média, a maior parte dos portugueses tem de recorrer a um crédito para comprar habitação própria permanente. Mais de 70% das casas vendidas em Portugal têm um crédito associado e cerca de 50% em volume de vendas, na habitação em Portugal, tem crédito", refere.

De resto, os números comprovam a situação. Em 2022, "as instituições financeiras residentes em Portugal realizaram dois milhões de novos contratos de crédito, com 1,5 milhões de pessoas, num total de 28 mil milhões de euros. Todos estes indicadores cresceram relativamente a 2021", segundo informação do Banco de Portugal (BdP).

No que diz respeito à compra de casa, "169 mil pessoas contraíram um crédito à habitação, mais duas mil do que em 2021".

E quem são?  De acordo com os dados, "duas em cada três" moravam "na região Norte e na Área Metropolitana de Lisboa" e "trabalhavam maioritariamente por conta de outrem e tinham um nível de escolaridade superior".

Quanto à idade, "61% do crédito à habitação concedido em 2022 foi contratualizado com pessoas com idade até 40 anos", "19% do novo crédito à habitação foi concedido a pessoas com idade até 30 anos" e apenas "1% do montante de crédito à habitação concedido em 2022 foi obtido por pessoas reformadas".

"Em Portugal, do total de crédito à habitação concedido a pessoas reformadas em 2022, metade foi concedido a pessoas com nacionalidade estrangeira (maioritariamente do Brasil e dos EUA)", é ainda frisado pelo BdP.

Por sua vez, "considerando apenas a região do Algarve, do total de crédito à habitação concedido a pessoas reformadas em 2022, 85% foi concedido a pessoas com nacionalidade estrangeira (maioritariamente originárias dos EUA, do Reino Unido e da Suécia)".

Ainda há pagamentos a pronto?

Mas não se pense que toda a gente recorre a créditos em Portugal. Embora varie de zona para zona e conforme o poder de compra das famílias, a verdade é que ainda há quem avance logo com o valor necessário.

Filipe Garcia, da One House Coimbra, explica ao SAPO24 que "existe muito" quem compre casas a pronto. "Este ano fizemos 15 negócios no total, apenas um deles com família estrangeira. Dos outros, sete ou oito foram a pronto pagamento. E estamos a falar de um mercado médio, médio-alto. Entre os 300 e os 500 mil euros. É uma realidade cá em Coimbra", avança.

Para o empresário, que está há 10 anos no mercado imobiliário, esta "foi uma realidade que custou muito a perceber" no início da One House. "Demorámos dois a três anos a perceber esta dinâmica de Coimbra. De facto é muito sui generis".

Contudo, Filipe diz há uma explicação: "Aqui em Coimbra temos um mercado maioritariamente de serviços, ou seja, temos pessoas como médicos, advogados, professores. Claro que temos empresas e empresários, mas em comparação com o resto é residual. E essas pessoas, por uma razão ou por outra, por estarem ligados ao setor público ou terem trabalhos mais estáveis, não perderam poder de compra".

"São pessoas de famílias, com muito poder de compra, que também tinham imóveis em zonas-chave e que quando querem vender são zonas muito valorizadas. Então conseguem ter uma dinâmica de compra e venda muito forte. Vendem alto, compram alto, mas como estão muito circunscritos e querem só determinadas zonas, é um mercado que não para", explica.

E acrescenta outro pormenor: "são sempre pessoas portuguesas a comprar — e de Coimbra. Ou seja, nem estamos a sentir que vêm pessoas muito de fora do distrito para comprar na cidade. São daqui, conhecem bem as zonas e a dinâmica de troca é sempre entre uma zona e outra, mas sempre aqui dentro do concelho".

Gonçalo Nascimento Rodrigues confirma esta tendência e acrescenta que existem mais zonas onde tal se verifica, com destaque para os Açores. "Por exemplo, na ilha de S. Miguel é igual, maioritariamente os locais compram casas com recurso a dinheiro próprio, recorrem menos a crédito".

Em causa está a venda da casa antiga, que permite que haja dinheiro para a seguinte? Nem sempre, diz o consultor. "Depende do historial. Se a primeira compra de casa foi feita com recurso a crédito, há que abater o crédito. Quando se toma uma decisão de compra de casa é porque se precisa de outro tipo de casa, maior, com outras condições, e passando o tempo, as casas vão ficando cada vez mais caras. Ou as pessoas pouparam para o efeito ou vão continuar a precisar de recorrer a um crédito, o que muitas vezes acontece", explica.

Os estrangeiros ficam com as casas todas?

Achar que os estrangeiros conseguem comprar mais casas em Portugal do que os portugueses é, para o consultor em Finanças Imobiliárias, "uma ideia errada, populista e enviesada por ideologia política que uma determinada franja do mercado quer passar".

"Os números do INE mostram que cerca de 90% das transações em Portugal ou do volume de vendas na habitação em Portugal é absorvido por portugueses e por famílias portuguesas. Isto é estatístico, não há volta a dar", nota Gonçalo Nascimento Rodrigues.

Por isso, ressalva, "o mercado estrangeiro é uma franja do mercado", mas que "tem tipicamente maiores concentrações em termos de localização".

"A questão é que 70% do volume de vendas da habitação em Portugal é feito na Área Metropolitana de Lisboa, do Porto e no Algarve. Existe uma concentração acentuada do volume de vendas e existe uma concentração em termos de localizações de compras de estrangeiros e isso passa a ideia errada de que o mercado é inflacionado pelos estrangeiros que vêm comprar, o que não é verdade", evidencia.

Porém, é verdade que "o mercado teve o crescimento que teve devido a várias razões, que se foram sucedendo cronologicamente no tempo" e que contribuíram para o aumento dos preços — e para a pouca oferta.

"Numa primeira fase, em 2013 e 2014, houve de facto um peso mais significativo da compra de estrangeiros, nomeadamente por via dos Golden Visa, fundamentalmente por compradores chineses. Mas aquilo foi concentrado nesse período e era realmente possível verificar que significada cerca de 15% das transações em Portugal", começa por enumerar.

Depois, a partir de 2014, os Golden Visa "começaram gradualmente a perder importância no mercado, até que se chega a uma altura em que se consegue estimar que correspondem a apenas cerca de 3% do mercado".

Consequentemente, surgiram "outros compradores estrangeiros que vieram para cá residir. Mas é preciso desmistificar esta questão de que só vêm estrangeiros com muito poder de compra residir para Portugal", nota.

"Praticamente metade dos estrangeiros que vivem em Portugal são brasileiros e a esmagadora maioria deles está concentrada na Área Metropolitana de Lisboa. Muitos deles não têm recursos financeiros para andar a comprar casas de centenas de milhares de euros, muitos deles arrendam casas", adianta Gonçalo Nascimento Rodrigues.

Assim, esta "procura significativa secou a oferta de arrendamento e isso faz aumentar as rendas". E tem também o mesmo efeito para quem "compra habitação para classe média, média-baixa".

Mais recentemente, durante a pandemia, a compra de habitação por estrangeiros "teve um peso significativo", aliada a "uma dinâmica muito acentuada no turismo em Portugal" que vinha já desde 2010-2011, devido a "todos os benefícios fiscais que foram introduzidos e os programas para o desenvolvimento de produto de Alojamento Local".

"Nesta última fase do ciclo, a fase covid permitiu às pessoas acumular poupança, porque gastaram menos, ao qual se adiciona o período largo das moratórias de crédito à habitação. Isso permitiu às pessoas juntar muito dinheiro e, acima de uma conjuntura monetária muito convidativa à aquisição de ativos reais e ao financiamento e ao crédito, permitiu que tomassem decisões na compra de um outro tipo de casas. Noutras localizações, com mais espaço, mais caras", frisa.

"E é assim que chegamos a este ponto. Essa ideia de que são os estrangeiros que vêm para cá comprar as casas que os portugueses deveriam comprar é completamente errada, é falaciosa", conclui.

Então e os jovens?

Com todas as dificuldades no que toca aos preços, é certo que "existem fortes barreiras à entrada no mercado" imobiliário. "Temos dois patamares de tipo de pessoas que estão agora a 'sofrer': aqueles que já estão no mercado e que têm casa e têm crédito, por via do aumento das prestações; e aqueles que querem entrar e que não conseguem porque os preços são muito caros", enumera o consultor.

E qual é a solução? "Aqueles que têm problemas face às prestações têm de poupar dinheiro. Obviamente que o mais lógico e o mais adequado seria aumentar-lhes o poder de compra, por via do aumento dos rendimentos. Como é que se aumenta rendimentos? Aumentando ordenados e diminuindo-se a fiscalidade junto das famílias, ou seja, baixando o IRS", evidencia.

Por outro lado, relativamente à primeira habitação, "podem ser desenvolvidos determinados conjuntos de mecanismos sem que isso signifique uma interferência direta do pricing do mercado, seja por via do aumento da oferta — substancial em zonas específicas onde seja claro que exista uma preponderância de procura por primeira habitação —, seja através do desenvolvimento de programas específicos de apoio à primeira aquisição, nomeadamente para aqueles que vão recorrer a crédito". Ou seja, poderia "haver uma componente no crédito eventualmente garantida pelo Estado".

Do Reino Unido vem esse exemplo, já que existem programas que contemplam esta ajuda. "O mercado britânico já desenvolveu esse tipo de apoio. Há uma parte da hipoteca que é garantida pelo estado. Imagine-se, vou comprar uma casa por 200 mil euros, vou recorrer a 80% do crédito e desses 80% há uma parte que é garantida pelo Estado. Depois, eu só pago prestações sobre os 80%, mas sobre uma parte menor", explica.

E há ainda um outro dado a considerar. "Algo que não está documentado em Portugal, mas que está altamente documentado no Reino Unido é a ajuda de familiares. No Reino Unido existe a figura do Bank of Mum and Dad, que é uma coisa muito interessante".

"Há uma porção muito significativa do mercado que compra com a ajuda dos pais. De há 10 anos para cá, foi desenvolvido um programa específico no Reino Unido para obviar a maior dificuldade de acesso ao mercado de habitação para aquela faixa da população que não tem recurso a essa ajuda, que não têm a mãe e o pai com recursos financeiros que ajudem à compra", adianta.

Há uma bolha imobiliária prestes a rebentar?

Entre a esperança de vir a conseguir comprar casa surge, nos últimos tempos, o conceito de bolha imobiliária. Será esse o futuro? Pode não ser assim tão fácil — ou imediato.

"Para se conseguir dizer que o mercado está em bolha imobiliária têm de acontecer três coisas: os preços têm de subir de forma muito acentuada, tem de haver uma dinâmica territorial alargada dessa subida de preços, ou seja, não podem estar circunscritos só a uma cidade ou a uma pequena região, e tem de haver evidência estatística de que essa subida de preços foi fundamentalmente alimentada por dívida", explica Gonçalo Nascimento Rodrigues.

Em Portugal, "essas três premissas só se começaram a verificar desde o início da pandemia. Até final de 2019 não se verificam, porque não existia uma dinâmica territorial de aumento de preços, estava muito circunscrita a Lisboa, Porto e Algarve, e não havia nenhuma evidência estatística de que estava a ser aumentada por aumento de crédito".

Na prática, "esse aumento de crédito só se verificou de forma mais acentuada em 2020-2021 e em 2022 e isso contribuiu para um aumento dos preços com uma dinâmica territorial bastante mais alargada".

Porém, para o consultor em Finanças Imobiliárias, "com o aumento da subida das taxas de juro, de uma forma natural, o mercado já está a contrabalançar esse risco de existência de uma bolha imobiliária, por tendência de menor contração de crédito".

"Não creio que haja uma bolha imobiliária. Até pode eventualmente haver, mas têm de surgir fatores externos que a façam rebentar. Existem muitas bolhas imobiliárias identificadas por esse mundo fora, há muitos anos, e nunca rebentaram", nota.

"Há alguns fatores externos que podem contribuir para isso, nomeadamente uma recessão económica mais acentuada e mais alargada no tempo e um qualquer evento de crise de crédito. Começámos a ver, em catadupa, bancos com dificuldades financeiras e a terem de ser salvos com muito menos capacidade de conceder crédito à economia e isso gera, obviamente, um evento de crédito que depois tem reflexos, a prazo, num eventual rebentamento de uma bolha imobiliária. Mas, neste momento, não vejo nem um, nem outro", conclui.