No debate do Estado da Nação, esta sexta-feira, o primeiro-ministro pode voltar a referir que a descentralização “é a pedra angular da reforma do Estado”, agora que estará mais perto a aprovação da proposta do Governo para a transferência de competências para as autarquias e entidades intermunicipais.
Além da lei-quadro da descentralização, o Governo conta com a aprovação da proposta de alteração da Lei das Finanças Locais, também em discussão no parlamento, para acertar até 15 de setembro com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) as duas dezenas de diplomas setoriais.
O conselho diretivo da ANMP “consensualizou” até ao momento sete decretos lei setoriais, mas faltam ainda diplomas fundamentais, como educação, saúde, habitação, ação social, freguesias, áreas protegidas, áreas portuárias, praias, cultura, património, justiça ou proteção animal e segurança alimentar.
Na mais recente audição na comissão parlamentar de Ambiente, Descentralização e Habitação, o ministro da Administração Interna assegurou que o Governo conta com PCP e BE na descentralização, apesar do acordo firmado com o PSD para aprovação da lei-quadro e da proposta das finanças locais.
Eduardo Cabrita sublinhou que, com a nova Lei das Finanças Locais, se iniciará a convergência para o cumprimento da transferência de verbas para as autarquias já em 2019, num prazo de três anos, e que em 2020 será possível aos municípios participar diretamente na receita do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) do alojamento, restauração, comunicações e energia.
“Descentralizar sem regionalização, na opinião do Bloco de Esquerda, não é uma descentralização a sério. Aliás, nós entendemos que se trata mais de uma municipalização”, vincou então o deputado João Vasconcelos, lamentando que o Governo, apesar de suportado por partidos à esquerda, opte por um “acordo típico do bloco central”, com o PSD, para a descentralização.
A deputada comunista Paula Santos também considerou que, se o Governo transferir competências sem os correspondentes meios financeiros, “não é nenhuma descentralização, mas uma transferência de encargos” para os municípios e criticou a falta da regionalização.
O social-democrata António Costa Silva explicou que o PSD fez um “acordo com o Governo” para a descentralização andar mais rápido.
A pressa na aprovação da alteração nas finanças locais não convenceu, no entanto, quer PCP e BE, quer CDS-PP, assim como o deputado socialista Paulo Trigo Pereira, numa audição na terça-feira da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças.
A proposta de Lei das Finanças Locais inclui um fundo de financiamento da descentralização, constituído pelas verbas previstas transferir segundo cada um dos decretos setoriais, e que o Governo estima em cerca de 889,7 milhões de euros, dos quais 797 milhões para a educação.
Segundo um levantamento do gabinete do secretário de Estado das Autarquias Locais, sobre os impactos financeiros da descentralização, a que a Lusa teve acesso, prevê-se a transferência do Orçamento do Estado para o fundo de 889,7 milhões de euros e receitas potenciais de 71 milhões, totalizando 960,7 milhões de euros.
No documento enviado à ANMP e ao parlamento, as transferências repartem-se ainda por 83 milhões para a saúde, 7,6 milhões para habitação e 1,1 milhões para a cultura, de acordo com dados apurados por cada ministério.
O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, anunciou no sábado que vai propor ao executivo municipal o abandono da ANMP por considerar “inaceitável” o acordo fechado com o Governo sobre descentralização.
Também o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues (PS), criticou na segunda-feira o acordo entre Governo e ANMP, considerando que toma as autarquias por “serviços de manutenção local do Estado” e “pode ser um presente envenenado”.
Numa nota distribuída após o conselho diretivo, que se reuniu na terça-feira em Elvas, a ANMP informou que analisou o processo de descentralização em curso e reiterou “que todos os municípios, independentemente da sua localização geográfica, densidade populacional ou dinâmica económica, política ou outra”, têm igual dignidade constitucional, que “tem de ser respeitada”.
Até ao final da sessão legislativa se verá se vinga o acordo entre PS e PSD para aprovar a lei-quadro da descentralização e a alteração das finanças locais.
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