Portugal é um dos países da União Europeia (UE) com os rendimentos mais baixos. Aqui, numa década, entre 2011 e 2019, o rendimento real aumentou apenas para os menos qualificados, cerca de 5%. Já os salários dos mais qualificados, com um grau de ensino superior, ao invés, sofreram uma queda de 11%.
A nível de produtividade, o país tem perdido terreno face à média da UE, ocupa o sexto lugar a contar do fim, uma tendência de queda que nem o crescimento de qualificações das gerações mais jovens consegue inverter.
A pandemia mostrou os dois lados de uma moeda. Por um lado, cavou desigualdades sociais e laborais, afetando em especial os mais jovens, criando maior dificuldade na entrada no mercado de trabalho, e os menos qualificados, com o ensino à distância a provocar perdas de aprendizagem que podem ser irreversíveis. Por outro, o mercado de trabalho demonstrou um maior dinamismo de procura por empregos qualificados e digitais.
Estas são algumas das conclusões da edição 2022 do relatório Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal, da Fundação José Neves.
A edição de 2022 do relatório será apresentada hoje a partir das 15h00 através da plataforma digital e nas redes sociais da Fundação José Neves (FJN), tendo como oradores Durão Barroso, ex-primeiro-ministro e antigo presidente da Comissão Europeia, o neurocientista e filósofo António Damásio, o banqueiro António Horta-Osório e a cantora canadiana Alanis Morissette, entre outros.
Salários de licenciados caíram 11% em 10 anos. Menos habilitados com subida de 5%
Na última década, os trabalhadores com “canudo na mão” e saídos do ensino secundário “registaram, em média, perdas reais nos salários de 11% e de 3% respetivamente”, lê-se no relatório apresentado pela FJN.
A matriz replicou-se nos mais jovens “com quedas do salário ainda mais acentuadas no ensino superior (-15% entre os licenciados, -12% entre os mestres e -22% entre os doutorados)”, acrescenta o documento.
No período em análise, entre 2011 e 2019, o salário médio “aumentou apenas para os trabalhadores com o ensino básico”, um acréscimo de 5% justificado pela imposição legislativa – “aumento do salário mínimo”, e por via da “negociação coletiva”, adianta o relatório.
Comparados os salários médios de 2019 com 2011, a maioria dos níveis de escolaridade revela um decréscimo. No entanto, os “ganhos salariais” de quem tem mais qualificações face aos menos qualificados “são consideráveis”. No final da década passada, uma licenciatura resultava, em média, “num ganho salarial de 50% face ao ensino secundário”, adverte o documento. O número sobe até 59% com o mestrado. Esse mesmo nível de educação confere “um retorno salarial superior, com ganhos de 43% face ao ensino secundário e de 15% face às licenciaturas”.
O relatório anual da Fundação José Neves sustenta ainda que a probabilidade de arranjar emprego e elevados rendimentos está indexada aos níveis de educação. Quando comparado com quem só conclui o ensino secundário, os licenciados “têm uma probabilidade 16% superior de estarem empregados e 50% superior de estarem entre os 40% da população com maior rendimento”.
Embora considere que “estudar compensa”, o relatório alerta que o país arrisca “comprometer os incentivos das gerações vindouras a prosseguir os estudos se os salários não aumentarem”.
Em 2019, o rendimento anual médio líquido (em paridade com o poder de compra) em Portugal era de “13.727€”, valores que colocam o país no sétimo lugar mais baixo da União Europeia, destaca o relatório.
Para quem concluiu o ensino básico e secundário, o rendimento médio foi “de 10.976€ e 13.612€ respetivamente” (o 10.º mais baixo entre os 27 Estados Membros da União Europeia). Quem tem educação superior, a nível de ranking o panorama é igualmente cinzento: o rendimento médio “não ultrapassava os 19.755€ (o 8.º mais baixo na UE)”.
O relatório sobre o Estado da Nação compara ainda o rendimento destes últimos trabalhadores com outros de menores qualificações noutros Estados-Membros. Realça ser inferior, não só relativamente a quem tem o ensino secundário em 13 países (Itália, Chipre, Irlanda, Finlândia, França, Malta, Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Luxemburgo) como em relação aos trabalhadores menos qualificados em cinco países da UE (Finlândia, Áustria, Holanda, Dinamarca e Luxemburgo).
6.º país da UE com menor produtividade
Roménia, Polónia, Letónia, Grécia e Bulgária. Estes são os cinco países da UE cujos índices de produtividade estão abaixo dos de Portugal.
Colado ao grupo dos que apresenta a produtividade mais baixa, “nunca ultrapassou os 70% da média europeia”, a produtividade portuguesa antes da pandemia “era equivalente a 66% dos trabalhadores da UE”.
Reconhecendo que a aposta das empresas na formação dos seus trabalhadores produz um acréscimo de produtividade “em 5%”, apenas “16% das empresas portuguesas” segue essa linha estratégica.
Embora as qualificações dos gestores e dos trabalhadores partilhem quase o mesmo peso no que toca à produtividade, “Portugal continua a ter a maior percentagem de empregadores (47,5%) que não terminou o ensino secundário”, números que atingem o triplo da média europeia (16,4%), salienta o documento apresentado hoje.
27.500 empregos jovens desaparecem durante a pandemia de Covid-19
A crise sanitária da Covid-19 impactou, especialmente, o emprego jovem. No último trimestre de 2021 este setor da população perdeu “27.500 empregos” face ao período homólogo de 2019.
Paralelamente, a pandemia dificultou a entrada dos jovens no mercado de trabalho. “Em 2021, apenas 74% dos jovens entre os 20 e os 34 anos que tinham completado um nível de escolaridade nos últimos três anos estavam empregados, uma queda acentuada face a 2019 que interrompe a tendência positiva que se vinha a verificar desde 2012”, lê-se no relatório da FJN.
No entanto, outras das consequências prendem-se com as competências e a aprendizagem. “A pandemia teve implicações na aquisição e no reforço de competências em diferentes fases da vida, comprometendo o futuro profissional de indivíduos e trabalhadores e também o crescimento económico do país”, sublinha o documento.
“O ensino à distância levou a perdas de aprendizagem e foi um indutor de desigualdades sociais nomeadamente entre o ensino público e o ensino privado”, realça o texto do relatório.
Do lado positivo, a pandemia provocou um novo desenho das dinâmicas de emprego, saindo beneficiados os que exigem, por norma, mais qualificações: “Serviços intensivos em conhecimento e Indústria intensiva em tecnologia – e para o setor da Construção”, refere o relatório.
Em relação às ofertas de emprego, o estudo conclui que “o mercado de trabalho teve maior dinamismo de procura por empregos qualificados e digitais e que os empregadores se tornaram mais exigentes ao requererem mais competências, principalmente digitais”.
Metas para 2040: mais jovens licenciados e Portugal no top-10 em empregos de TI’s
O documento da Fundação José Neves analisou a década passada e abre ainda porta à concretização de três metas até 2040.
A primeira, aponta a uma redução na percentagem de adultos com baixa escolaridade que deve recuar “até aos 15 %” (um recuo de mais de 25 pontos percentuais face aos 40,5 registado em 2021).
A segunda, prende-se com os mais jovens recém-licenciados sendo que “90% deverão estar empregados”, aponta, recordando que "em 2021, apenas 74,2% dos jovens entre os 20 e os 34 anos que tinham completado o ensino secundário ou superior nos últimos três anos estavam empregados”.
Por fim, Portugal deverá ambicionar estar no top-10 dos países a União Europeia com maior peso do emprego intensivo em tecnologia e conhecimento (ocupa atualmente a 16.ª posição, depois de ocupar a 19.ª posição em 2019).
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