“A questão dos Orçamentos do Estado, não foram orçamentos do PCP, foram orçamentos do Governo do PS porque este é um Governo PS, não é um Governo das esquerdas, nem sequer um Governo de esquerda. É um Governo do PS, que não se libertou em aspetos essenciais e estruturantes das políticas de direita que levou à prática no passado”, afirmou João Ferreira, em entrevista à agência Lusa.

Porém, o dirigente comunista realçou a ação preponderante de PCP e “Os Verdes” em alguns avanços de rendimentos e direitos das pessoas, pois “algumas das medidas que foram tomadas nestes três anos nunca foram tomadas antes nem seriam nunca tomadas por um Governo do PS com maioria absoluta”, referindo-se às negociações orçamentais bilaterais.

“A relação de forças é a que é. O que tivemos nestes três anos foi determinado por um quadro em que o PS tem um Governo minoritário, o PSD e o CDS, juntos, também não têm maioria, mas em que a relação ainda é a que é. Os três partidos juntos têm uma proporção muito significativa dos lugares na Assembleia da República e, várias vezes, os três se juntaram para inviabilizar propostas positivas feitas pelo PCP”, lamentou.

Sobre o dilema de as forças à esquerda do PS reclamarem algumas “bandeiras” para si, mas renegarem o respeito pela disciplina financeira imposta por Bruxelas e o eventual ganho eleitoral dos socialistas, nomeadamente nas últimas autárquicas, João Ferreira atribui essa noção a uma “deficiente perceção” do público, dada a menor presença no espaço mediático de PCP e PEV, por discriminação e silenciamento da comunicação social ou sobrevalorização de iniciativas de outros partidos.

“O que a situação demonstra é que o que é necessário não é andar para trás do ponto de vista do que foi esta alteração positiva na relação de forças. O facto de o PCP e a CDU terem crescido nas eleições ajudou ao que temos hoje e para irmos além do que temos hoje – é uma lição que estes três anos nos dão – o caminho passa pelo reforço da CDU necessariamente”, garantiu.

João Ferreira reconheceu que o principal móbil da denominada ‘geringonça’ de esquerda – o PS com acordos com bloquistas, comunistas e ecologistas – foi desalojar a direita do poder, terminando o seu projeto de “subversão constitucional” e de “cortes” para dar lugar à reversão de tais medidas.

O também vereador da Câmara Municipal de Lisboa vincou que foi a CDU “a primeira força política” a dizer na noite eleitoral de outubro de 2015 que “eles perderam” (PSD/CDS-PP) quando outros partidos “baixavam os braços”.

João Ferreira exclui subida a secretário-geral do PCP em 2020

O cabeça-de-lista da CDU às europeias rejeita a hipótese de suceder a Jerónimo de Sousa, mesmo que só dentro de dois anos, como secretário-geral do PCP, no Congresso Nacional ordinário dos comunistas, previsivelmente em dezembro de 2020.

O dirigente comunista elevou antes os cargos de vereador na autarquia lisboeta e parlamentar em Bruxelas e Estrasburgo em detrimento da eventual liderança do partido, frisando a diferença face a outras forças políticas do PCP, com a sua tradição e prática de cariz coletivista.

créditos: TIAGO PETINGA/LUSA

"As responsabilidades que admito são as de vereador na Câmara Municipal de Lisboa, pelo menos até 2021, e de deputado no Parlamento Europeu nos próximos cinco anos. São as responsabilidades que me motivam, neste momento. Está a falar com um atual membro do Comité Central, que continuará com essa condição, pelo menos, até ao próximo congresso do partido", disse.

O biólogo de 40 anos é pela segunda vez o primeiro nome da coligação que congrega PCP e "Os Verdes" na lista para o Parlamento Europeu, depois de já ter encabeçado o rol de candidatos autárquicos a Lisboa também por duas ocasiões, além da presença semanal em comentário televisivo, sendo assim um dos militantes comunistas com maior visibilidade a seguir ao atual secretário-geral, o antigo operário Jerónimo de Sousa, com 71 anos e há mais de 14 à frente do partido.

"De certeza que não. Certamente que não", respondeu rindo-se sobre a possibilidade de vir a tornar-se líder comunista, a partir de 2020.

Relativamente à sua contínua presença mediática, o eurodeputado e recandidato nas eleições europeias de 26 de maio relativizou, pois "há muitos militantes do PCP com visibilidade em função das tarefas que desenvolvem".

"Houve outros que as tiveram antes de mim e tiveram igual visibilidade. É sinal de uma intervenção destacada que o PCP e a CDU têm em muitas frentes, mas é fruto, sobretudo, não de rasgos individuais, mas de um coletivo. Nós somos um partido diferente em várias coisas, também desse ponto de vista. Nós temos uma liderança que é, sobretudo, uma liderança coletiva", afiançou.

"Pode perguntar mais uma vez e as vezes todas que quiser. Esse é um cenário que não está colocado. O que está colocado é desempenhar as tarefas que tenho neste momento e é isso que me motiva também", garantiu, perante a insistência sobre disponibilidade para o posto de secretário-geral do PCP, caso os seus "camaradas" o viessem a escolher.

João Ferreira acusa UE de funcionar com "recorte neocolonial"

O cabeça de lista da CDU às eleições europeias acusa a União Europeia (UE)de funcionar com um "recorte neocolonial" em muitos aspetos, criando uma "subordinação política intolerável" dos Estados-membros, como quando põe burocratas a apreciar orçamentos nacionais.

"Termos um conjunto de burocratas a dizer o que é que esse Orçamento do Estado deve conter, e a dizer que linhas é que ele não pode passar, e a dizer que medidas é que ele tem obrigatoriamente que prever, isto é uma situação de subordinação política intolerável”, argumenta João Ferreira, em entrevista à agência Lusa.

Para o eurodeputado e recandidato nas eleições de 26 de maio, “a União Europeia tem hoje um funcionamento que assume o recorte neocolonial em certos aspetos”, considerando e é essa dependência económica e uma subordinação política que tem que ser combatida.

O candidato comunista sustenta que o euro foi "um instrumento central na criação deste quadro", mas "não foi o único".

"É importante ter presente que o euro não é o único constrangimento que hoje pesa sobre Portugal, há outros. As políticas comuns, a Política Agrícola Comum, a Política Comum das Pescas e a política comercial comum tiveram impactos negativos. [O euro] não é o único constrangimento, mas é um constrangimento que se destaca face aos demais...E é um constrangimento que tem que ser removido", acentua.

João Ferreira admite um referendo para decidir se Portugal deve continuar no euro, apesar de preferir "uma solução no quadro da União Europeia, organizada, que permita a reconstituição de moedas nacionais".

O candidato defendeu que, para decidir a permanência de Portugal na União Económica e Monetária, "o ideal será um processo negociado no quadro da União Europeia", justificando assim as propostas dos eurodeputados do PCP de "um programa de apoio aos países que entendam sair do euro".

créditos: TIAGO PETINGA/LUSA

"Preferencialmente, devemos procurar uma solução no quadro da União Europeia, organizada, que permita a reconstituição de moedas nacionais não sendo isso possível. Não sendo possível, [Portugal] deve rejeitar soluções que sejam prejudiciais aos seus interesses", sustentou o eurodeputado.

Caso a UE continue a rejeitar uma solução negociada, o referendo é "uma hipótese".

Para justificar a saída da moeda única, João Ferreira recordou que, nos 20 anos anteriores à entrada no euro, Portugal cresceu "sempre acima da média da União Europeia" e "acima da média mundial". Mas inverteu a situação após a entrada na moeda única: "são 20 anos a crescer abaixo da média da União Europeia e da média mundial", ou seja, "duas décadas perdidas".

"Há poucos países no mundo, se virmos as bases de dados do Banco Mundial e do FMI, há poucos países no mundo com uma taxa de crescimento inferior à portuguesa, e os que existem são países que foram devastados por guerras e por conflitos civis", salientou.

João Ferreira considera "muito insuficiente" Portugal crescer abaixo de 3% e entende que o crescimento de 2,7% alcançado após recessão "não é extraordinário".

"Pensar um crescimento abaixo de 3% neste momento em Portugal é muito insuficiente para o que são as necessidades do país", sustenta João Ferreira.

"Nós tivemos uma média de crescimento, nos 20 anos de euro, abaixo de 1%: 0,9% ao ano. Lá está, um dos países que menos cresceram no mundo. Nós queremos estar a pensar em qualquer coisa nunca inferior a 3%. E isso é impossível com a prisão das imposições da União Europeia sobretudo as que estão associadas ao euro", conclui o deputado do PCP ao Parlamento Europeu.

Por outro lado, o eurodeputado comunista lembrou que "a dívida explodiu desde a adesão ao euro" e "o abandono e o desinvestimento em setores produtivos nacionais", como na agricultura, na indústria e nas pescas, tornaram o país mais vulnerável.

"Nós precisamos de uma verdadeira política de Estado de apoio à produção nacional para contrariar este caminho", defendeu.

O cabeça de lista da coligação PCP-PEV ao Parlamento Europeu insistiu também na necessidade de "renegociação da dívida" pública portuguesa, pondo fim à "dependência económica que o país atingiu" e que levam a uma "subordinação política" a "instrumentos intoleráveis", como a apreciação dos orçamentos nacionais pelas instituições comunitárias, o chamado 'semestre europeu'.

UE deve respeitar "decisão livre e soberana" dos britânicos

João Ferreira defende que o 'Brexit' resultou de "uma decisão livre e soberana do povo daquele país e que deve ser respeitada", considerando que a União Europeia deve evitar castigar os britânicos.

"Era desejável que houvesse da parte da União Europeia, em primeiro lugar, a postura de reconhecer que aquela decisão resultou de um pronunciamento soberano por parte do povo daquele país que deve ser respeitado", argumenta João Ferreira, em entrevista à agência Lusa, na qual admite que há setores britânicos que pretendem aproveitar o 'Brexit' para uma "deriva reacionária" e antissocial.

O eurodeputado do PCP entende que a União Europeia deve assumir uma "postura de não criar dificuldades e de arranjar soluções, seja quanto à saída seja quanto ao relacionamento futuro, que facilitem o mais possível a vida a todos".

"Nem sempre houve esta postura por parte da União Europeia. Era importante que houvesse. Se para isso vai ser necessário mais tempo ou não? Os próximos dias dirão, mas era preciso sobretudo, antes de pensarmos se vai ser necessário mais tempo ou não, era necessário perceber que é preciso uma outra postura por parte da União Europeia, não haver aqui tentativas de castigar quem se decidiu, quem tomou uma determinada decisão", frisa

créditos: TIAGO PETINGA/LUSA

Para João ferreira, a União Europeia "tem que reconhecer que houve uma decisão que foi tomada de forma livre e soberana e criar as condições para que ela possa ser efetivada" e "da forma mais suave e tranquila possível para todos".

CDU convicto de que manterá "presença forte" no Parlamento Europeu 

O eurodeputado comunista João Ferreira mostra-se convicto de que a CDU irá manter uma "presença forte" no Parlamento Europeu após as eleições de 26 de maio, antecipando uma lista com "paridade total" e "profunda ligação à realidade nacional".

Apesar de a coligação PCP-PEV ao Parlamento Europeu só apresentar oficialmente os candidatos no final de fevereiro, João Ferreira antecipou alguns traços da lista.

"Será seguramente uma lista, como as anteriores, com forte representação de mulheres, com paridade total entre mulheres e homens. Será uma lista com uma profunda ligação à realidade nacional, seja em termos de regiões seja em termos de setores de atividade. Ou seja, que reunirá seguramente um conjunto de conhecimento de competências, de saberes que estão na base do que tem sido a intervenção do PCP ao longo destes anos no Parlamento Europeu e que vai ter de continuar", antecipa.

Quanto às expetativas eleitorais, o dirigente do PCP manifesta "grande confiança" na possibilidade de "manter essa presença forte" no Parlamento Europeu, desvalorizando as sondagens que dão à coligação apenas dois eurodeputados contra os três que possui atualmente em Estrasburgo.

"Não me lembro de alguma sondagem que nos tenha dado mais deputados do que aqueles que nós viemos a obter. Normalmente dão sempre menos. Também foi assim há cinco anos e a CDU elegeu o terceiro deputado e nem sequer ficou longe no quarto. Agora o trabalho que fizemos nestes anos dá-nos uma grande confiança de que é possível manter essa presença forte", salienta.

"Nós temos uma grande confiança de que esse trabalho seja reconhecido, como seja reconhecido também, num plano mais nacional, o papel da CDU", afirma, destacando que Portugal atravessa " uma nova fase na vida política nacional", numa referência à saída da Troika e ao alívido nos cortes.

"Temos confiança de que esse papel, cá e lá, seja reconhecido, e que isso contribua para a CDU ter um bom resultado", conclui.

*Por Hugo P. Godinho e José Pedro Santos (texto) e Tiago Petinga (foto) | LUSA

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