As três representantes dos 29 estudantes que a Universidade de Coimbra (UC) avançou com queixa-crime, por terem ocupado o antigo edifício dos Serviços Médicos da UC no dia 25 de abril de 2023, dizem que reação da reitoria é “desadequada” naquilo que consideram ter sido uma “ação simbólica”, “temporária” e efetuada de forma “ordeira e pacífica” pela falta de residências e espaços de utilização renovados para os estudantes.

Em conferência de imprensa, as três jovens consideram que não houve crimes contra o património e que a acusação de que são alvo não é aplicável, uma vez que “o edifício está devoluto e não houve danos”.

“O relatório policial não evidencia qualquer tipo de arrombamento”, disse uma das estudantes em representação dos 29 que estão indiciados. No documento da polícia pode ler-se que os jovens saíram de forma “ordeira e pacífica” do edifício, depois da intervenção da PSP, e após a reitoria da Universidade não ter atendido um telefonema do grupo de estudantes.

“Participamos na marcha do 25 de abril, como é organizada todos os anos, e nesse dia foram distribuídos flyers para uma ação que iria realizar-se no antigo serviço de ação médica da Universidade de Coimbra, um edifício que pertence aos Serviços de Ação Social, mas que está desativado há quase uma década e que tem um projeto de construção de uma residência universitária que já devia ter sido efetivada”, assinala Catarina Silva, uma das jovens indiciada, em conversa com o SAPO24. “Contudo, as obras nunca iniciaram”, acrescenta a jovem licenciada em Relações Internacionais.

O protesto estudantil pretendeu chamar a atenção para a falta de alojamento e o direito à habitação consagrado na Constituição da República portuguesa, nomeadamente o facto de os custos com habitação terem atingido um nível que os “estudantes não conseguem suportar”.

Os estudantes, que enfrentam agora um processo judicial, acusam a UC de não renovar os espaços e edifícios, como residências universitárias, atempadamente. O edifício que ocuparam simbolicamente em abril era onde se prestavam cuidados médicos aos estudantes.

“No dia que entrámos no edifício, havia uma placa com o alvará da obra e descrição do projeto e entretanto essa placa já lá não está. Portanto, não sabemos em que ponto está agora a obra”, frisa Catarina.

Em resposta à agência Lusa, na véspera da conferência de imprensa convocada pelos estudantes, a reitoria informou por escrito que, “na situação reportada, um grupo de cerca de 20 pessoas ocupou um imóvel da Universidade de Coimbra (antigo edifício dos Serviços Médicos da UC), arrombando a porta de entrada”.

Os estudantes refutam essa versão, “aliás, ficamos bastante nervosos com as notícias que saíram ontem com as declarações da reitoria em que informa os órgãos de comunicação social que nós arrombamos a porta e isso não é verdade. Basta ler o auto de notícia”, contam ao SAPO24.

“Quando entrámos no edifício, o portão e a porta de entrada estavam abertos, não foi preciso forçar a entrada, arrombar nada, não roubamos nada. E isso está escrito no auto da notícia, no processo da polícia, ao qual tivemos acesso”, sublinha Catarina Silva.

A Universidade informou que o edifício em causa “apresenta condições estruturais frágeis e encontra-se fechado, a aguardar obras de reabilitação, não apresentando condições de segurança que permitam a sua utilização”.

“Estas circunstâncias foram transmitidas aos ocupantes, tendo-lhes sido pedido que saíssem voluntariamente, sensibilizando-os que a permanência no interior do edifício constituía uma situação de perigo e de risco grave para a sua própria segurança”, declara a UC.

A Universidade disse ainda à Lusa que os participantes na ação não acederam e “após várias horas de ocupação do edifício e de diálogo com os ocupantes, foi necessário participar a situação às autoridades competentes (tendo o procedimento seguido os seus trâmites normais) para que pudessem intervir, assegurando que o imóvel fosse desocupado e garantindo, desta forma, a salvaguarda da integridade física das pessoas que se encontravam no interior de um espaço da UC”.

Os estudantes reiteram que no dia do protesto, em nenhum momento a UC os procurou contactar, “nenhum canal de comunicação direto foi estabelecido entre a reitoria acusante e as pessoas presentes”, afirmam.

“Houve um primeiro momento de identificação pelas 16h30, e o corpo policial acabou por se retirar, uma vez que não havia queixa formalizada, nem tinham nenhuma base legal para nos retirar do local. Depois de jantar, os polícias entraram com uma chave que, segundo nos disseram, lhes foi dada pelo vice-reitor, e procederam a um segundo momento de identificação. Informaram-nos, então, que tínhamos que abandonar o local, o que fizemos de forma ordeira e sem resistência”, esclarecem as jovens.

Ao longo daquele dia de abril, que marca a liberdade de expressão e direito à manifestação, passaram mais de 100 pessoas pelo local, sobretudo estudantes. De acordo com Catarina Silva, o local foi preparado para uma assembleia pública de estudantes seguido de um jantar organizado com ajuda das repúblicas de estudantes. No final, limparam o local e foram embora, na presença da polícia, “ninguém foi detido”.

“Passados quatros meses, uma altura de férias em que estamos espalhados pelo país. Começamos a receber chamadas para irmos prestar declarações à polícia. E foi aí que soubemos que a reitoria nos tinha posto um processo crime”, conclui a jovem.

A Universidade de Coimbra assegurou ainda que “tem apoiado, e continuará sempre a apoiar, as diversas iniciativas e manifestações dos/as estudantes, colaborando, inclusivamente, para a criação das condições para a sua realização, sempre que se revele necessário e esteja assegurada a segurança de todos os envolvidos”.

Mas os estudantes não têm sentido esse "apoio" e a prova disso é que estão em vias de enfrentar um processo criminal. Ao todo, são 29 jovens estudantes indiciados. Estão preocupados com a ação penal que enfrentam.

“A nossa segurança está a ser posta em risco a um nível económico, porque temos que suportar custos processuais, e a nível psicológico, através da abordagem intimidatória e punitiva, que reprime a nossa liberdade de expressão, de reunião e de manifestação pacífica”, afirmam os estudantes que não receberam qualquer apoio para os ajudar com o processo, nem da parte da Associação Académica (AAC), confirmam, quando questionados se a AAC os está a apoiar.

As jovens lembram que nem a UC, nem a Câmara Municipal de Coimbra têm feito esforços suficientes para resolver o problema da habitação na cidade.

“A implementação efetiva do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES) é um passo crucial que não pode ser mais adiado, e é vital que todas as partes interessadas, incluindo a Câmara Municipal de Coimbra, se envolvam ativamente neste processo”, afirma Joana Coelho.

Ainda na resposta enviada por escrito à agência Lusa, a reitoria diz estar “solidária e consciente das dificuldades dos/das estudantes no acesso à habitação”, e “tem empenhado todos os esforços para ultrapassar este problema, estando em curso os procedimentos para a reabilitação de duas residências universitárias e para a construção de duas novas residências universitárias”, concluiu.

A estudante lembra que no presente ano letivo, "apenas 10 residências dos Serviços de Ação Social da UC se encontram ativas, dispondo de um total de 1093 camas. No entanto, este número é insuficiente”, frisa Joana Coelho, lembrando que a UC abriga "o segundo maior contingente nacional de estudantes deslocados" e que atrai um número crescente de estudantes nacionais e internacionais.

"Reconhecemos que o PNAES prevê que, até 2026, na Universidade de Coimbra, sejam habilitadas mais 4 residências: Alegria (temporariamente fechada), Combatentes (temporariamente fechada), Luís Camões, Monumentais, resultando num aumento da capacidade em mais 328 camas”, prossegue.

“Exigimos que estes projetos se concretizem o mais rapidamente possível. Reivindicamos, também, que os edifícios devolutos devem ser reabilitados e alocados para habitação social e estudantil, tal como ademais está previsto no Plano Mais Habitação, que entrou em vigor em outubro do presente ano”, conclui a estudante de Biologia.