Francisca e Francisco passaram a fazer parte do grupo de muitos dos jovens que, todos os anos, passam pela experiência de estudar fora. Os dois não se conhecem. Nesta estória, em comum só os nomes e o facto de tanto Francisca Morgado, como Francisco Santos Silva terem saído este ano letivo do país para estudar no estrangeiro.

"Um país completamente diferente para uma experiência completamente nova"

Francisca Morgado foi para a América do Norte terminar o secundário. “Sempre ouvi histórias de imensa gente que foi para fora com este programa e muitos falavam nos EUA”, conta ao SAPO24.

Com o apoio dos pais, inscreveu-se num programa pago de dez meses da American Field Services (AFS), uma organização sem fins lucrativos presente em mais de 50 países.

“Comecei a ver os programas que eles [AFS] tinham e fiquei interessada neste [EUA], que era o programa com mais pessoas interessadas. Todos os que foram, disseram ser uma experiência que nos mudava e que ficava para a vida”, diz Francisca, via Whatsapp, desde a Califórnia.

Aluna da escola Salesianos de Lisboa, onde completou o 10.º e 11º ano, Francisca ouviu falar nesta associação internacional de intercâmbio de estudantes, e decidiu candidatar-se.

“Pensei em fazer as coisas a sério e ir para um país completamente diferente para ter uma experiência completamente nova”, conta a jovem, na véspera de completar 17 anos.

Estudar Fora - Francisca Morgado
Estudar Fora - Francisca Morgado créditos: DR

Este ano letivo, a AFS enviou 50 estudantes para fora. Destes 50, “oito vão fazer o programa trimestral e 42 vão fazer o ano letivo completo, que são dez meses”, diz Aurora Mousinho, gestora do programa AFS Portugal. No ano passado, “47 fizeram o programa anual e oito o trimestral”, compara a gestora, apontado “os EUA como o destino mais escolhido pelos candidatos”.

Os candidatos passam por um processo de seleção que inclui meses de preparação, tanto dos estudantes como das suas famílias antes da viagem. Uma das razões, tem a ver com as saudades. O programa desincentiva que os participantes recebam visitas da família, ao longo dos dez meses (o programa que equivale a um ano letivo). Só dessa forma conseguem “viver um processo de imersão cultural”.

"Uma experiência que nos muda e que fica para a vida"

“O contacto permanente com a família e amigos/as portugueses/as, poderá ser inibidor de um envolvimento na vida familiar e na comunidade de acolhimento”, pode ler-se no site da organização. A AFS avalia o perfil de todos, incluindo as famílias de acolhimento. A segurança é outra das preocupações.

Aurora Mousinho, Gestora de Programas de Envio da AFS, reconhece que essa preocupação vem sobretudo da parte dos pais, o que é normal.

“Nunca podemos dar garantias de segurança a 100%, é algo que ultrapassa qualquer organização”, reconhece a gestora. “Os jovens que partem num dos programas AFS, ficam normalmente em cidades pequenas. Em escolas com um número de estudantes pequeno, em bairros mais pacatos, em zonas mais rurais e poucos ficam em cidades grandes”.

É o caso de Francisca, que está numa cidade da grande metrópole de S. Francisco: “Estou numa cidade pequena, a escola tem dois mil alunos, todos do secundário. Quando cheguei no primeiro dia, um “counselor” (funcionário da escola, em tradução livre) mostrou-me o que fazer: as disciplinas que são obrigatórias para concluir o secundário nos EUA, e que variam de Estado para Estado. Por exemplo, estou a fazer a de História dos EUA, do 11º ano, porque se queremos acabar o secundário, temos de ter essa disciplina no currículo escolar”, explica a jovem.

“Quando cheguei às aulas, as colegas - quando souberam que estava a fazer um ano fora do meu país - ficaram muito interessadas em saber de onde vinha. Muitas não sabiam onde era Portugal e até chegaram a dizer que era muito corajosa”, exclamou.

Ainda sobre a segurança do programa, todos os membros adultos da família têm de apresentar registo criminal, “sejam pais ou filhos maiores de idade, em qualquer dos países”, explica a gestora. “As famílias de acolhimento são entrevistadas por um representante local da AFS, que vai a suas casas”, esclarece Aurora Mousinho em conversa telefónica com o SAPO24.

A gestora acrescenta ainda que “tem de haver uma escola secundária disponível, com vagas para receber o aluno estrangeiro. Essas escolas devem respeitar as diretrizes dos seus ministérios de Educação. São as famílias [de acolhimento] que indicam à AFS qual a escola preferida. Os pais devem indicar boas escolas, com boas opções educacionais, em que haja segurança, especialmente na área de residência onde vivem e onde têm os filhos a estudar. Normalmente, os estudantes ficam com famílias que têm filhos na escola, mas podem ser famílias sem filhos [ou filhos pequenos]”, como é o caso da nova família de acolhimento de Francisca Morgado.

“Cheguei ao aeroporto de Sacramento quase à meia-noite. Como ainda fica longe da casa onde ia ficar, foi só a ´mãe´ buscar-me, porque têm filhos pequenos e já era tarde. Quando chegamos, senti-me logo bem”, conta a estudante de Lisboa que diz sentir-se bem com a família que a acolhe e acrescenta que não precisa de dinheiro para o dia-a-dia, “já que a família anfitriã assegura os gastos”, admitindo que só utiliza o seu dinheiro em situações pessoais.

"O American dream"

Os EUA são o destino mais procurado pelos jovens portugueses. Dos 50 alunos enviados, 25 cinco foram para os EUA. É ainda o “American dream”, conta Aurora Mousinho, “a influência das séries, do cinema e da música, continua a alimentar o sonho de ir para a América, terem o High School e passarem pela experiência que já viram em filmes e séries” é o que mais os atrai.

Dos restantes 25, dois foram para o Japão, um para a Argentina e outro para a República Dominicana. Na Europa, foram enviados estudantes para a Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Países-Baixos, Noruega e Suíça”.

Segundo a gestora, não são os problemas atuais do nosso ensino que levam estes jovens a estudar fora, mas sim a oferta de ensino que encontram nas escolas portuguesas.

“Não têm ainda um foco, não encontraram ainda o seu rumo, procuram algo de diferente e daí inscreverem-se num programa da AFS, para terem acesso a outro sistema de ensino".

"Alguns destes jovens, quando vão para escolas secundárias de outros países encontram uma motivação e acabam por seguir cursos que não tinham pensado antes. Outros, acabam por dar valor ao que tinham em Portugal, já que somos dos únicos países do mundo que têm áreas vocacionais como as Ciências, Línguas, Humanidades ou Artes. Na maior parte dos países do mundo não têm essa escolha”, compara a gestora, dando também como exemplo a facilidade que os estudantes portugueses têm em aprender as línguas locais em muito pouco tempo.

Os programas são pagos. Os custos variam entre os 4500 e os 15 mil euros consoante o destino e a duração. As despesas referentes a passagens de avião, despesas escolares obrigatórias e um seguro médico estão incluídas. A alimentação é assegurada pelas famílias de acolhimento e as escolas que oferecem almoço nas cantinas.

Nos casos de rendimentos familiares que não permite a participação nos programas, existe a possibilidade de bolsa que “cobre até 40% do valor da Taxa de Participação”, lê-se no site.

“Consegue-se encontrar mais mundo a viver nos Países Baixos do que em Portugal”

Enquanto Francisca Morgado está nos EUA a terminar o secundário, Francisco Santos Silva está nos Países Baixos a estudar "Liberal Arts and Sciences" na "University College of Maastricht" (UCM).

Em 2019, Francisco conseguiu uma bolsa para estudar numa escola internacional em Oeiras, a OIS (Oeiras International School). Fez o Middle Years Programme e concluiu o International Baccalaureate (Diploma Programme), equivalente ao 12.º ano. A partir daí, com a orientação dos professores da OIS - provenientes de vários países -, começou a planear o seu futuro académico. A OIS deu o estímulo para sair e os Países Baixos "foram a escolha mais acertada".

Estudar nos Países Baixos permite estar mais “próximo de instituições como as da União Europeia (uma área que me interessa bastante), e acaba por ser muito mais fácil estabelecer contactos diretos com pessoas ligadas ao ramo", conta Francisco Santos Silva ao SAPO24.

“Ter mais saídas profissionais é importante"

Francisco percebeu, desde logo, que seguir os estudos em Portugal o colocaria mais distante de oportunidades de trabalho mais bem remuneradas, logo de “melhor qualidade de vida”.

Nos Países Baixos, Francisco vai estudar em modo part-time e trabalhar o resto do tempo para ajudar a pagar o curso. “Estou em Maastricht sem bolsa, mas já tratei da documentação local para trabalhar e candidatar-me a apoios”, prevê.

O cartão fiscal e social chama-se “Burger Service Nummer” (BSN, na sigla em neerlandês). Quem chega a uma cidade holandesa, com a intenção de viver por um período mais alargado, deve efetuar o registo no município local e obter o cartão para viver ou trabalhar nos Países Baixos. O BSN pode ser temporário ou definitivo conforme a situação de registo no Município. No entanto, independentemente de ser temporário ou definitivo, o número atribuído será vitalício. “Agora com o BSN conto encontrar trabalho”, diz o estudante, para fazer face às despesas.

O custo das propinas da licenciatura nos Países Baixos é o que mais pesa no orçamento. No caso de Francisco, na UCM, a propina anual atinge os 2314 euros para um estudante de licenciatura em full-time, e os 1647 euros em part-time. Em Portugal, o custo anual ronda os 700 euros em full-time.

Continua a ser barato estudar no ensino superior em Portugal, em comparação com outros países. No entanto, os salários pouco competitivos, o agudizar de problemas como alojamento, ou melhor, a falta dele, sobretudo nas universidades das grandes cidades portuguesas e onde se junta o aumento do custo de vida: está tão alto que estudar no estrangeiro, talvez, não seja assim tão diferente.

O nível do custo de vida em Lisboa equipara-se a Maastricht, “o preço dos alimentos nos Países Baixos são parecidos com Portugal, a diferença está nos salários que são baixos, em Maastricht não”, refere Francisco.

Segundo o portal OkStudent, o custo de vida nas principais cidades neerlandesas rondam os 800 e os 1500 euros por mês, onde se incluem as rendas, alimentação, despesas, transportes e lazer.

A disparidade salarial entre os dois países é mais que o dobro. Enquanto o salário mínimo português recebeu no início do ano uma atualização de 7,8%, passando de 705 para 760 euros brutos. O neerlandês aumentou 10%. Em janeiro de 2023, passou de 1.756,20 para 1.931,82 euros (brutos).

“Em Lisboa as rendas são quase impossíveis de pagar com um salário full-time”, constata Francisco - um quarto para estudante na capital pode ultrapassar os 600 euros. “E um salário part-time, que é tudo o que consigo fazer com o tempo que tenho, nem se fala. E é preciso haver emprego, que não há”, lamenta. Enquanto que nos Países Baixos, feitas as contas, Francisco sabe que é "possível viver com o um salário part-time e com a ajuda que os pais dão todos os meses”.

Estudar fora - Francisco Santos Silva
Francisco Santos Silva - Países Baixos créditos: DR

Em Maastricht, a média dos quartos varia entre os 400 e os 600 euros por mês. Francisco encontrou um quarto numa “casa muito boa, a 370 euros”. Já do lado da Bélgica, mas muito próximo da Universidade. “Estou a 10 minutos de bicicleta. A casa é partilhada com outros estudantes também estrangeiros e um holandês”, descreve o jovem de 18 anos.

Esta cidade neerlandêsa com cerca de 122 mil habitantes fica próxima da fronteira com a Bélgica e a Alemanha. A sua Universidade identifica-se como “a mais internacional do país”, 51% dos seus estudantes são estrangeiros, pode ler-se no portal da UM. “Tem estudantes da África do Sul, da América do Norte e de outros países da Europa. Muitos estudantes belgas, também, pela sua proximidade”, confirma Francisco que está frequentar uma licenciatura que só existe nos Países Baixos e no Reino Unido.

“A licenciatura que estou a frequentar, Liberal Arts and Sciences, é mais modular e está na área de Ciências Sociais. Escolhi disciplinas de Sociologia e Ciência Política, mas posso fazer módulos das outras áreas que são Ciências Humanas ou Humanidades e, no final, posso fazer um semestre numa universidade parceira fora dos Países Baixos”, explica Francisco.

A cidade de Maastricht tem vindo a crescer em população e oportunidades de trabalho. Nos últimos anos, Maastricht deixou de ser uma "tranquila capital provincial" para se tornar uma "vibrante cidade estudantil internacional" com um “renomado centro médico universitário”, um campus de saúde, inúmeras startups, um centro da cidade com muitas lojas de comércio, bons hotéis, inúmeras esplanadas e “muitos artistas” que se fixaram na cidade e criaram os seus ateliers depois de se formarem, lê-se no site da University of Maastricht.

“Para mim, foi fácil começar a vida em Maastricht", reconhece o estudante que aprendeu a falar Neerlandês com a app para telemóveis "Duolingo". "Comecei logo com contactos online, ainda em Portugal, através das redes sociais”. Apesar de não utilizar muito, foi no Facebook que Francisco encontrou “grupos ligados à universidade" e que o ajudaram a estabelecer contactos.

Oportunidades para estudar fora, como conseguir?

A melhor maneira de enfrentar os desafios de quem vai estudar para um país novo é planear com a maior antecedência possível e estar preparado, tanto financeiramente como psicologicamente (para quando a saudade de casa aperta).

Enviar os filhos para estudar fora é um projeto que deve ser planeado com antecedência. A preparação acontece em duas frentes, tanto do lado dos pais, como dos estudantes. Do lado dos pais, quanto mais cedo começarem um plano de poupança para os estudos dos filhos, melhor. Para quem tem disponibilidade financeira, há programas de estudo pagos com pacotes que incluem despesas como viagens, estadia e propinas.

Os Planos de Poupança Educação (PPE) são produtos de médio e longo prazo vocacionados para financiar a educação dos filhos. Em muitos dos casos, pode resgatar o PPE a qualquer momento. Contudo, "se o reembolso ocorrer fora das condições legalmente estabelecidas, serão aplicadas penalizações fiscais (o participante terá de devolver ao Estado os benefícios fiscais que obteve com o investimento no plano de poupança, caso existam, acrescidos de uma penalização adicional)", refere o portal da Autoridade de Supervisão e Fundos de Pensões (ASF). Nos casos de frequência ou entrada num curso do ensino profissional ou do ensino superior pode levantar o valor do plano de poupança sem penalizações.

As outras duas vias, passam por conseguir apoios como bolsas de estudo ou trabalhar enquanto estuda. No que se refere a bolsas, há menos oferta para alunos de licenciatura e mais apoios para pós-graduações.

Para quem pretende ingressar em mestrado ou doutoramento, encontra no portal do EuroDesk várias oportunidades para estudar na Europa. Além do EuroDesk, existe o Guia de Financiamento Europeu. Neste portal, pode encontrar programas de apoio que "cobrem um vasto leque de domínios: desde despesas diárias, propinas e estágios a custos extra para semestres no estrangeiro, cursos de línguas e custos associados a projetos científicos", dá nota um documento disponível no portal da DGES.

No caso de ser trabalhador-estudante, nos Países Baixos, por exemplo, os estudantes da UE que ingressam nas suas universidades pode receber apoio através do programa "Student Finance", desde que reúnam os requisitos, entre os quais, ter um contrato de trabalho com o mínimo de 32 horas por mês.

Na Alemanha, a generalidade das universidades públicas não cobram propinas. Contudo há uma série de custos que os estudantes devem ter em conta. Além dos custos com despesas de alojamento e alimentação, existem taxas que devem pagas anualmente. Essas taxas são para ter acesso a materiais de estudo e a transportes públicos.

Os EUA são um dos destinos mais procurados para frequentar o ensino superior. É também dos países mais caros. Talvez por isso a oferta de bolsas seja maior. A mais conhecida é o programa Fulbright, especialmente vocacionado para candidatos já licenciados que procuram intercâmbio para investigação ou para lecionar. 

Mas também existe financiamento para licenciaturas ou “undergraduate programs”.  No site EducationUSA encontra muita informação sobre estudar nos EUA, sabendo que o acesso a financiamento é muito competitivo, a maior parte das bolsas é atribuída com base no mérito. Outra dica útil, é escolher as “communities colleges” que, segundo o portal da Fulbright, são instituições de ensino superior mais baratas.

A nacionalidade do candidato pode também ajudar na atribuição de bolsa. Caso a universidade para onde o estudante se candidata estiver pouco representada, “será maior a probabilidade de atribuição de uma bolsa, uma vez que muitas universidades norte-americanas têm como objetivo diversificar a sua comunidade académica”, lê-se no portal.