Os autores deste trabalho, que venceu este ano o Prémio em Bioética João Lobo Antunes, defendem ainda que devem ser atribuídos incentivos aos investigadores para que se concentrem em estudar novas formas de combater a desinformação.
Em comunicado, o autor principal do estudo, Francisco Goiana-da-Silva, professor na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, revela que a equipa se disponibilizou para integrar grupos de trabalho da Organização Mundial da Saúde (OMS) dedicados ao desenvolvimento de ferramentas de combate à desinformação em saúde, uma oferta bem recebida pela organização.
A OMS “demonstrou já um grande interesse no trabalho vencedor e abertura para envolvimento dos especialistas portugueses neste contexto” e Francisco Goiana da Silva e João Marecos vão começar a colaborar com a organização na condição de especialistas “durante as próximas semanas”, explica.
Com o aumento exponencial da oferta, com ‘bloggers’, ‘youtubers’, as redes sociais e muitos sites que competem com a imprensa tradicional na difusão de informação, dar notícias “tornou-se uma corrida, com primazia à quantidade e velocidade em detrimento da qualidade e precisão”, explicam os autores.
“Atualmente, a maioria das pessoas tem a capacidade de ler e encontrar informações online sobre qualquer tópico, a qualquer momento, com o mínimo esforço”, sublinham, acrescentando: “a abundância de informação tornou-se tão avassaladora que as empresas gastam, anualmente, biliões (milhares de milhões) de dólares para capturar a atenção das pessoas”.
A investigação diz ainda que a capacidade de selecionar fontes, filtrar versões e analisar criticamente a informação se tornou “uma ferramenta tão básica como a capacidade de ler” e acrescenta que, “quando essa competência não está presente, a desinformação aumenta”.
A juntar a isto, o trabalho recorda também os algoritmos das grandes plataformas, como o Facebook e a Google, que fornecem conteúdos online de acordo com as preferências do utilizador.
“Consumir notícias tornou-se uma experiência mais personalizada, quase feita por medida, adaptada à visão do mundo de cada um, menos desafiante. Lemos o que gostamos de ler. Daqui até aos ‘filtros-bolha’ e às ‘câmaras de eco’ foi apenas um pequeno passo”, referem os autores.
O trabalho — “Desinformação e Saúde: uma perspetiva bioética” – sublinha os perigos decorrentes da nova forma de obter informação sobre saúde e conclui pela necessidade de agir, “desde a recolha de evidência (prova) científica até à construção de políticas governamentais”.
A propósito do impacto das ‘fake news’ sobre saúde nos comportamentos e crenças da população, os autores recordam que os artigos online nesta área estão entre os mais populares na internet.
“As 100 principais histórias de saúde publicadas em 2018 (incluindo histórias partilhadas por reconhecidos meios de comunicação tradicionais) foram partilhadas um total de 24 milhões de vezes através das redes sociais, atingindo potencialmente biliões (milhares de milhões) de leitores”, referem os especialistas, destacando que “mais de 50% desses artigos foram consideradas imprecisos”.
Sublinhando que o rumo a tomar “não é fácil nem claro”, os investigadores lembram que “a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão são pilares de qualquer nação democrática e devem ser preservadas” e que o mau jornalismo, as alegações imprecisas ou as abordagens tendenciosas são “efeitos colaterais” dessas liberdades, “que ainda assim merecem ser preservadas e defendidas”.
Defendem que a solução para a desinformação passa por muitos atores diferentes e que qualquer abordagem abrangente tem de envolver os três principais interessados: Os governos e os parlamentos, os meios de comunicação tradicionais e os cidadãos.
Consideram igualmente essencial forçar os órgãos de comunicação social a seguirem certos procedimentos quando reportam sobre descobertas científicas e avançar com “amplas reformas educacionais” para fornecer às pessoas, nas diferentes etapas das suas vidas, as ferramentas hoje necessárias para navegar através de múltiplas fontes de informação num mundo cada vez mais desafiante.
Propõem também que a autorregulação passe a incluir quem hoje não está abrangido nem por compromissos do setor da comunicação social nem pelas regras deontológicas, como os influenciadores e os ‘bloggers’.
“Talvez seja tempo de reconhecer estes novos intervenientes como concorrentes diretos na luta pela nossa atenção e promover um regime de autorregulação que também os possa incluir”, escrevem os autores, acrescentando que “num mundo cheio de ruído, será a credibilidade de cada comunicador a determinar quem será ouvido”.
Por fim defendem que os cidadãos devem ser diretamente visados e sensibilizados para as falhas na capacidade de distinguir informação verdadeira de informação falsa, pedindo mais iniciativas centradas na literacia digital e no pensamento crítico.
“Os ‘press watchdogs’ que incluam peritos em saúde devem ser encorajados e financiados, a fim de expor notícias falsas de saúde e relatórios científicos deficientes e devem ser atribuídos incentivos a investigadores para que se concentrem em novas formas de combater este tipo de desinformação”, acrescentam.
Comentários