Inaugurado por ocasião das anteriores eleições europeias, em 2014, o processo de designação do presidente da Comissão entre chamados “Spitzenkandidaten” (termo alemão que se pode traduzir por “candidatos principais”) apresentados por cada família política perdeu força ao nível do Conselho Europeu, composto pelos chefes de Estado e de Governo da União Europeia, a quem cabia a escolha do nome a propor ao Parlamento Europeu até há cinco anos, e que querem retomar esse poder.
Em fevereiro de 2018, por ocasião de uma cimeira celebrada em Bruxelas, o Conselho Europeu acordou que os grupos políticos europeus seriam livres de voltar a designar “candidatos principais” às eleições de maio de 2019, mas advertiu que não está contemplado nos tratados da UE qualquer “mecanismo automático” que determine que o futuro presidente da Comissão seja o “Spitzenkandidat” do partido ou coligação com mais votos a nível dos 28.
Vários líderes europeus, entre os quais o primeiro-ministro português, António Costa, e também o Presidente francês, Emmanuel Macron, já manifestaram reservas quanto à repetição do método “Spitzenkandidaten”, o mesmo sucedendo com alguns dos grandes entusiastas do modelo há cinco anos, caso do belga Guy Verhofstadt, líder dos Liberais e seu “cabeça de lista” em 2014, que recentemente considerou que o PPE “matou” este processo de designação ao bloquear no Parlamento uma proposta de criação de listas transnacionais, a única forma através da qual os partidos de média ou pequena dimensão poderiam aspirar a alcançar postos de topo na estrutura da UE.
Em causa está o facto de, com este sistema, o Partido Popular Europeu ter à partida a “garantia” de que elegerá novamente o próximo presidente da Comissão, dada a sua hegemonia nas eleições a nível europeu nas duas últimas décadas, entre as quais as de 2014, que levaram então à designação do seu “candidato”, Jean-Claude Juncker, como sucessor de José Manuel Durão Barroso, também ele uma figura do PPE, que esteve à frente do executivo comunitário durante dez anos (2004-2014).
Este ano, os Liberais – que de acordo com as sondagens serão a terceira maior força política no hemiciclo - decidiram antes apresentar uma “Equipa Europa”, com sete candidatos a cargos de topo na futura arquitetura da União Europeia a sair das eleições europeias, entre os quais se inclui o próprio Verhofstadt.
Do seu lado, os chefes de Estado e de Governo têm o argumento legal: “O Tratado [de Lisboa] é muito claro: o presidente é eleito por proposta do Conselho, em função dos resultados eleitorais”, recordou António Costa nessa cimeira de fevereiro de 2019 em que o Conselho Europeu tomou uma posição firme sobre a designação do futuro presidente do executivo comunitário.
Este ano, o “cabeça de cartaz” do PPE é o seu líder parlamentar, o alemão Manfred Weber, uma figura sem o “peso político” de Juncker, e que muito dificilmente reunirá a unanimidade no Conselho mesmo que a família política de centro-direita, à qual pertencem PSD e CDS-PP, volte a ser a mais votada a nível dos 28. Nesse cenário, o Conselho poderá “forçar” o PPE a apresentar outro nome, e aquele de que mais se tem falado é o do francês Michel Barnier, com um vasto currículo, que inclui na última entrada o estatuto de negociador-chefe da UE para o ‘Brexit’.
Também os Socialistas Europeus, que têm sido a segunda maior força política no Parlamento Europeu, apresentam um candidato relativamente desconhecido do grande público, o holandês Frans Timmermans, “braço direito” de Juncker na Comissão Europeia, quando em 2014 o seu “Spitzenkandidat” era o presidente da assembleia europeia, Martin Schulz.
Com as reservas de vários membros do Conselho Europeu a prescindirem de novo do direito a escolherem o nome do futuro presidente da Comissão Europeia, o modelo de “Spitzenkandidaten” em 2019 poderá então servir, acima de tudo, para as famílias políticas de certa forma já se posicionarem na corrida às várias “cadeiras” que ficarão vagas, que não exclusivamente aquela que Juncker deverá deixar em 31 de outubro próximo.
Além do lugar de topo no executivo comunitário, tendo em conta os resultados das eleições europeias serão também designados os sucessores de António Tajani na presidência do Parlamento Europeu, de Donald Tusk como presidente do Conselho Europeu, de Federica Mogherini como Alta Representante para a Política Externa, além da distribuição de pastas e vice-presidências na próxima Comissão Europeia, sem esquecer a liderança do Banco Central Europeu (BCE).
Quase paralelamente à posição do Conselho Europeu sobre o modelo de “Spitzenkandidaten”, o Parlamento Europeu também adotou a sua, em fevereiro do ano passado, tendo reiterado que o processo “é para manter” e garantindo que rejeitará qualquer nome proposto pelos líderes europeus para o cargo de presidente da Comissão que não tenha sido designado “candidato principal” pelos partidos políticos europeus antes das eleições de 2019.
A assembleia europeia argumentou que este processo “reforça a legitimidade política, tanto do Parlamento, como da Comissão, associando de forma mais direta as respetivas eleições às escolhas dos eleitores”.
Contudo, se o Conselho Europeu insistir em chamar a si a responsabilidade de indicar um nome para a presidência da Comissão, esta ameaça de veto do Parlamento Europeu poderá não concretizar-se, bastando que as bancadas afetas aos Governos com assento no Conselho Europeu votem alinhadas com os chefes de Estado e de Governo, que querem voltar a ter a última palavra na designação do presidente do executivo comunitário.
Lista dos candidatos principais transnacionais (“Spitzenkandidaten”)
- Partido Popular Europeu (PPE), direita
Manfred Weber, Alemanha, 46 anos, atual líder do PPE no Parlamento Europeu.
- Partido dos Socialistas Europeus (PSE), centro-esquerda
Frans Timmermans, Holanda, 57 anos, atual primeiro vice-presidente da Comissão Europeia.
- Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), direita
Jan Zahradil, República Checa, 55 anos, atual líder da Aliança dos Conservadores e Reformistas.
- Aliança dos Liberais (ALDE), centro-direita (lista de 7 candidatos aos lugares de topo na UE):
Guy Verhofstadt (Bélgica, 66 anos, líder do grupo do ALDE), Margrethe Vestager (Dinamarca, 51 anos, atual comissária europeia da Concorrência), Nicola Beer (Alemanha, 49 anos, deputada do FDP), Katalin Cseh (Hungria, 30 anos, deputada do Momentum), Luis Garicano (Espanha, 52 anos, deputado do Ciudadanos), Emma Bonino (Itália, 71 anos, membro do Senado italiano e antiga comissária europeia e ministra dos Negócios Estrangeiros) e Violeta Bulc (Eslovénia, 55 anos, atual comissária europeia dos Transportes).
- Verdes, esquerda, dois candidatos
Ska Keller, Alemanha, 37 anos, colíder parlamentar do grupo dos Verdes, e Bas Eickhout, Holanda, 42 anos, eurodeputado.
- Esquerda Europeia, dois candidatos
Violeta Tomic, Eslovénia, 56 anos, deputada do partido Levica, e Nico Cué, Bélgica, 62 anos, sindicalista.
- Aliança Livre Europeia, independentistas
Oriol Junqueras, Espanha, 49 anos, deputado no parlamento catalão, atualmente em prisão preventiva.
(Notícia atualizada às 11:03)
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