De acordo com a Constituição da República, perante um veto, o parlamento pode confirmar o texto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, 116 em 230, e nesse caso, o Presidente da República terá de promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção.
Este é o quarto diploma do parlamento que visa despenalizar a morte medicamente assistida, alterando o Código Penal. O tema já foi alvo de dois vetos políticos do chefe de Estado e dois vetos na sequência de inconstitucionalidades decretadas pelo Tribunal Constitucional.
O último veto ocorreu no passado dia 19 de abril, altura em que Marcelo Rebelo de Sousa pediu aos deputados para clarificarem dois pontos do decreto.
"Concretamente, solicito à Assembleia da República que pondere clarificar quem define a incapacidade física do doente para autoadministrar os fármacos letais, bem como quem deve assegurar a supervisão médica durante o ato de morte medicamente assistida", lê-se na carta que o chefe de Estado dirigiu ao parlamento.
Em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa afastou dúvidas de constitucionalidade sobre o decreto, declarando que o vetou por "um problema de precisão", e considerou que a ser confirmado "não tem drama".
Desta vez, ao contrário de ocasiões anteriores, os partidos proponentes (PS, IL, BE e PAN) decidiram não alterar o texto aprovado no passado dia 31 de março, que nesta versão estabelece que a morte medicamente assistida só poderá ocorrer através de eutanásia se o suicídio assistido for impossível por incapacidade física do doente.
Em março, o texto foi aprovado com votos a favor da maioria da bancada do PS, da Iniciativa Liberal, do Bloco de Esquerda, de seis deputados do PSD e dos deputados únicos de PAN e Livre.
Teve votos contra da maioria da bancada do PSD, Chega, PCP e de cinco deputados do PS. Houve duas abstenções, de um deputado socialista e de um social-democrata.
Quando surgiram as primeiras iniciativas legislativas sobre esta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa, católico praticante, defendeu um longo e amplo debate público, mas pôs-se fora da discussão, remetendo o seu papel para o fim do processo legislativo parlamentar.
Ao receber o primeiro decreto do parlamento sobre esta matéria, enviou-o para o Tribunal Constitucional, que o declarou inconstitucional em março de 2021, por insuficiente densificação normativa.
Em novembro de 2021, perante o segundo decreto, o chefe de Estado usou o veto político, por considerar que continha expressões contraditórias.
Já na atual legislatura, ao receber o terceiro decreto do parlamento, enviou-o para o Tribunal Constitucional, que o declarou inconstitucional, em 30 de janeiro.
Parlamento confirmou 14 leis vetadas desde 1979 e vai aprovar a 15.ª
O parlamento confirmou, desde 1979, 14 leis vetadas, o que obriga, constitucionalmente, o Presidente da República a promulgar um diploma, e prepara-se para aprovar a 15.ª, a lei da eutanásia.
O debate do diploma vetado foi agendado para sexta-feira, em plenário, e PS, BE e IL já anunciaram que o querem confirmar sem alterações.
O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que vetou quatro vezes a lei da eutanásia, nas suas várias versões, já disse que se o diploma for confirmado "é a vida, não tem drama" e promulga.
Dados fornecidos pela Assembleia da República à Lusa com uma contabilidade das leis vetadas - veto político e por inconstitucionalidade - e depois confirmadas pelo parlamento indicam que Jorge Sampaio (1996-2006) foi o Presidente menos “contrariado” pelos deputados, com apenas uma lei que foi forçado a promulgar.
Ramalho Eanes (1976-1986), Mário Soares (1986-1996) e Cavaco Silva (1996-2016) tiveram, cada um, que assinar quatros leis depois de as tentarem travar.
O caso mais recente aconteceu em 2021, já com Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém, quanto vetou as alterações às regras de enquadramento do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL).
O Presidente argumentou com a proximidade das eleições autárquicas, em 26 de setembro de 2021, e considerou que estava em causa “a eventual não aplicação de sanções a um número preciso e limitado de autarquias locais, relativas ao PAEL”.
Era um projeto do PS, já António Costa liderava o seu segundo Governo, foi aprovado por socialistas, comunistas e verdes, e que os restantes partidos consideraram uma "amnistia" para autarcas incumpridores.
A primeira lei vetada por um Presidente no pós-25 de Abril, Ramalho Eanes, foi apresentada pelo PS e tinha como subscritores Francisco Salgado Zenha, Mário Soares e Manuel Alegre, visava amnistiar as “infracções criminais e disciplinares de natureza política”, incluindo as militares, “cometidas depois de 25 de Abril de 1974, nomeadamente as conexionadas com os actos insurreccionais de 11 de Março e de 25 de Novembro de 1975”, durante o Verão Quente.
Foi aprovada com os votos do PS, PCP e vários independentes, como Lopes Cardoso, e teve os votos contra do PSD, CDS e UDP, além de outros independentes como Sousa Franco.
A lei teve o veto político de Eanes e foi depois confirmada pelo parlamento, entrando em vigor em novembro de 1979, pondo fim a uma polémica no país, cinco anos após a “Revolução dos Cravos”.
O n.º 2 do artigo 136.º da Constituição determina que, em caso de veto de um decreto, “se a Assembleia da República confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, o Presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção” - e é o caso da lei sobre a morte medicamente assistida.
Outras leis vetadas e confirmadas foram as atribuições da Alta Autoridade para a Comunicação, já extinta, era Cavaco Silva (PSD) primeiro-ministro e Mário Soares Presidente, em 1990, mas também as alterações à Lei de Imprensa e a lei dos serviços de informações (1995), com dois vetos cada uma. A quarta, vetada por inconstitucionalidade, referia-se a uma lei laboral (1991).
Jorge Sampaio vetou, primeiro por inconstitucionalidade e depois politicamente, uma alteração ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores, em 2008, mas a lei acabou por ser confirmada no ano seguinte.
Cavaco Silva teve quatro vetos políticos ultrapassados pela Assembleia da República: a lei da mudança de sexo no registo civil (2011), alterações ao Código do Direito de Autor, alterações à lei do aborto e o diploma que elimina discriminações no aceso à adoção, todas em 2015.
Já Ramalho Eanes, vetou, mas foram depois aprovadas de novo no parlamento, a lei de amnistia do pós-25 de Abril (1979), Lei da Defesa Nacional (1982), Estatuto remuneratório dos titulares de cargos político (1985) e a chamada lei da rádio (1987).
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