O deputado social-democrata Adão Silva falava nos Passos Perdidos, na Assembleia da República, em Lisboa, depois da conferência de líderes que reuniu esta quinta-feira na sequência do chumbo do Orçamento do Estado para 2022.

Nos agendamentos que foram feitos para os próximos dias 2, 3 e 4 de novembro, Adão Silva disse que o PSD se manifestou contra a marcação da reapreciação dos vetos do Presidente da República referente à eutanásia no próximo dia 04, mas que Eduardo Ferro Rodrigues o terá interrompido para adiantar que na reunião que teve com Marcelo na quarta-feira a matéria foi abordada, e que "o Presidente lhe garantiu que por ele não tinha problema nenhum".

“Repito: o senhor Presidente da República, no dizer do senhor presidente da Assembleia da República, terá garantido, que se chegasse nestes dias, nas próximas semanas, um novo decreto com as alterações ao decreto que foi vetado, ele não obstaria minimamente”, relatou.

O líder disse que tal relato surpreendeu o partido e disse não saber o que isto quer dizer e deixou algumas questões: “Quer dizer que se o parlamento repetir o mesmo decreto o Presidente promulga? Quer dizer que se o parlamento aprovar normas novamente inconstitucionais o Presidente promulga?”.

Segundo Adão Silva, o PSD argumentou também na conferência de líderes que "ser debatido neste momento e enviado o decreto, era um exercício de provocação ao próprio Presidente da República".

"Esse decreto entrou aqui em março deste ano, não aconteceu nada, não houve propostas de alteração, não houve nada que os partidos, grupos parlamentares apresentassem para alterar e ultrapassar as inconstitucionalidades. E, no entanto, neste momento particularmente delicado da vida do país em que temos já à vista um conjunto de dinâmicas que vão levar à dissolução do parlamento, contra a vontade do PSD foi agendada a discussão do veto do Presidente da República sobre a eutanásia", acrescentou.

Adão Silva argumentou que "a eutanásia é das matérias mais delicadas que um parlamento pode debater" e que "este tipo de matérias tem que ser debatido numa grande serenidade, numa grande tranquilidade e não pode ser debatido num exercício de 25ª hora, quando há um conjunto de atribulações dentro do parlamento e fora do parlamento".

Questionado sobre o facto de o parlamento continuar em funções até à eventual publicação do decreto de dissolução pelo chefe de Estado, o líder da bancada respondeu que "o parlamento não está dissociado do mundo nem da sociedade portuguesa, porque quando estiver não é bem um parlamento”.

"Não está em discussão a plenitude de competências da Assembleia da República, (...) o que é evidente é que hoje vivemos um tempo atípico, um tempo em que não há serenidade nem sobriedade para uma matéria desta profundidade e desta natureza ser debatida como deve ser debatida e transcorrer o seu período normal", sustentou.

Adão Silva chegou a dizer que não falava por si, uma vez que votou a favor do decreto e voltará a fazê-lo e adiantou que o PSD dará novamente liberdade de voto aos seus deputados.

Salientando que, nesta conferência de líderes, os partidos não fizeram agendamentos, o deputado apontou para uma "reconfiguração funcional do parlamento".

"O parlamento está em plenitude de funções, não está diminuído, mas estes agendamentos já provam que há uma reconfiguração funcional do parlamento e é nesta perspetiva que eu digo: então como é que neste contexto se faz o agendamento de uma matéria desta natureza", questionou.

BE espera que “disponibilidade” de Marcelo seja construtiva e não “jogo maquiavélico”

O Bloco de Esquerda afirmou hoje esperar que a alegada disponibilidade manifestada pelo Presidente da República para ultrapassar o veto à legislação sobre eutanásia seja de facto construtiva e não uma via “maquiavélica” para a vetar novamente.

“Até ao momento da dissolução do parlamento, era importante dar resposta à legislação sobre morte assistida, matéria que teve um processo legislativo que durou anos, com todo o debate público e com toda a participação cidadã e política. Ao longo dos últimos meses, chegou-se a um texto comum capaz de responder às questões levantadas pelo Tribunal Constitucional, do nosso ponto de vista limitando qualquer crítica constitucional a um novo diploma”, começou por sustentar o líder parlamentar bloquista.

Pedro Filipe Soares realçou depois ter encarado com satisfação a inclusão na agenda da Assembleia da República, para o próximo dia 4 de novembro, da matéria relativa à reapreciação da eutanásia.

“Tal como foi dito pelo líder parlamentar do PSD, o Presidente da República comunicou ao presidente da Assembleia da República toda a sua disponibilidade para que esse veto fosse ultrapassado num curto espaço de tempo. Esperamos que a disponibilidade do Presidente da República seja de facto construtiva”, advertiu Pedro Filipe Soares.

Ou seja, segundo o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, essa aparente disponibilidade de Marcelo Rebelo de Sousa “não deve servir para levar a um veto, porque a Assembleia da República está dissolvida”.

“Isso é que não faria sentido nenhum. Era um jogo até quase maquiavélico. Não nos parece que o Presidente da República o pudesse levar por diante. Por isso, defendemos que se aproveite este tempo em que a Assembleia ainda tem para a dissolução - naquilo que para nós não era uma inevitabilidade, mas, tudo indica, será uma realidade -, a possibilidade de o parlamento colocar um ponto final positivo nos processos legislativos sobre a lei do clima e a morte assistida”, insistiu.

Pedro Filipe Soares pegou depois em outro assunto que constou do relato feito por Ferro Rodrigues sobre o jantar que teve com o Presidente da República na quarta-feira. Marcelo Rebelo de Sousa terá reafirmado ao presidente da Assembleia da República a sua vontade de dissolver o parlamento.

“Para o Bloco de Esquerda não é uma inevitabilidade que do chumbo do Orçamento do Estado haja dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições. Mas não ignoramos que quer o Presidente da República o disse publicamente, até de forma voluntarista previamente a qualquer desfecho, quer o primeiro-ministro [António Costa] deu isso como adquirido no discurso que proferiu na quarta-feira no parlamento”, observou Pedro Filie Soares.

Como base nesta informação, na reunião de hoje da conferência de líderes, o presidente do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda disse ter advogado que “os processos legislativos pendentes deverão ser concluídos”, sendo dado tempo para a concretização desse objetivo.

“Um dos assuntos mais relevantes é a Lei de Bases do Clima, matéria fundamental que nós esperamos que seja possível concluir até à dissolução no parlamento. Esperamos mesmo que se possa concluir na próxima semana”, acrescentou.

CDS opôs-se com “veemente protesto” e salienta dissolução, em breve, do parlamento

O CDS-PP manifestou-se hoje contra o agendamento pelo parlamento da reapreciação do veto sobre a eutanásia e transmitiu um “veemente protesto” por se avançar com esta discussão quando se prepara a dissolução da Assembleia da República.

Nesta reunião da conferência de líderes parlamentares, segundo Cecília Meireles, quase todos os agendamentos foram relativamente consensuais, tendo por base uma posição de fundo segundo a qual se mantém o funcionamento da Assembleia da República enquanto se aguarda pela sua dissolução.

“Mas houve um agendamento relativamente ao qual o CDS se opôs com veemência, com protesto. Foi o agendamento da reapreciação do veto respeitante à eutanásia, questão que é muito diferente de outras que estão pendentes”, sustentou a deputada democrata-cristã.

Cecília Meireles frisou que se está perante “uma questão quase civilizacional – um assunto complexo e sério”.

“Do nosso ponto de vista, não faz nenhum sentido que neste período, e provavelmente no momento em que já terá sido ouvido o Conselho de Estado, estando até já formalmente anunciada a dissolução da Assembleia da República, que o parlamento reaprecie esse veto, que, aliás, está pendente há mais de meio ano”, criticou a antiga secretária de Estado.

Interrogada sobre a alegada disponibilidade manifestada pelo Presidente da República para ultrapassar a questão do veto ao diploma sobre eutanásia, a deputada do CDS-PP recusou-se a fazer qualquer comentário.

“Sobre conversas entre o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República, não digo nada. Acho que as questões têm de ser dirigidas aos próprios. Aquilo que digo aqui é aquilo que direi em todos os momentos”, salientou.

Cecília Meireles citou depois o presidente do Grupo Parlamentar do CDS, Telmo Correia, sobre o atual momento político, após a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2022 ter sido rejeitada logo na generalidade.

“Este é um momento que deve ser de serenidade e não para se criarem cenários. O que se passou na conferência de líderes foi planear a próxima semana. O resto será com o senhor Presidente da República e com os partidos”, acrescentou.

Chega discorda “frontalmente” com reapreciação por ser necessária “estabilidade legislativa”

O Chega discordou hoje “frontalmente” do agendamento pelo parlamento da reapreciação do veto sobre a eutanásia, considerando que a Assembleia da República não tem atualmente “legitimidade” para discutir a matéria por se estar a preparar a sua dissolução.

Em comunicado, a Direção Nacional do Chega reagiu ao agendamento, hoje feito pela conferência de líderes, da reapreciação do diploma vetado sobre a despenalização da morte assistida para o dia 04 de novembro, afirmando que “discorda frontalmente que se volte a discutir a matéria da eutanásia num dos últimos plenários da legislatura”.

Segundo o partido, uma vez que se trata de “matéria sensível e de intensa controvérsia”, é necessário que haja um “clima de estabilidade legislativa”, não fazendo “sentido estar a legislar sobre o assunto quando dentro de alguns meses” haverá uma “composição diferente da Assembleia da República”.

“Parece-nos, assim, que a Assembleia da República não tem, neste momento, legitimidade para discutir e votar sobre tão importante e decisiva matéria”, lê-se na nota.

A eutanásia no Parlamento

O Tribunal Constitucional chumbou em 15 de março, por uma maioria de sete juízes contra cinco, a lei sobre a morte medicamente assistida, em resposta a um pedido de fiscalização preventiva feito pelo Presidente da República.

Os juízes analisaram se os conceitos de "sofrimento intolerável" e "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" tinham ou não "caráter excessivamente indeterminado", dando razão a Marcelo Rebelo de Sousa apenas relativamente ao segundo conceito.

Apesar de não constar do pedido do chefe de Estado, o TC entendeu tomar posição sobre a questão de fundo e considerou que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar, em determinadas condições, a antecipação da morte medicamente assistida.

Face à declaração de inconstitucionalidade, o Presidente da República vetou o diploma e devolvendo-o ao parlamento.

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