O texto de substituição, que tem por base projetos de lei de PS, BE, PAN e Iniciativa Liberal, vai a votação final global e ainda não se sabe o que fará o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quando o decreto chegar ao Palácio de Belém.
Alguns pontos essenciais sobre o histórico do processo na Assembleia da República desde 2016 e as linhas gerais do projeto que vai a votos esta semana:
Os primeiros projetos e o chumbo
A discussão no parlamento sobre o tema começou, primeiro, através de uma petição a favor da despenalização, entregue na Assembleia da República em 2016. Um outro texto contra a regulação da morte medicamente assistida viria também a ser entregue no parlamento alguns meses depois.
Entre 2017 e o início de 2018, foram apresentados na Assembleia da República os primeiros projetos de lei sobre o tema pelo PS, Bloco de Esquerda (que teve no falecido ex-coordenador João Semedo um dos principais impulsionadores do diploma), o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) – que na altura ainda tinha representação parlamentar.
No dia 29 de maio de 2018, num parlamento no qual ainda se incluía o CDS-PP mas não o Chega e a Iniciativa Liberal, os projetos não passaram da generalidade.
A votação foi nominal e os quatro projetos de lei foram rejeitados com diferentes votações, sendo que nenhum conseguiu os 116 votos necessários.
A segunda tentativa e a aprovação
Depois das eleições legislativas de 2019, que elegeram o Chega, a Iniciativa Liberal (IL) e o Livre para a Assembleia da República, PS, BE, PAN, “Verdes” e IL apresentaram iniciativas legislativas no parlamento sobre o tema.
Num debate longo, no dia 20 de fevereiro de 2020, e com uma manifestação contra a despenalização no exterior da Assembleia da República, os deputados aprovaram na generalidade pela primeira vez os diplomas sobre o tema.
O processo legislativo passou para a especialidade na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e o grupo de trabalho criado para o efeito ouviu na altura várias entidades, a favor e contra.
Na altura, surgiu também uma iniciativa popular, da Federação Portuguesa Pela Vida, assinada por mais de 95 mil pessoas, para a realização de um referendo à despenalização da eutanásia, que acabou por fazer com que os deputados interrompessem o trabalho na especialidade para votar primeiro esta iniciativa.
A proposta acabou rejeitada e o trabalho em comissão foi retomado. A votação final global do texto de substituição teve lugar já em janeiro de 2021, altura em que foi aprovada por maioria, com os votos a favor de grande parte da bancada do PS, do BE, PAN, PEV, Iniciativa Liberal e 14 deputados do PSD e votos contra do CDS, Chega e PCP.
O chumbo do Tribunal Constitucional e o primeiro veto
Em 18 de fevereiro, no mesmo dia em que recebeu o diploma do parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa enviou-o ao Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, sustentando que recorria a conceitos "altamente indeterminados" para definir, no artigo 2.º, os critérios para a prática legal da eutanásia: "sofrimento intolerável" e "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico".
Em 15 de março, o Tribunal Constitucional considerou a lei inconstitucional numa decisão tomada por maioria, de sete juízes contra cinco. No acórdão, o TC deu razão ao chefe de Estado relativamente à segunda expressão, declarando o respetivo artigo inconstitucional, por "insuficiente densidade normativa".
No seu pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma do parlamento sobre esta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa escreveu que não estava em questão "saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme a Constituição".
No entanto, o Tribunal Constitucional entendeu tomar posição sobre essa questão de fundo, considerando que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constituía um obstáculo inultrapassável para se despenalizar em determinadas condições a antecipação da morte medicamente assistida.
Face à declaração de inconstitucionalidade, o Presidente da República vetou o diploma e devolveu-o ao parlamento, como impõe a Constituição.
Na altura, em julho, os cinco partidos com projetos sobre a eutanásia acordaram, em reunião informal, um "texto base" para ultrapassar a falta de "densidade normativa" apontada pelo Tribunal Constitucional.
As alterações ao decreto incluíam, entre outros, um novo artigo inicial de definições para clarificar conceitos, oito no total, desde a morte medicamente assistida à "lesão definitiva", doença grave ou incurável.
Em 05 de novembro de 2021, o novo decreto foi aprovado no parlamento com uma maioria semelhante à anterior, com 138 votos a favor, 84 contra e cinco abstenções.
A votação decorreu um dia depois de o Presidente da República ter comunicado ao país a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições antecipadas em 30 de janeiro, devido ao chumbo do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade.
O veto político do Presidente da República
No dia 29 de novembro de 2021, Marcelo Rebelo de Sousa devolveu o decreto ao parlamento sem promulgação.
Marcelo Rebelo de Sousa vetou politicamente a lei, realçando que o novo texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendeu que o legislador tinha de optar entre a "doença só grave", a "doença grave e incurável" e a "doença incurável e fatal".
No caso de a Assembleia da República querer "mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida", segundo Marcelo Rebelo de Sousa, optará por uma “visão mais radical ou drástica” e questionou se isso corresponde “ao sentimento dominante na sociedade portuguesa”.
O parlamento foi dissolvido em 05 de dezembro de 2021 e o dossiê da eutanásia acabou remetido para a legislatura seguinte.
A terceira tentativa e a incógnita sobre o que fará Marcelo
As eleições de janeiro deram início a uma nova legislatura e o processo foi retomado pelos deputados num parlamento em que o Partido Ecologista “Os Verdes” e o CDS-PP perderam representação.
PS, BE, PAN e Iniciativa Liberal avançaram de novo com projetos que foram aprovados na generalidade em 09 de junho deste ano na Assembleia da República. No mesmo dia, um projeto de resolução do Chega que pedia a realização de um referendo sobre o tema foi rejeitado pelos deputados, com uma grande maioria do PSD a favor.
O texto de substituição foi 'fechado' em meados de outubro no grupo de trabalho sobre a morte medicamente assistida e aprovado na especialidade no dia 07 de dezembro, seguindo para votação final global esta sexta-feira.
Ainda não se sabe o que fará Marcelo Rebelo de Sousa com o diploma, sendo que o Presidente da República tem três opções: promulgar, vetar o decreto do parlamento ou ainda enviá-lo para o Tribunal Constitucional para verificação da sua conformidade com a lei fundamental.
Esta semana, Marcelo garantiu apenas que decidirá rapidamente sobre a lei quando receber o documento, apontando a altura do Natal como data provável.
Desde o início do processo, o chefe de Estado defendeu que deveria haver um amplo e longo debate na sociedade portuguesa, mas recusou sempre revelar a sua posição pessoal e antecipar uma decisão antes de lhe chegar algum diploma.
Esta semana, paralelamente a este processo, o PSD apresentou um projeto de resolução para um referendo sobre a despenalização da eutanásia mas a iniciativa foi rejeitada pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, por “não existirem alterações de circunstâncias” em relação à iniciativa anterior já apresentada sobre a mesma matéria, pelo Chega, chumbada em junho.
Os sociais-democratas já formalizaram um recurso da decisão.
As linhas gerais do texto que vai a votos
Desta vez, em comparação ao último decreto, o texto de substituição deixa cair a exigência de "doença fatal" como condição para se considerar não punível a morte medicamente assistida.
O diploma estabelece que a “morte medicamente assistida não punível” ocorre “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
A morte medicamente assistida pode ocorrer por suicídio medicamente assistido ou eutanásia.
O texto final estabelece agora um prazo mínimo de dois meses desde o início do procedimento para a sua concretização, sendo também obrigatória a disponibilização de acompanhamento psicológico.
No texto, são ainda estabelecidos prazos relativos aos pareceres que devem ser emitidos pelos médicos envolvidos no processo: um prazo máximo de 20 dias para o médico orientador e de 15 dias para o médico especialista.
Caso "o médico orientador e ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida" ou "admitam que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões", é obrigatório um parecer de um médico especialista em psiquiatria, que deve ser elaborado no prazo máximo de 15 dias.
A estes pareceres, acrescenta-se ainda outro parecer elaborado pela Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos da Morte Medicamente Assistida, que seria elaborado “no prazo máximo de cinco dias úteis”.
O texto estabelece assim, desde o início do procedimento, um prazo máximo de 40 dias úteis para que seja tomada uma decisão sobre a eutanásia, prazo que sobe para 55 dias úteis caso seja necessária a avaliação de um psiquiatra.
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