Em resposta a questões dos jornalistas, na varanda do Palácio de Belém, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa disse partilhar as preocupações de ordem jurídica sobre as medidas restritivas de direitos e considerou que "o Governo ponderará todas essas observações e tentará encontrar o caminho", no "processo de reflexão" que tem em curso.
"E o Presidente da República acompanhará isso, porque o Presidente da República, em qualquer caso, tem de promulgar leis e decretos-leis, se for caso disso. Se fosse caso de haver novamente estado de emergência teria de decretar o estado de emergência e tomar mesmo a iniciativa, ainda que por proposta de outro órgão de soberania", acrescentou.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu que recebeu na quarta-feira o primeiro-ministro em audiência e que ficou a "saber as ideias de ponto de partida do Governo", mas assinalou que isso "depende da opinião ainda dos partidos todos", que serão ouvidos por António Costa na sexta-feira.
"Não se esqueçam de um pequeno pormenor: é que medidas que tenham de passar pelo parlamento têm de passar pelo parlamento, quer dizer, têm de ter aprovação pelo parlamento, sejam leis sejam outro tipo de medidas", realçou.
Segundo o chefe de Estado, na tomada de medidas "pondera-se sempre os direitos, liberdades e garantias de um lado, e do outro lado a vida e a saúde", e vai-se "tentando enquadrar as medidas que é preciso tomar nos esquemas que existem" no regime constitucional e legal português.
Marcelo Rebelo de Sousa insistiu na importância do apoio dos "partidos políticos que têm assento no parlamento" para aprovar determinadas medidas, sem dar nenhum exemplo em concreto.
De acordo com o Presidente da República, esse "consenso parlamentar necessário" verificou-se "no estado de emergência, e houve muitíssimo no começo, um bocadinho menos na primeira renovação e um bocadinho menos na segunda renovação".
Por outro lado, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que as medidas precisam de ser aceites pela opinião pública, o que depende de "as pessoas perceberem, depois do confinamento que tiveram e da preocupação que têm com o desemprego e com os salários e com a situação económica e social, se sim ou não há razões para outra vez pôr o pé no acelerador da proteção da vida e da saúde".
O chefe de Estado mencionou também que o Governo já conhece as ideias e propostas das entidades que tem recebido nos últimos dias no Palácio de Belém, acrescentando: "Vamos ver o que é que é possível ao Governo apresentar por decisão no próximo sábado, que é já depois de amanhã, para as próximas semanas".
Comparando o início da epidemia de covid-19 em Portugal com o momento atual, e as medidas adotadas em cada fase, o Presidente da República disse que "a capacidade de testar aumentou muito" e que "hoje tem-se a noção exata do número de infetados por concelho e dos concelhos onde a intervenção é mais urgente".
"Portanto, há medidas diferentes, que parecem menos radicais, menos eficazes, menos eficientes, mas são mais direcionadas, mais cirúrgicas - na altura, eram medidas globais", prosseguiu.
Marcelo Rebelo de Sousa concluiu que "as medidas globais são sempre ,em teoria, uma hipótese no caso de uma situação global, em termos homogéneos", mas que atualmente não se verifica em Portugal: "Não há igualdade de situações entre concelhos. Há regiões do continente que têm uma situação muito diferente de outras regiões. É a realidade".
Adaptação do regime constitucional e legal a situações de pandemia
Marcelo Rebelo de Sousa considerou que o regime constitucional e legal português não foi pensado para situações de pandemia e sugeriu hoje que no futuro terá de ser adaptado.
"Eu sei que há uma preocupação, que eu também tenho, obviamente, não fosse jurista e professor de Direito Constitucional, que é de ir enquadrando as várias medidas naquilo que temos de regime constitucional e legal, que não foi pensado para isso. Não foi. E não houve tempo para o alterar", afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu que entretanto "podia ter havido, por iniciativa de algum partido político em matéria de revisão da Constituição ou de revisão da lei nestes meses, a introdução de ajustamentos", mas "a pandemia continuava e, portanto, no meio da pandemia não houve essa oportunidade".
"No futuro se verá como é que se adapta o que temos para situações tão específicas como uma pandemia", acrescentou.
O Presidente da República defendeu que "neste quadro, houve que utilizar os instrumentos, as ferramentas" disponíveis, e "nuns casos os juristas entendem que foram utilizadas com mais propósito, noutros com menos propósito, numas com maior cabimento, noutros com menor cabimento".
"Em qualquer caso, como sabem, a decisão final é dos tribunais", realçou o chefe de Estado.
No seu entender, contudo, "em plena pandemia não é por acaso que não houve muito recurso a tribunal, porque as pessoas sentiram que havia razões de urgência e de premência que acabavam por justificar as medidas".
Segundo o Presidente da República, "o Governo ponderará todas essas observações e tentará encontrar o caminho".
"É bom que os portugueses percebam que nós estamos atentos a esses problemas. Estamos. Tentando enquadrar as medidas que é preciso tomar nos esquemas que existem. E, por outro lado, sem muito tempo", declarou.
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