Gabriel Castanheira, de 56 anos, viveu no Casal Ventoso, mas agora habita uma das casas da Quinta do Loureiro, no fundo da encosta do bairro que o viu nascer, agora do outro lado da Avenida de Ceuta, em Alcântara, Lisboa.
A mudança “foi muito atribulada”, numa fase má, com “tudo feito à última hora”, contou à Lusa. O prédio onde vive agora tem 36 moradores, nem todos do antigo bairro onde cresceu e onde todos se conheciam e davam.
“A vida no bairro era mais sociável, as pessoas eram mais amigas. Doía-nos a cabeça e vinha quase o bairro todo acudir. Faziam-se sessões de cinema na rua, ficávamos na conversa à noite e alguém tinha de lembrar que no dia seguinte se trabalhava cedo”, recordou.
Agora, Gabriel reconhece que as pessoas se separaram aquando dos realojamentos. Só tem “duas ou três vizinhas” no prédio onde mora que vieram consigo, explicando que “se der um grito ninguém vem à porta saber o que se passa”. Mas, na altura, disse, “a gente tinha um problema, ia a casa do vizinho fosse a que horas fosse”.
“Tenho saudades do meu bairro, havia liberdade, agora também, mas éramos muito mais unidos. Perdeu-se a identidade das pessoas, por isso digo muitas vezes, tenho saudades do Casal Ventoso, podíamos confiar nas pessoas”, contou Gabriel Castanheira.
Apesar de reconhecer o problema de droga existente no Casal Ventoso, o morador afirmou que o “supermercado da droga”, como lhe chamavam, só “apareceu nos anos 80”, lembrando que o bairro existiu muito antes do problema.
“Quem era da droga não era do Casal Ventoso, eram de fora”, afirmou, recordando, no entanto, que “mesmo havendo droga, vendendo-se nas ruas e com as pessoas a injetarem-se, havia respeito pelas crianças e velhos”.
Dilar Duarte, da antiga Associação de Moradores do Casal Ventoso, partilha do mesmo sentimento que Gabriel Castanheira e lembrou que este é comum também a outros tantos moradores do Casal Ventoso: “havia mais solidariedade no bairro, hoje é cada um por si”.
“As pessoas são mais egoístas, se a pessoa passa mal na rua não são capazes de socorrer. Na altura eram mais humanas, mais sensíveis”, reconheceu.
Dilar Duarte explicou não ter “nada a dizer dos realojamentos”, mas reconheceu que a última vez que se deslocou aos bairros da Avenida de Ceuta deparou-se com “problemas de sujidade piores do que no Casal Ventoso”.
Para Dilar, em vez dos realojamentos, podia ter sido realizada uma renovação no Casal Ventoso, com a presença de mais meios policiais, referindo que se o problema era acabar com a droga tal não aconteceu, pois agora, “em vez de estar na rua [a ser vendida] passou a existir nas escadas” dos prédios.
Também o presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, Pedro Costa, disse à Lusa que a sua perceção do que era o Casal Ventoso tem a ver com algumas memórias de quando era jovem, mas sobretudo pelo que lhe contam os antigos moradores.
Referem, muitas vezes, terem-se “perdido as relações de vizinhança”, disse Pedro Costa, lembrando ter existido uma alteração urbanística na forma como os moradores viviam, passando de um modo horizontal para um modo vertical, em prédios.
Pedro Costa lembrou também que houve uma parte do tecido associativo do bairro que se perdeu, sublinhando haver relatos de que existiam sete clubes de futebol, mas que à Quinta do Loureiro só chegaram dois, um dos quais já não tem praticamente atividade desportiva e outro que ainda resiste, o Lisboa Futebol Clube.
O presidente da junta, cuja Quinta do Loureiro pertence em maior parte, admitiu, igualmente, que o problema da droga não terminou com o realojamento, à semelhança do que reconheceram os moradores.
“O problema do tráfico de droga mantém-se, sabemos claramente, não só o tráfico, como o consumo, que são realidades associadas”, afirmou, sublinhando, contudo, que os números de consumo são, de acordo com as estatísticas, “mais baixos atualmente”.
Para o local está pensada uma sala de consumo assistido que, segundo Pedro Costa, poderá minimizar o problema de décadas.
O autarca lembra que a distância a que foi votada a população do Loureiro foi recentemente suprimida com uma carreira de bairro, devolvendo o plano geográfico aos moradores do antigo Casal Ventoso, que antes se deslocavam sem problemas a Campo de Ourique.
O realojamento de 248 famílias na Quinta do Cabrinha foi o primeiro do processo de reconversão do Casal Ventoso, que teve início em 1999, seguindo-se depois o processo para a Quinta do Loureiro, em 2001, e um ano mais tarde para o Bairro Ceuta-Sul.
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