"Albert Uderzo morreu em sua casa, em Neuilly, de um ataque cardíaco, não relacionado com a covid-19", disse Bernard de Choisy, genro do desenhador, à agência de notícias France Presse. "Estava muito cansado, desde há várias semanas", acrescentou.
A morte do desenhador foi confirmada por Aymar du Chatenet, presidente do Instituto René Goscinny e pela sua antiga editora Dargaud.
Desde a criação de Astérix, há quase 60 anos, foram vendidas 380 milhões de cópias de álbuns de aventuras dos “irredutíveis gauleses”, em 111 idiomas, incluindo a língua mirandesa.
A obra de Uderzo tem sido utilizada em filmes, desenhos animados, parques de diversões, brinquedos ou jogos de vídeo, entre outros.
Brilhante mas modesto desenhador, Uderzo criou com o seu amigo Goscinny, que morreu em 1977, um mito conhecido por todos os franceses e um pouco por todo o mundo.
Desde que se reformou, os últimos álbuns das aventuras de Astérix e do seu camarada Obélix foram compostos por outros artistas, fiéis ao estilo e ao traço do artista.
"As pessoas não me reconhecem na rua. Eu poderia passar por trás de um cartaz sem o descolar. As personagens podem tornar-se mitos, mas nós, os seus pais, não", disse o coinventor do rival mundial de Tintin e Mickey.
Com o peso dos anos, com equilíbrio e desapego, Albert Uderzo acabou por permanecer um homem pouco conhecido, com um caráter reservado e um comportamento tranquilo, preferindo falar de seu trabalho do que de si mesmo.
Grande entusiasta da Ferrari - passaram cerca de vinte pela sua garagem -, este filho de um casal de imigrantes italianos em França viveu numa mansão em Neuilly-sur-Seine e era rico graças aos lucros da sua obra.
A morte, em 1977, aos 51 anos, do argumentista René Goscinny, durante um teste de stress realizado para um check-up, afetou-o muito.
Após a morte do amigo, Uderzo deixou a Dargaud, a sua histórica editora, para montar a sua própria empresa, Les éditions Albert-René, com a qual lançou mais oito ‘Asterixes’ a solo, mantendo sempre na capa o nome do seu parceiro nesta aventura literária.
"Não me foi dado nenhum presente. Claro que sofro de um complexo ‘Goscinny’, mas também fui criado com ele", disse Uderzo, quando tinha em mãos a edição das obras, dirigindo-se à imprensa, cuja crítica considerou os seus álbuns inferiores aos produzidos em conjunto. Ainda assim, tornaram-se um grande sucesso junto do público.
Tal como Hergé em relação a Tintin, Uderzo não queria nenhum novo Astérix após a sua morte, mas acabou por mudar de ideias e, em 2011, sofrendo de artrite reumatoide na mão direita, passou o testemunho a autores mais jovens - os desenhadores Frédéric e Thierry Mébarki e o guionista Jean-Yves Ferri -, enquanto acompanhava de perto o seu trabalho, que foi mais uma vez coroado de sucesso.
"Estou um pouco cansado, os anos passaram e pesam", disse então. "Decidi deixar isto a autores mais jovens, que têm talento suficiente para que as personagens sobrevivam", afirmou Uderzo, na altura com 84 anos.
"A minha mão não foi feita para este trabalho" - acrescentou – “Olha para as ‘patorras’ que eu tenho! São mãos de açougueiro, tenho ossos grandes, como o meu pai. Eu fiz todos os meus desenhos com um pincel, o que requer muita habilidade”.
Nascido em 25 de abril de 1927, Albert Uderzo nasceu com doze dedos, anomalia que seria corrigida por uma operação.
Filho de um fabricante de violinos, teve uma infância em Paris modesta, mas feliz.
Daltónico, Uderzo descobriu o desenho na Société Parisienne d'Edition, que publicou "Les pieds nickelés".
Depois da guerra, lançou heróis como 'Belloy l'invulnérable', 'Flamberge', 'Clopinard' e 'Arys Buck', um Hércules (já na altura) acompanhado por um pequeno companheiro de ajuda.
Em 1951, conheceu Goscinny e juntos criaram 'Jehan pistolet', o corsário, Luc Júnior e Humpá-pá, o pele-vermelha.
Uderzo assinou as primeiras aventuras de Astérix, o Gaulês, com René Goscinny, em 1959, e juntos publicaram 24 álbuns, ao longo de uma colaboração fraterna que durou 26 anos.
Além de Astérix e Obélix, entre as personagens que povoam o imaginário criado por Uderzo e Goscinny contam-se ainda o druída Panoramix, o bardo Cacofonix e o pequeno cão Ideiafix, entre muitas outras.
O irredutível guerreiro gaulês apareceu pela primeira vez em Portugal, nas páginas da revista Foguetão, no dia 04 de maio de 1961.
Portugal foi o primeiro país não francófono a publicar as aventuras do pequeno gaulês e do seu amigo Obélix, na defesa da irredutível aldeia contra as tropas romanas de Júlio César, com a ajuda de uma poção secreta.
A primeira edição portuguesa de um álbum de Astérix data de 1967, e foi "Astérix, o Gaulês".
O mais recente livro de Asterix saiu em outubro de 2019, com o título “A filha de Vercingétorix”, uma jovem adolescente que se juntou a Astérix e Obélix.
À margem da ficção, a realidade tem sido bem mais polémica, com disputas em tribunais pelos direitos da milionária coleção e o fisco francês a exigir este ano a Uderzo mais de 200 mil euros, considerando-o apenas ilustrador e não coautor dos 24 álbuns iniciais.
Em Portugal, a editora ASA tem sido nos últimos anos a responsável pela publicação das histórias de Astérix.
(Notícia atualizada às 12:22)
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