Esta não é uma resposta fácil, segundo disse Filipe Grilo ao SAPO24, economista e professor na Porto Business School. Para analisar os efeitos dos feriados na economia pesa, não só, a quebra de produção do país, como o aumento do consumo, e ainda a produtividade dos dias seguintes, tendo em conta os efeitos para o trabalhador.

De acordo com Luís Bento, consultor do Banco Mundial, entrevistado pelo jornal Público em 2012, antes da alteração, “o preço a pagar pelos feriados em Portugal ascendia a cerca de 0,5% do Produto Interno Bruto, só em custos directos – o que corresponde a 800 milhões de euros e a 37 milhões por cada dia de pausa”. Somando os custos indiretos, “o valor sobe para o dobro e os custos já representam quase 1% do PIB nacional”.

“Não é necessário realizar um estudo para saber que acrescentar dias de produção aumenta a produção”Pedro Passos Coelho, ex-primeiro-ministro

E de facto, entre 2012 e 2016, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), os níveis de produção aumentaram, mas só a partir de 2017 é que começaram a registar uma evolução significativa. É também a partir de 2015 que o PIB regressa aos valores anteriores à entrada da Troika, mas são vários os fatores que contribuem para estes resultados.

Os valores de vendas de produtos industriais começaram a aumentar quando Portugal saiu da Troika, data que coincide com a reposição dos feriados, mas estes não são necessariamente acontecimentos causais. Ainda assim, em 2013, o primeiro ano sem os quatro feriados, as vendas de produtos e prestação de serviços na indústria cresceram 0,3% em relação ao ano anterior (equivalente a 75,8 mil milhões de euros) e mantiveram um aumento gradual até 2016.

Com o país a receber dinheiro da Comissão Europeia para sustentar a economia, os níveis de produção mantiveram-se sempre positivos e nos primeiros quatros anos, de 2012 a 2015, mantiveram-se sempre acima dos 75 mil milhões de euros. Em 2015, o aumento chegou a ser de 1,6% em relação ao ano anterior.

As pontes “afetam negativamente a organização do trabalho e assim a produtividade”Pedro Passos Coelho, ex-primeiro-ministro

O que motivou a decisão de supressão dos feriados?

Ao SAPO24, Pedro Passos Coelho, ex-primeiro-ministro na altura da supressão dos feriados, do Partido Social Democrata (PSD), referiu que em 2012 o governo queria evitar prejudicar mais a economia, tendo em conta o descompasso entre o que o governo gastava e o pouco que ganhava durante os feriados. E, por isso, precisava de aumentar a produção.

Estava em causa “o volume de produção em razão de mais dias de trabalho”, explica, em função da necessidade de aumentar as receitas do país. A medida visava “ajudar a evitar uma queda mais significativa do PIB num contexto de menor dinamismo da procura externa e do impacto recessivo que as medidas de consolidação orçamental acarretavam”.

Assim, foram retirados quatro feriados do calendário, dois civis e dois religiosos, acordados com o Vaticano: 1 de dezembro (Restauração da Independência), 5 de outubro (Implantação da República), Corpo de Deus (celebrado 60 dias depois da Páscoa) e 1 de novembro (Dia de Todos os Santos). Álvaro Santos Pereira, Ministro da Economia à data, garantiu que a medida ia contribuir para pôr o país a produzir mais riqueza.

"O efeito [na economia] pode ser diferenciado se o feriado tiver uma carga consumista ou simplesmente histórica"Filipe Grilo, economista

“Não é necessário realizar um estudo para saber que acrescentar dias de produção aumenta a produção”, continua Pedro Passos Coelho, que explica que, em 2012, se concluiu que adicionar dias de trabalho “aproximava os números finais ao valor médio diário da produção anual realizada”. Além disso, conta que “foi tido em conta um estudo europeu do número médio de feriados para sustentar a opção pelos quatro feriados suprimidos”.

O Governo português vigente reconheceu ainda que as “pontes” associadas aos feriados eram um problema para a economia. O número de dias sem trabalhar, resultantes do fim de semana prolongado, “afetam negativamente a organização do trabalho e assim a produtividade”, fazendo aumentar os custos de distribuição, explica o ex-primeiro-ministro, o que contribuiu para a decisão final.

Porque foram repostos estes feriados?

Os partidos de esquerda e o PAN votaram em 2016, no Governo de António Costa, a reposição dos quatro feriados. O PS, partido que formava o governo, apresentou a proposta em nome “da República e da Independência”, celebrações perdidas com o executivo anterior. Já em 2012, o PS criticou o facto de os feriados civis terem sido permanentemente abolidos, enquanto para os religiosos se ponderava a reavaliação em 2018, cinco anos depois da implementação desta medida.

O BE justificou a reposição pelo facto de "desde a entrada em vigor” da repressão dos feriados, "cada trabalhador ter sido obrigado a trabalhar mais 88 horas de trabalho sem que isso tivesse como contrapartida qualquer acréscimo de remuneração", para desmontar a ideia defendida pelo Governo de que mais dias de trabalho significam mais produção. Já os comunistas argumentaram que a eliminação significa “um roubo aos trabalhadores”.

“Foi tido em conta um estudo europeu do número médio de feriados para sustentar a opção pelos quatro feriados suprimidos”Pedro Passos Coelho, ex-primeiro-ministro

Um estudo de Alice Campos, publicado em 2014, mostra que Portugal estava entre os países europeus com menos feriados nacionais, com um total de nove feriados. A autora destaca o caso da Holanda, que apresenta o mesmo número de feriados nacionais, mas tem 13 dias pagos: “Os trabalhadores podem faltar para tratar de assuntos particulares como por exemplo, saúde, finanças e não necessitam de justificação”, refere.

O país “tende a olhar para um trabalhador que dá mais horas à casa como um bom trabalhador, quando a teoria económica diz que provavelmente não está a dar mais trabalho à empresa”Filipe Grilo, ex-primeiro-ministro

De facto, “as fontes de produtividade não estavam em causa” na discussão da supressão dos feriados, refere Passos Coelho. No entanto, esta é uma questão que se relaciona necessariamente com as pausas não remuneradas e o direito ao descanso. E, por isso, no momento de reposição da lei, o Governo ressalvou que “embora possa, porventura, ter implicações económicas e financeiras não quantificadas, atendendo à alteração do contexto que a motivou”, a decisão seguiria conforme definido.

A produção aumentou depois da reposição dos feriados, mas o contexto do país também mudou

Em 2017, depois da reposição, o aumento de vendas de produtos industriais foi 9,3% (equivalente a 85,6 mil milhões de euros). Outra das dificuldades que o economista Filipe Grilo reconhece na conversa com o SAPO24 é na comparação destes resultados, tendo em conta o contexto económico que se vivia em Portugal na altura. E, por isso, um dos dados que considera mais importantes para ponderar a influência dos feriados na economia é a variação real da produtividade do trabalho, que segundo o INE cai a partir de 2012.

Luís Bento refere que a retirada dos feriados aumentou o número de horas de trabalho “entre 0,7 e 1% - o que corresponde, em média, a mais 30 horas anuais por pessoa por ano”, o que pode ter efeitos na produtividade. A análise feita pelo docente prevê ainda que “cada trabalhador tem um potencial máximo de 1700 horas de trabalho por ano, o que corresponderia a uma média de 7,5 horas por cada dia de trabalho”.

“As fontes de produtividade não estavam em causa”Pedro Passos Coelho, ex-primeiro-ministro

“Resta saber se a diminuição global dessas horas de trabalho motivam e incentivam os trabalhadores a serem mais produtivos, beneficiando globalmente a economia”, nota António José Moreira, professor catedrático na Universidade Lusíada, especialista em direito do trabalho, ao SAPO24. De facto, refere Filipe Grilo, “trabalhar menos pode até aumentar a produção da empresa, porque um trabalhador mais sensato, está mais motivado, está mais focado”.

“Descansando  as pessoas acabam por poder compensar a capacidade produtiva perdida naquele dia nos próximos dias”, continua, “e, portanto, em termos produtivos o feriado não causa tanta disrupção quanto isso”.

“Talvez Portugal beneficie mais com a transposição dos feriados para junto do fim de semana, por exemplo à segunda feira”Filipe Grilo, economista

O país precisa de mais produção, ou mais descanso?

Não obstante a perda evidente de produção, “o efeito [na economia] pode ser diferenciado se o feriado tiver uma carga consumista ou simplesmente histórica”, nota Filipe Grilo. Nesta balança, pesam também os lucros dos setores de restauração, hotelaria e turismo nos dias em que o país pára. Mas, de forma geral, o economista conclui que a perda de produção é mais prejudicial face aos ganhos do país.

A razão para as quebras de produção nos feriados terem um impacto tão significativo reside no facto de que Portugal “está a produzir muito pouco valor, porque se produzisse mais era perfeitamente natural abdicarmos de um ou de outro dia para descansar porque não estávamos tão preocupados com essa perda”, refere.

O país “tende a olhar para um trabalhador que dá mais horas à casa como um bom trabalhador, quando a teoria económica diz que provavelmente não está a dar mais trabalho à empresa”, explica o economista. Na verdade, acredita que esse descanso até pode ser mais benéfico que os dias contínuos de trabalho.

A discussão de valor acrescentado e aumento de produtividade está associada ao descanso dos trabalhadores, uma ideia que o economista considera que “está mal percebida pelos portugueses, que acham que o trabalhador português é preguiçoso”. Na sua opinião,”o problema não está aí”.

“Os feriados portugueses dizem muito sobre a nossa cultura”Filipe Grilo, economista

António José Moreira, lembra que, na origem, “o feriado não é direito ao descanso”, e por isso não se pode dizer que a sua supressão é inconstitucional. O feriado pode ter sido instituído por outros motivos, como celebrações religiosas, comemorações históricas, eventos culturais ou outras razões, e não especificamente para garantir um dia de folga ou descanso.

“Não importa se traduzem benefícios para os trabalhadores, na medida em que reduzem o período normal de trabalho anual”, defende. Perante a lei, pelo menos, a existência ou não de feriados não significa nenhum atentado ao direito do trabalhador.

"É muito mais vantajoso colocar o feriado colado ao fim de semana para forçar não só a questão do descanso contínuo"Filipe Grilo, economista

No entanto, a discussão da relevância para a economia não pode estar dissociada das lutas laborais, “particularmente dos tipógrafos de Chicago, no ano de 1886, que lutaram pelas oito horas de trabalho diárias e 48 horas por semana”. O surgimento dos feriados remonta a 1907, no dia 1 de maio, Dia do Trabalhador, lembra, pelo que passou a ser comum associá-lo ao direito ao descanso, à pausa no trabalho ou ao lazer.

Que outras soluções há na Europa? Passar os feriados para segunda-feira e acordos entre trabalhadores

O economista acredita que “talvez Portugal beneficie mais com a transposição dos feriados para junto do fim de semana, por exemplo à segunda feira”. Para a economia, explica, “é muito mais vantajoso colocar o feriado colado ao fim de semana para forçar não só a questão do descanso contínuo”, mais benéfico para o trabalhador, “como também, a possibilidade de aproveitamento da restauração, da hotelaria e do turismo”.

“O feriado não é direito ao descanso”António José Moreira, professor universitário

António José Moreira acrescenta que o favorecimento das pontes "podem colocar-se várias questões: férias prolongadas, a conta-gotas; a produtividade das empresas; o incremento de certas atividades económicas; o uso e abuso, por trabalhadores ou empregadores das paragens; cadências anormais de trabalho; greves com efeitos multiplicadores… Pelo que esta é uma solução a ter em conta."

Outra solução pode ser a regulação dos feriados pelos próprios trabalhadores, sugere. Na Dinamarca não existem feriados impostos por via legal, ou seja, não há uma lei nacional que determine feriados obrigatórios para toda a população. Em vez disso, resulta de acordos entre empregadores e sindicatos (ou representantes dos trabalhadores) que definem os dias de folga ou descanso, de acordo com as necessidades e realidades de cada setor ou empresa.

O mesmo se aplica ao Reino Unido, onde, de forma semelhante, não há uma lista de feriados nacionais obrigatórios impostos por lei. Em vez disso, os feriados são geralmente acordados entre as partes envolvidas no mercado de trabalho. Em Portugal, a cultura do descanso “não é bem vista”, refere o economista.

A religião é ainda outra questão discutida em contexto europeu, à luz dos novos cenários culturais que se vivem nestes países. Põe-se em causa a razão para a predominância de certas religiões em detrimento de outras, tendo em conta a diversidade da realidade ocidental.

“Os feriados portugueses dizem muito sobre a nossa cultura”, concluiu Filipe Grilo. “Ainda precisaríamos de mudar o chip” para reformular a cultura do trabalhador, a presença dos ideais católicos e a noção da necessidade de “gerar mais valor através do consumo”.

*Edição por Ana Maria Pimentel