A Câmara de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três manifestantes russos que, em janeiro, participaram num protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do governo de Putin.

Em declarações aos jornalistas esta quinta-feira, Fernando Medina fez "um pedido de desculpas público aos promotores da manifestação em defesa dos direitos de Alexei [Navalny], da mesma forma que já o fiz pessoalmente à promotora da manifestação".

"Foi um erro a todos os títulos lamentável da Câmara Municipal de Lisboa, um erro que não podia ter acontecido, em que dados de natureza pessoal foram transmitidos à embaixada [russa]", disse.

"Lisboa tem orgulho de ser um espaço de liberdade, segurança, expressão e valorização dos direitos humanos, do direito à manifestação, que tanto nos custou conquistar e que tanto prezamos. Cabe-nos a nós, entidades públicas, cuidar a efetivação deste direito [de manifestação] do ponto vista formal, mas também substantivo: que sintam condições de segurança e de bem-estar para poderem exercer esse direito", acrescentou.

Medina quis, todavia, explicar que "este erro decorreu de um funcionamento burocrático dos serviços, que aplicaram nesta manifestação o que aplicam à generalidade das dezenas de manifestações que acontecem no município de Lisboa".

Em causa, explicou, está o previsto na Lei (Decreto-Lei n.º 406/74): tendo sido rececionados os dados dos organizadores, a informação foi encaminhada para os serviços técnicos da CML para a PSP/MAI e para entidade/local de realização da manifestação (no caso, embaixada de serviços consulares da Rússia).

O objetivo deste procedimento é garantir que estas manifestações ocorrem com todas as condições de segurança.

"Este procedimento que é adequado ao nosso quadro de um país democrático com manifestações em frente a instituições democráticas, mas não é adequado quando há manifestações em que pode ser identificado risco para os participantes. Tratando-se desta manifestação, esta informação [dos dados dos organizadores da ação] não podia ter sido transmitida".

Entretanto, garantiu, a "Câmara já tirou consequências desta situação, alterando os procedimentos, a partir do mês de abril, deixando de facultar os nomes de organizadores de iniciativas junto de embaixadas. Foi esta a decisão, mas acho que devemos ir mais longe: hoje mesmo darei instruções de que a Câmara de Lisboa não facultar nenhum dado relativamente a promotores de manifestações a nenhuma entidade, com excepção da polícia de segurança pública. E promoverei uma alteração no funcionamento dos serviços que atualmente tratam desta matéria tendo em vista a assegurar que coisas destas não voltam a acontecer".

Pedidos de demissão? Foi "uma tentativa de aproveitamento político evidente"

Questionado sobre as declarações de Carlos Moedas, candidato do PSD à capital, que disse que Medina devia demitir-se, o autarca do PS respondeu com "uma tentativa de aproveitamento político evidente" que revela "desespero" por parte da oposição.

"Vi uma tentativa de aproveitamento político evidente, que mostra bem mais o desespero em que se encontra a candidatura de Carlos Moedas, do que uma tentativa de que alguém acredite que há da parte do município um conluio com o regime de Vladimir Putin. Essa expressão só pode resultar de algum delírio desesperado", disse.

Rui Rio considerou este caso "gravíssimo" e a delegação do partido no Parlamento Europeu (PE) questionou hoje várias instituições da União Europeia (UE) sobre o impacto do envio para Moscovo das informações sobre cidadãos que protestaram junto da embaixada russa.

O Volt Portugal (VP) exigiu a demissão imediata do presidente da Câmara de Lisboa, já o Livre condenou a situação e exigiu o "cabal e público esclarecimento" sobre a "involuntária ou voluntária" partilha de dados de três ativistas anti-Putin residentes em Portugal entre a Câmara de Lisboa e o regime russo. Também o Bloco de Esquerda exigiu esclarecimentos e ​Jerónimo de Sousa considerou que "se coloca a necessidade do apuramento de responsabilidades dos factos e depois, naturalmente, que se decida em conformidade com essa investigação tendo em conta a sensibilidade e a gravidade da questão que está colocada".

A Amnistia Internacional considerou este caso gravíssimo. “A confirmar-se – e lemos que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) já admitiu este envio de dados - é gravíssimo, colocando em risco as pessoas que organizaram as manifestações ao abrigo do direito à liberdade de manifestação, expressão e reunião”, afirmou o diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, Pedro Neto, contactado pela agência Lusa.

De acordo com a Amnistia, a atuação da autarquia pôs em risco os organizadores da iniciativa e as famílias, “principalmente as que se encontrarem em território da Federação Russa”.

Para Pedro Neto, “é publicamente conhecido os riscos que correm defensores de direitos humanos no mundo, é conhecida publicamente a repressão, intimidação e perseguição que se faz a dissidentes, a jornalistas, a opositores políticos e a defensores de direitos humanos na Federação Russa”, sustentou.

A Amnistia considera que além do dever de proteção de dados, a Câmara Municipal de Lisboa tem “o dever de proteger as pessoas que com ela interagem” e não pode ceder os dados pessoais que lhes são confiados a entidades terceiras, “fora do âmbito do previsto na lei”.

“Todas as pessoas e instituições que já organizaram manifestações no espaço público do território do município de Lisboa, estão em segurança? Os seus dados de informação de manifestações foram enviados a terceiros?”, questionou Pedro Neto.

Sabe-se já que a CML alterou os procedimentos internos para manifestações por forma a salvaguardar dados pessoais de manifestantes.