Em entrevista à Lusa no âmbito de uma visita esta semana a Angola, Antoinette Sayeh elogiou as autoridades angolanas, incentivando a prosseguir reformas, e considerou que o facto de estas terem, “num contexto muito desafiante”, assimilado “de forma sólida” o programa de assistência financeira foi um fator critico para o seu sucesso.
“Vimos isso ao longo da implementação do programa, num contexto muito desafiante, com múltiplos choques, desde a pandemia, que obrigou a alguma recalibragem para continuar a responder a desafios ainda muito difíceis, e um trabalho muito próximo com as autoridades”, destacou, salientando que o programa esteve focado na estabilidade macroeconómica já que Angola, como pais exportador de petróleo está particularmente suscetível a choques do preço.
Questionada sobre se é preciso um novo programa, a responsável considerou que atualmente não, tendo em conta as necessidades de financiamento da balança de pagamentos, e disse que as autoridades não abordaram o FMI nesse sentido.
A também ex-ministra das Finanças da Libéria abordou o papel do FMI nos países africanos, considerando que, nos últimos quatros anos de choques múltiplos, demonstrou ser “uma rede de segurança”, sobretudo para países que têm poucos fundos de reserva.
“Vimos, neste período, um aumento significativo das necessidades de financiamento e concedemos 58 mil milhões de dólares de empréstimos (53,67 milhões de euros) à África subsaariana, ao mesmo tempo que fornecemos assistência técnica para reforçar as políticas macroeconómicas”, adiantou.
Esta região, realçou, é a que mais beneficia de assistência técnica e formação do Fundo.
Sobre as criticas à austeridade associada aos programas do FMI, lembrou que a maioria dos países recorrem à instituição quando já estão em crise ou perto da crise, sendo o Fundo “quase um credor de último recurso” para países que já não conseguem outro tipo de financiamentos e permite responder a necessidades imediatas, como por exemplo o pagamento de salários.
“O financiamento do FMI permite evitar consequências mais desastrosas para a economia e para os mais vulneráveis”, observou.
Realçou ainda que os recursos do FMI pertencem aos 190 estados-membros que integram o Fundo e “é importante que sejam salvaguardados para as necessidades de outros países, e isso é permitido pela condicionalidade”.
Por outro lado, “os países querem também algumas garantias de que o financiamento que contraíram estará disponível e as condições que são acordadas para restaurar a estabilidade macroeconómica, quando são implementadas, permitem garantir aos países que os recursos estarão lá”, justificou.
Por último têm também um efeito catalítico, segundo Sayeh, já que facilitam o acesso o outro financiamento e outras instituições financeiras internacionais, dando “algum conforto” de que as reformas serão implementadas e vão ajudar o país a regressar à estabilidade e sair da crise.
“Daí que esta condicionalidade associada aos nossos empréstimos, resulte melhor quando é assimilada pelos países como foi o caso em Angola”, sublinhou a vice-diretora do Fundo.
Antoinette Sayeh reconheceu que a África subsaariana precisa de “significativos” níveis de financiamento, e que a China desempenhou um papel importante com financiamentos alargados que incluem, por exemplo, infraestruturas, ao contrário dos do FMI que são concessionais (empréstimos com condições mais favoráveis do que as de mercado, caracterizados por taxas de juros baixas e maior período de pagamento) e respondem às necessidades da balança de pagamentos.
Assumiu também que a vulnerabilidade à divida em África é “alta”, recomendando que os países sejam cuidadosos quanto aos níveis de divida que contraem, tendo em conta que o rácio face ao Produto Interno Bruto (PIB) quase duplicou nos países de baixos rendimentos nos últimos dez anos, disparando de 30% para 60%.
“Um número significativo de países de baixos rendimentos estão em níveis de sobre-endividamento”, alertou.
Antoinette Sayeh destacou que o FMI está agora a ajustar os limites de empréstimos para esses países no contexto de acordos como o PRGF (Facilidade de Redução da Pobreza e Crescimento Económico) que é a origem dos empréstimos concessionais para países de baixos rendimentos.
“Esta facilidade não tem juros associados e estamos em processo de rever (os limites) para determinar que outros ajustamentos precisamos fazer para responder às necessidades dos países da Africa subsaariana”, disse à Lusa.
A responsável do FMI destacou também o novo acordo RSF (Facilidade de Sustentabilidade e Resiliência), um instrumento com maturidades mais longas, direcionado para países confrontados com novos desafios como alterações climáticas ou preparação para pandemias, ao abrigo do qual já concederam 18 empréstimos, metade para África subsaariana, ilustrando desta forma a “agilidade” do Fundo para responder as necessidades desta região.
Antoinette Sayeh lamentou que a África subsaariana beneficie apenas de 3% dos fluxos de investimento estrangeiro a nível mundial.
“Pode fazer muito melhor”, frisou, realçando que os investimentos em recursos naturais podem também ser benéficos, dependendo da forma como são usados.
“Não são necessariamente maus e os países (com estes recursos) têm uma vantagem competitiva”, disse.
No caso de Angola, assinalou que o país lusófono trilhou “um longo caminho” e conseguiu fazer reformas consideráveis no lado fiscal e da política monetária, defendendo igualmente políticas mais atrativas para investidores fora do setor dos recursos minerais.
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