Sérgio Godinho lembra "um amigo de uma vida", "amigo de casa e de músicas". "Sinto que o conheço desde sempre", conta ao SAPO24, via telefone, o músico que é "padrinho informal de um dos filhos" de José Mário Branco.

O autor de "Que força é essa?" recorda as várias participações de cada um na discografia de ambos, nomeadamente nos primeiros anos de edição musical, e destaca o tema "O Charlatão", que é, "de certo modo, um ícone da nossa estreita colaboração".

"Ele foi o meu primeiro parceiro. No meu último disco ["Nação Valente"] pedi-lhe um tema e ele deu-me a música que viria dar origem à canção 'Mariana Pais'. A música tem exatamente a marca de qualidade do Zé Mário porque ele era musicalmente inspiradíssimo. Foi um inovador", conta.

"O Zé Mário era exigente, mas ao mesmo tempo tinha uma grande abertura. Quando o conheci não gostava de fado. No entanto, a sua postura mudou e produziu o Camané ou a Kátia Guerreiro. Essa exigência não queria dizer que estivesse fechado ao mundo ou que houvesse um sectarismo musical".

O músico salienta ainda a importância do trabalho de José Mário Branco com Zeca Afonso, "que, de certo modo, deu um segundo fôlego às canções do Zeca no 'Cantigas de Maio' e, depois, no 'Venham mais Cinco'".

Godinho recorda ainda o espetáculo "Três Cantos", que o voltou a juntar em palco a José Mário e a Fausto, no Campo Pequeno, em 2009. "Foi muito frutuoso e muito rico, trabalhávamos como se nos conhecêssemos desde sempre. Havia entre nós uma cumplicidade profunda".

Sobre uma condecoração póstuma — ideia admitida hoje pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, depois de José Mário Branco a ter recusado em vida — Sérgio Godinho acredita "que não faria sentido porque ele já tinha recusado mais do que uma". "Em 1995 recebi a Ordem da Liberdade, conjuntamente com o Fausto e o Vitorino, e o Zé Mário muito educadamente recusou e justificou-o à maneira dele. Acho que isso é de respeitar".

Rui Portulez, A&R da Valentim de Carvalho e produtor do álbum, editado em maio, "Um disco para José Mário Branco", recorda ao SAPO24 "a obra inovadora e disruptiva de uma pessoa que nunca ficou satisfeita em repetir fórmulas". E "que andou sempre à procura de coisas novas, andou sempre à procura de contaminações e contactos com outros músicos, sempre aberto ao mundo e à música".

Para Portulez, José Mário Branco "foi aprendendo e foi ensinando por todo o lado", abrindo-se "às gerações mais novas e mais velhas". "Conseguia fazer música popular sem ser música popularucha e influenciou basicamente toda a gente que o ouviu — e houve muita gente que o ouviu, felizmente." O produtor lembra que que o músico "não facilitava", no sentido em que tinha "cuidado com a mensagem e com a música".

Em 2014, recorda, organizou um concerto na Casa da Música, no Porto, com alguns dos músicos que entraram mais tarde no disco, como JP Simões, Batida ou os Ermo. "Algo dificílimo de se fazer porque não havia dinheiro nem apoios de nada, mas houve muito boa vontade de toda a gente que participou", conta. "Não havia cachês, não havia expectativa de retorno, só expectativa de investimento das pessoas que participaram nisso porque acharam que fazia sentido celebrar a música do José Mário Branco. Não numa lógica de homenagem, mas de celebração e reconhecimento".

"A ideia era mostrar esse ecletismo do Zé Mário, que é incrível, e que vai da eletrónica ao hip hop, a tudo, à música popular. Ele trabalhou com toda a gente e inspirou toda a gente", termina.

Também Luís Represas recorda, ao SAPO24, um músico que "faz parte de uma geração que criou os alicerces de muito do que é a música portuguesa hoje em dia".

"Eu sinto-me um privilegiado por ter podido coincidir [com ele] no tempo com os Trovante, quando começámos, com essa geração, com esse conjunto de músicos, autores e compositores em que está o Zé Mário, em que está o Fausto, o Zeca, o Adriano, o Sérgio Godinho, enfim, aqueles que são um pouco do alicerce daquilo que a música portuguesa é hoje em dia".

Zé Mário "marcou-nos, por um lado, pela forma como abordava a música, como compunha, a coerência da sua composição e da escrita, que não ficava atrás nem à frente de todos os outros, mas que era muito peculiar; mas por outro lado, [marcou-nos] na forma como ele foi buscar outros elementos e sonoridades que eram naquela altura invulgares na música popular e as trouxe de facto para a música popular — eu gosto de lhe chamar assim, porque é disso que se trata".

E, essas novas sonoridades, acrescenta, "umas mais eruditas, outras mais inovadoras ou surpreendentes", acabaram por deixar "a impressão digital do Zé Mário Branco na música portuguesa". A esse lado "junta-se o da exigência que ele tinha para com ele próprio e que transmitia a quem trabalhava com ele". Luís Represas deseja que essa marca de "exigência e de inovação" seja observada "não só ouvindo as canções do Zé Mário, as obras do Zé Mário, mas também — mais para os músicos e de uma forma mais técnica — que [essa marca ] possa, cada vez mais, [fazer-nos] revisitar e trazer para a música que nós fazemos aquilo que o Zé Mario deixou".

Primeira Dama, nome pelo qual assina Manuel Lourenço, é um dos exemplos de que a influência de José Mário Branco atravessou e influenciou várias gerações. "[Ele] é muito importante na minha vida, talvez uma das pessoas mais importantes", disse-nos o músico de 22 anos, falando numa ligação emocional "que não se explica".

"O meu pai tocou com ele na altura em que eu estava para nascer. E depois, a partir de uma certa altura da minha vida, acompanhou-me sempre, mudou muitas das minhas canções. Acho que se nota bastante num ou noutro ponto do que fiz. [Observei] não só as coisas que ele dizia e que estão nas canções dele, como o lado mais performativo e teatral da sua obra".

"Estou neste momento encostado à minha cama a preparar-me para sair de casa. Tenho aqui uma fotografia, à cabeceira, num quadro que me ofereceram e que é uma reprodução de uma capa antiga do vinil "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades". Pá, e é uma coisa que eu gosto de ter aqui, de acordar todos os dias de manhã e de pensar 'estas canções existem e vão ficar aqui connosco até um dia alguém se esquecer, o que eu acho que vai demorar muitos séculos'.

Da mesma geração que Manuel, mesmo que as idades aqui pouco importem, António Costa, dos Ermo, conta ao SAPO24, por escrito, que "foi com grande pesar que soube da morte". Foi seu "mentor involuntário" uma vez que nunca se conheceram —"mas conhecia-o desde sempre. Faz parte do elenco de titãs incansáveis da canção portuguesa, guardado tão longe, num pedestal e tão próximo da boca". "Como tal, caiu-lhe o nome completo da minha boca e chamava-lhe Zé Mário, como a um amigo", termina.

À Lusa, o pianista e compositor Mário Laginha disse sentir uma "profunda tristeza" com a morte de José Mário Branco, "um músico inspiradíssimo que manteve sempre a juventude" ao longo da carreira. "É um dos expoentes máximos da música de intervenção, e tudo o que ele fez foi bom. Sempre que ele punha a mão [num projeto] — não só como compositor, mas também como arranjador e produtor —  havia a certeza de que iria ser alguma coisa boa e bem feita", comentou Mário Laginha, acrescentando que José Mário Branco "manteve sempre uma enorme juventude do ponto de vista musical", ao longo da carreira.

Mário Laginha, que acompanha Camané no seu último álbum, lançado em novembro, "Aqui Está-se Sossegado", salientou o trabalho que José Mário Branco fez com o fadista, em produção e arranjos de vários fados. "O Camané é um bom exemplo de alguém que o José Mário Branco compreendeu e explorou as potencialidades, mas sempre encontrando um equilíbrio em relação ao repertório, para além das grandes canções que escreveu para o fadista", recordou.

José Mário Branco é “um dos melhores compositores e melhores artistas e intérpretes da música portuguesa”, enfatizou Camané, sublinhando a “importância extrema” que teve no seu trabalho e na sua carreira. “Tem uma obra musical incrível, de um bom gosto fantástico”, sublinhou, acrescentando o facto de José Mário Branco ter sido produtor de “grandes artistas que têm uma influência incrível na música portuguesa".

Para o fadista — cujos discos foram todos produzidos por José Mário Branco desde “Uma Noite de Fados” (1995), em que o autor de “FMI” assinou também os arranjos musicais —, não fazia prever a morte do músico, que também foi ator de cinema e teatro, já que este não se encontrava doente. “Tinha estado com ele há uns tempos e não tinha informação de que estivesse doente”, observou o fadista, acrescentando "que nada [fazia] prever este desfecho”.

Camané sublinhou ainda os “valores de autenticidade e de verdade” da música de José Mário Branco, admitindo terem-no influenciado “imenso” e terem-lhe dado “uma visão” daquilo que é o seu trabalho. “Ensinou-me muitas coisas, essas, principalmente, de que o fado vive duma grande autenticidade que é preciso manter, e que a inovação vem de dentro para fora, como ele dizia sempre”, ressalvou Camané, visivelmente emocionado.

“Infelizmente, partiu cedo, porque não estava doente e foi uma coisa muito repentina, mas fica a sua obra”, sustentou Camané, sublinhando ainda “a influência enorme” que o compositor teve em “toda a gente nova que está a aparecer” na música.

Também à Lusa, Janita Salomé recordou as capacidades de grande músico e orquestrador. “O José Mário Branco desaparece fisicamente, mas a obra dele permanecerá — isto é um lugar comum, mas é necessário dizer —, é justo dizê-lo e fundamental, até para que este acontecimento triste, que é o desaparecimento do Zé Mário, seja um ponto de partida, faça com que a música portuguesa renasça, porque a obra que ele nos deixou é muito vasta e variada, e dá muitas sugestões para muitos trabalhos de muita gente que queira seguir a obra dele”, disse.

Já a rapper Capicua assumiu que o músico era um dos seus “heróis de infância” e uma inspiração que fez da canção uma ferramenta para mudar o mundo. “É um dos meus heróis. É uma das figuras mitológicas da minha infância […]. Foi um dos grandes exemplos de músicos em Portugal que fizeram da canção uma ferramenta [para mudar o mundo] e um megafone para ampliar as suas causas”, declarou à Lusa Capicua, nome artístico de Ana Matos Fernandes.

João Afonso, antigo produtor musical na Polygram e membro fundador do Blitz, recorda José Mário Branco como um "cantautor e produtor de grande nível”, "um artista absolutamente genial" e "como uma das grandes figuras da música portuguesa". "Na minha modesta opinião, depois do Zeca Afonso, o nome mais importante da música de intervenção", diz-nos. “Estava para ir tomar um café com ele um dia destes, com ele e com a Kátia Guerreiro. Escrevi, para a Kátia, um texto sobre o seu disco em que falava do trabalho exemplar do Zé Mário nele", recordou ainda.

José Mario Branco faleceu esta terça-feira, 19 de novembro, aos 77 anos.