“Esse foi um dos momentos mais complexos, mais difíceis, da minha vida na Comissão”, diz, em entrevista à Lusa, a propósito da reunião do Colégio de Comissários de julho de 2016.
“Porque eu, ao ser português, para explicar a situação aos meus colegas, tinha de explicar com argumentos muito racionais, porque senão eles diziam: ‘bom, ele está aqui a dizer que Portugal não devia ter uma multa porque é português'”, recorda.
Nessa reunião, explica, foi decisiva a ação do então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
“Ele esteve sempre do nosso lado e, naquela reunião magna, […] realmente a arte foi de Jean-Claude Juncker. […] Nesse dia, ele consegue fazer de maneira em que deixa falar primeiro uns [comissários] que ele sabia que tinham algumas dúvidas, depois deixa-me entrar com os meus argumentos e, depois, no fundo, remata”, conta, evocando um momento que considera “uma reunião histórica”.
Sobre os argumentos que utilizou para contrariar a hipótese de ser aplicada a Portugal uma multa de 0,2% do PIB (então 360 milhões de euros) por desrespeitar o limite de 3% do défice, Carlos Moedas explica que “tinham todos a ver com a capacidade que a própria Comissão tem de ser também um órgão político, que [Portugal] não estava a desrespeitar o pacto [de Estabilidade e Crescimento] e que havia alguma flexibilidade política que podia ser utilizada”.
A argumentação foi a todo o momento articulada com Juncker, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa, os quais elogiaram todos publicamente a atuação de Carlos Moedas.
“Acho que se fez um trabalho de equipa que mostrou que é possível, sendo de partidos diferentes e tendo ideias diferentes, trabalhar em prol do país […] É muito raro em política ver isso”, frisa.
“Mas foi duro. E agora, quando conto, parece que foi fácil”, diz. “Foi um dos episódios fortes, sem dúvida, um dos episódios mais fortes”, repete noutro passo.
Esse papel de Juncker, considera, não teve tanto a ver com a simpatia que o luxemburguês sempre assegurou ter por Portugal e pelos portugueses, mas como algo que “ajudou o próprio posicionamento” do presidente, que iniciou o mandato na Comissão afirmando o papel político da instituição.
“Isso criou alguma irritação nalguns países, entre eles a Alemanha, que não tinha nada a ver com Portugal, e [Juncker], com esta posição, no fundo, prova que em certos momentos a posição tem de ser política […], e aí é que foi talvez a arte, […] encontrar dentro do próprio tratado, que parece rígido, a flexibilidade, sem desrespeitar a lei”.
“E portanto para ele também foi um momento político importante”, considera.
Para Carlos Moedas, esse maior carácter político da Comissão “é a identificação do próprio método comunitário”, por contraposição ao método intergovernamental por que se rege o Conselho, onde o que é decidido “é o mínimo denominador comum” e não “as melhores decisões, que são as tomadas pelo interesse de todos em comum”.
No livro que vai lançar na terça-feira, em Lisboa, com crónicas que escreveu ao longo do mandato como comissário europeu para Ciência e Inovação (2014-2019) – “Vento Suão, Portugal e a Europa” -, Jean-Claude Juncker escreve, no prefácio, que Carlos Moedas “contribuiu largamente” para a flexibilização do Pacto de Estabilidade.
“Ele contribuiu largamente para que esta Comissão fosse diferente, mais política, mais atenta às realidades nacionais. Penso aqui em particular na nossa decisão de dar uma outra grelha de leitura ao Pacto de Estabilidade, flexibilizando certas das suas disposições”, afirma Juncker, lembrando que essa flexibilização foi feita “contra a vontade de muitos dos Estados-membros”.
Questionado sobre um possível aprofundamento desse papel político da Comissão no futuro, Carlos Moedas adverte que “o momento agora é outro”.
“Tendo-se puxado para este lado, agora a senhora [presidente da Comissão Europeia, Ursula] Von der Leyen tem de manter esse caminho e tem de consolidar esse caminho. [Porque] aquilo que se ganhou ainda é pouco, continua a haver da parte de muitos países a ideia de que se se sentarem à volta da mesa e se forem eles a decidir, é melhor. Mas isso é mentira”.
Mas, sublinha, o momento atual caracteriza-se por um crescimento de forças “populistas extremistas [que] querem destruir esse método comunitário”, porque acreditam “numa Europa dos países” e podem “levar, no futuro, a não haver Comissão Europeia”.
“Acho que ainda estamos num momento frágil, mas penso que Von der Leyen tem sido uma figura marcante, tem uma comunicação extraordinária, […] e isso é importantíssimo para a Europa”, diz.
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