Segundo avança a agência AFP, o Líbano recebeu ordem de prisão da Interpol contra Carlos Ghosn. A agência noticiosa cita fontes oficiais de Beirute ainda sem avançar mais detalhes sobre o caso que tem estado nas manchetes internacionais desde segunda-feira, dia em que se soube que o ex-CEO do grupo Nissan-Renault tinha fugido de Tóquio onde se encontrava em prisão domiciliária a aguardar julgamento por crimes de fraude financeira.

Os canais de televisão japoneses exibiram também nesta quinta-feira imagens de polícias a entrar na casa em Tóquio onde o ex-CEO da Renault-Nissan vivia. Uma situação que durou até à passada segunda-feira, dia em que Carlos Ghosn desembarcou em Beirute, tendo viajado para o Líbano a partir de um aeroporto em Istambul, onde chegou num voo oriundo do Japão. O que torna todo o caso uma quase intriga internacional.

Para quem não tem acompanhado a saga do gestor, eis uma breve síntese para entender o que está em causa. O ex-presidente do conselho de administração e ex-presidente executivo do grupo Nissan e da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, foi detido em Tóquio em 19 de novembro de 2018 por suspeita de abuso de confiança e evasão fiscal. Detido vários meses no Japão,  foi libertado em março de 2019, após o pagamento de uma caução. No início de abril passado, foi novamente detido e outra vez libertado sob caução. No final desse mesmo mês, Ghosn ficou sob detenção domiciliária, a aguardar julgamento por evasão fiscal, entre outros crimes.

No domingo passado, com a ajuda da mulher, Carlos Ghosn terá fugido da sua casa no Japão dentro de uma caixa de instrumento musical,  contando com a colaboração de uma banda de música gregoriana e uma equipa de ex-oficiais das forças especiais. De Tóquio viajou para Istambul, na Turquia, e daí para Beirute, no Líbano.

A fuga - que para o gestor se trata tão somente de uma libertação “da injustiça e da perseguição política” no Japão - está a ser investigada pelas autoridades japoneses e agora também pelas turcas. De acordo com a agência de notícias DHA, a polícia turca prendeu sete pessoas, incluindo quatro pilotos, sob suspeita de auxiliar Ghosn a viajar para o Líbano a partir de um aeroporto de Istambul.

De acordo com fontes da investigação citadas pela imprensa japonesa, o Ministério Público em Tóquio está, por seu lado, a examinar as imagens das câmaras de segurança na entrada da residência e no bairro em que morava o gestor.

Depois de desembarcar em Beirute, Ghosn publicou um comunicado de imprensa e a sua equipa de comunicação confirmou à AFP que irá realizar uma conferência de imprensa nos próximos dias.

O homem que chegou a ser o CEO mais bem pago do Japão enfrenta quatro acusações no país: duas por rendimentos não declarados pela Nissan às autoridades da Bolsa e duas por abuso de confiança agravada. O processo deveria ser julgado no Japão a partir de abril de 2020.

Tóquio-Istambul-Beirute e também França

O governo francês indicou entretanto que Carlos Ghosn, que tem três nacionalidades (francesa, brasileira e libanesa), não será extraditado se entrar em território francês porque o país nunca extradita os seus cidadãos. A afirmação foi feita pela secretária de Estado de Economia, Agnès Pannier-Runacher, ao canal BFMTV.

"Se o senhor Ghosn chegar à França, não extraditaremos o senhor Ghosn porque a França nunca extradita seus cidadãos", disse Pannier-Runacher ao canal BFMTV. Ainda assim o governo francês considera que Ghosn "não deveria ter escapado do sistema de justiça japonês". "Ninguém está acima da lei", declarou a ministra.

Ghosn também era o CEO da Renault antes de ser demitido após a prisão, em novembro de 2018, no Japão, onde é acusado de fraude financeira, e também está a ser investigado em França, mas nenhuma acusação foi apresentada até o momento.

Três passaportes guardados num cofre e mais um num estojo com código secreto

Uma fonte próxima ao caso confirmou nesta quinta-feira que Ghosn tinha dois passaportes franceses e um dos documentos estava com ele. A fonte entrevistada pela AFP indicou que os advogados do executivo mantinham três passaportes de Ghosn (francês, libanês e brasileiro) guardados num cofre. Sendo que  o gestor recebeu uma autorização excepcional de um tribunal para ter um segundo passaporte francês, que transportava dentro de uma espécie de estojo, que tinha um código secreto guardado pelos seus advogados.

Ghosn estava proibido de viajar ao exterior, mas deslocava-se com relativa liberdade dentro do Japão, onde podia sair da capital com algumas restrições, um sistema aplicado a outros estrangeiros em prisão provisória.

Na eventualidade de um controlo policial, precisava entrar em contacto com o advogado que tinha o código para que este comparecesse ao local em que o executivo estivesse (o código não poderia ser comunicado por telefone à polícia), informou a mesma fonte.

De acordo com a presidência libanesa, o outro país envolvido no puzzle, Ghosn entrou no país oriundo da Turquia com um passaporte francês e um documento de identidade libanês.

Há suspeitas de que Ghosn teria utilizado um jato privado que descolou do aeroporto de Kansai, na região oeste do Japão. Um avião deste tipo levantou voo deste aeroporto em 29 de dezembro às 23h00 (horário do Japão), administrado pelo grupo francês Vinci [o mesmo que administra do aeroporto de Lisboa] e o japonês Orix, com destino a Istambul, segundo a imprensa nipónica.

A fuga de Ghosn provocou grande consternação no Japão e os seus advogados consideraram a atitude "indesculpável", embora tenham afirmado entender as razões de seu descontentamento com a justiça japonesa.

Após a detenção, Ghosn foi demitido como presidente da Nissan e da Mitsubishi Motors. Em seguida renunciou à presidência da Renault, antes mesmo de outras investigações que decorrem contra si em França.