Ouvido como testemunha na 34.ª sessão do julgamento em curso no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, Rogério Bravo – que assumiu ser arguido num processo cuja certidão foi extraída pelo tribunal neste caso - recusou comentar se o envio de um documento que estaria em segredo de justiça era uma situação “habitual” e considerou que não tinha de pedir autorização, defendendo que, em 2015, não lhe pareceu “uma má iniciativa”.
“Sabendo nós que dos países de Leste nunca vem resposta atempada e que tinha de entregar sempre a mesma informação ao assistente para promover a auditoria, o que dissemos foi: ‘Se tem conhecimentos no Leste, trate de tentar obter a informação mais rapidamente, que nós vamos sempre tentar obter pelos mecanismos formais’”, explicou.
Em causa, está um ofício enviado em outubro de 2015 pela PJ ao servidor de internet russo Yandex LLC a pedir informações e que foi partilhado com os elementos ligados ao fundo de investimento, Nélio Lucas e Pedro Henriques, documento esse a que Rui Pinto teria tido acesso. “É uma comunicação que constitui prova provada de que Rui Pinto tinha acesso ilícito às comunicações”, frisou Rogério Bravo.
Com funções de coordenação na PJ na área da investigação digital, o inspetor-chefe justificou a sua intervenção no processo porque o “caso parecia grave e merecia atenção urgente”. Descrevendo a situação em torno do ‘Football Leaks’ como “um caso atípico”, Rogério Bravo entendeu que havia “qualquer coisa de esquisito que se estava a passar em Portugal” e que era seu “dever” informar-se, notando ter estado “várias vezes” com a Doyen.
“Desde quando é que não se trabalha com o assistente? Ainda mais num caso destes? Quando percebemos que a área informática do assistente tocava três países diferentes, até teve de haver troca de informação”, referiu, desvalorizando o uso do seu endereço de correio eletrónico pessoal e o ‘tratamento por tu’ com os interlocutores da Doyen presente em emails: “Toda a gente que me conhece minimamente sabe que geralmente trato as pessoas por tu.”
Interrogado pela defesa de Aníbal Pinto, o inspetor-chefe da PJ explicou que o arguido foi considerado suspeito após o cruzamento de informações anteriores e que ligavam o advogado à representação legal de Rui Pinto num processo mais antigo, traçando assim um “nexo de continuidade” entre os casos: “Fomos levados a fazer uma conta de somar com o histórico.”
Sobre o encontro na área comercial da área de serviço da autoestrada A5, em 22 de outubro de 2015, entre Nélio Lucas, Pedro Henriques e Aníbal Pinto, Rogério Bravo reafirmou a pertinência da operação da PJ com “a grande possibilidade de haver um flagrante delito” numa situação de “extorsão” e que existiu instruções para intervir de imediato caso houvesse alguma entrega entre as partes.
Confrontado com o depoimento em tribunal da inspetora da PJ Aida Freitas, no qual havia admitido que tinha assinado o relatório dessa diligência sem ler, Rogério Bravo disse não ter presenciado a conversa na área comercial, apesar de estar no terreno, e vincou que o relatório veio corroborar as informações que lhe tinham sido transmitidas após o encontro.
“Quando tomei conhecimento e quando li, batia certo com o resumo que me tinham feito. Lamento imenso, na minha carreira nunca vi nada igual, mas quem vai ter de responder sobre isso é a senhora inspetora”, adiantou, continuando: “Houve uma dúvida pontual levantada pela inspetora, mas que cessou quando viu a assinatura. Nem houve mais conversa.”
Sublinhando carregar a “cruz” do processo Football Leaks desde 2015, Rogério Bravo assumiu ainda que a investigação da PJ não distinguiu essa plataforma eletrónica do blogue ‘Mercado de Benfica’, surgido em 2018, ao qual Rui Pinto estaria alegadamente ligado e onde foram divulgados documentos de advogados ligados ao escritório PLMJ.
A terminar, já na inquirição conduzida pela defesa do criador do ‘Football Leaks’, Rogério Bravo reconheceu que “acabou por haver uma alteração na postura processual” de Rui Pinto.
Paralelamente, o inspetor-chefe da PJ não deixou de fazer um reparo em relação à antiga eurodeputada e candidata presidencial Ana Gomes, cuja queixa apresentada resultou num inquérito do Ministério Público sobre a sua relação com a Doyen. A queixa foi arquivada em novembro passado, mas o inquérito foi, entretanto, reaberto, após uma certidão extraída pelo tribunal já durante este julgamento, em dezembro.
“Não fui eu que andei a misturar política com representatividade. Havia um candidato que tinha uma atuação, que ia visitar o arguido e tecia considerações que deram origem ao processo”, concluiu.
Após esta audição foram ainda ouvidas as testemunhas Paulo Abalada, Pedro Pereira, Domingos Ferreira e Pedro Gonçalves, todas arroladas pela defesa do arguido Aníbal Pinto. O julgamento do processo Football Leaks prossegue esta quinta-feira de manhã, tendo sido requerida a audição do diretor da unidade de combate ao cibercrime da PJ, Carlos Cabreiro.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
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