“Temos condições para ir além disso”, resumiu o responsável pela investigação na oitava sessão do julgamento, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, sem deixar de sublinhar, porém, que a colaboração com o arguido no processo ter sido condicionada inicialmente pela ausência de garantia a Rui Pinto de que o conteúdo dos discos não serviria para a sua incriminação.
“Uma salvaguarda de autoincriminação era logo afastada. Houve vários interrogatórios que, não iam além dos moldes de colaboração. E como a autoincriminação não era ultrapassável, fechava-se o auto”, afirmou José Amador. Questionado pela defesa de Rui Pinto sobre uma eventual utilização do conteúdo para outras investigações, José Amador não descartou a situação, mas focou a discussão neste processo: “Não é que não seria usado para mais nada. O entrave é que não era dada a garantia que não fosse usada para autoincriminação.”
O tema da colaboração do criador da plataforma eletrónica com as autoridades ocupou parte significativa da sessão da manhã de hoje, não tendo ficado claro se passou a haver uma garantia ou se essa salvaguarda deixou de ser pedida por Rui Pinto. O inspetor da PJ reconheceu, ainda assim, que não era “muito otimista” em relação à abertura dos discos sem a intervenção de Rui Pinto.
Ato contínuo, José Amador assumiu que em relação à conduta de Rui Pinto se verificou “uma diferença substancial” face ao tipo de acessos a sistemas informáticos, à forma como estes eram efetuados e às ferramentas usadas para a sua rastreabilidade.
Os rendimentos do criador da plataforma eletrónica mereceram também a análise do tribunal nesta oitava sessão, com o inspetor da PJ responsável pela investigação a revelar que “não foram recolhidos elementos que permitissem indícios de atividade ilícita nos proventos económicos” de Rui Pinto.
José Amador observou também que as autoridades húngaras não conheciam instituições de crédito associadas ao arguido e que os elementos encontrados nas mensagens de Rui Pinto relacionados com a transação de livros antigos se traduziam apenas em “valores modestos”, notando, inclusivamente, que “se aquela era a fonte de rendimento, o arguido devia viver muito mal”.
Ainda em relação à eventual existência de contas em moeda digital, levantada pelo coletivo de juízes, José Amador confessou que a PJ não encontrou nada nesse sentido.
Posteriormente, foi a vez de a defesa de Aníbal Pinto questionar a testemunha. O inspetor afirmou que antes do início da investigação não conhecia o CEO da Doyen, Nélio Lucas, ou mesmo o advogado Pedro Henriques, e que nunca encontrou evidências ao longo de um processo de que existisse um “conhecimento mais próximo” com alguém da PJ.
Sobre o ofício da PJ que foi encontrado na correspondência de Pedro Henriques, José Amador reiterou não ter qualquer responsabilidade nessa matéria.
“Não fui eu que fiz a entrega de nada. Essa situação é melhor ser delegada para a minha chefia imediata: Rogério Bravo”, referiu, acrescentando que “foi uma colaboração na medida do que, no prisma da polícia, era necessário” e que a PJ “não teve intervenção nenhuma na seleção do local” para o encontro entre Aníbal Pinto e a Doyen na área de serviço da autoestrada A5, em outubro de 2015.
José Amador vincou ainda que o principal interesse desse encontro “era chegar a Artem Lobuzov, porque essa era a figura que ninguém conhecia” na investigação, em alusão ao nome utilizado por Rui Pinto na troca de mensagens com Nélio Lucas nessa altura.
A sessão vai prosseguir durante a tarde de hoje com o início da audição de José São Bento, especialista adjunto da PJ.
Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a PJ e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
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