Foi vereador da câmara do Funchal durante oito anos, vice-presidente em 2012 e 2013, e nos últimos quatro vice-presidente do Governo Regional da Madeira, onde tinha o pelouro das Finanças.

Saiu da Madeira com 17 anos para ir estudar no continente, e entre Santarém e a capital acabou na  Universidade Nova de Lisboa (curso de Estatística e Gestão de Informação e depois uma pós-graduação em Gestão de Empresas).

Começou a trabalhar aos 19 anos: "A partir do terceiro ano da faculdade quem pagou as minhas coisas fui eu. Tornei-me financeiramente independente, mas assumi por conta e risco tudo aquilo que de bom e de mau se me apresentou", conta. Aos 22 anos trabalhava na KPMG. Esteve 12 anos no sector público e 17 anos no sector privado, passando pela banca, pelo ramo imobiliário e hoteleiro.

Toda a vida fez desporto, entre atletismo, andebol e vela, e nos últimas duas décadas dedicou-se ao desporto automóvel. 

Agora a corrida é outra, quer regressar à câmara do Funchal, desta vez como presidente. Acusa o executivo liderado por Miguel Silva Gouveia (coligação que em 2017 integrava o PS, BE, JPP, PDR e NC) de em quatro anos não ter feito qualquer investimento no concelho, "que está sujo e com mais criminalidade" - apesar disso, os números mostram que entre 2019 e 2020 os crimes registados pelas polícias no Funchal diminuíram de 3.387 para 2.889 (menos 14,7%).

Tem como prioridades a habitação e garante que se for eleito as primeiras medidas que tomará estão inseridas num programa de criação de emprego - entre 2009 e 2019 o número de empresas não financeiras no Funchal aumentou de 12.663 para 14.008, com a maior subida a registar-se a partir de 2013. 

No ano das últimas eleições autárquicas, o poder de compra dos funchalenses estava 14% acima da média nacional, mas foi entre 2009 e 2011 que essa distância mais se encurtou (em 2009 estava 33% acima da média nacional).

Entre 2011 e 2021 a população residente do Funchal teve um decréscimo de 5,3%, de acordo com o último Censos, para quase 106 mil habitantes.

A conversa com os dois principais candidatos à câmara do Funchal começou pela mesma pergunta: os custos da insularidade.

Como é que o Funchal sente os efeitos da insularidade?

Basta verificar que os únicos acessos que temos à Madeira são a via marítima e a via aérea e que, neste momento, para utilizar a via aérea, apesar de termos uma empresa pública como a TAP, que devia assegurar de outra forma os transportes públicos para a região, pagamos muitas vezes viagens superiores a 600 euros, mesmo tendo o subsídio social de mobilidade. O que é um balúrdio para quem tem de sair da região, já não digo só por motivos profissionais, mas temos quase 17 mil estudantes no ensino superior, e para eles e para as suas famílias, ou até para quem precisa de ter uma assistência médica fora, os custos são elevadíssimos.

Apesar e termos uma empresa pública como a TAP [...], pagamos muitas vezes viagens superiores a 600 euros, mesmo tendo o subsídio social de mobilidade

Falou também na via marítima...

Neste momento não existe serviço marítimo, o único transporte marítimo que existe é entre as ilhas, entre a Madeira e o Porto Santo. Entre a Madeira e o continente não há serviço marítimo prestado pelo Estado.

Mas já existiu um ferry. O que aconteceu?

Houve um serviço de ferry durante dois anos, mas foi a Região Autónoma que pagou os custos. Para doze viagens por ano - apenas nos meses de Verão, julho, agosto e setembro, a operação tinha um custo de 4 milhões de euros. Fazer uma operação estas sem o apoio do Estado português em termos e mobilidade e de continuidade territorial é impossível. É o Estado português que tem de manter o princípio da continuidade territorial em todo o território nacional. É importante que um residente no Algarve tenha meios de transporte para ir até Bragança, tal como um açoreano deve ter capacidade para se deslocar ao continente. E vice-versa. Ninguém pediu para nascer ilhéu, ninguém pediu para nascer nos Açores ou na Madeira, como não pediu para nascer no Algarve ou em Trás-os-Montes. Cabe ao Estado português utilizar os impostos de todos os portugueses para assegurar o princípio da continuidade territorial em todo o território nacional. O Estado espanhol, por exemplo, assegura e paga as comparticipações marítimas entre o continente espanhol e as ilhas (Canárias e outras). A continuidade territorial tem de ser uma realidade que não pode ser só o orçamento da Região Autónoma da Madeira a assegurar. 

Cabe ao Estado português utilizar os impostos de todos os portugueses para assegurar o princípio da continuidade territorial

Estava como vice-presidente do Governo Regional, alguma vez falou com o Governo da República sobre este assunto?

Estes temas são muito recorrentes. Na última campanha eleitoral para as legislativas, em 2019, o atual primeiro-ministro e secretário-geral do PS, Dr. António Costa, veio à Madeira prometer e anunciar um ferry com transporte público de passageiros entre o continente português e a Madeira. Disse até que já tinha uma doca pronta no porto de Lisboa para essa situação. Já estamos em 2021 e isso ainda não saiu do papel.

Na última campanha eleitoral para as legislativas o atual primeiro-ministro veio à Madeira prometer e anunciar um ferry [...]. Disse até que já tinha uma doca pronta no porto de Lisboa

Foi a pandemia ou é outro vírus?

Não, não foi a pandemia, este é um tema recorrente. É outro vírus.

Falando do Funchal, como é ficar em segundo lugar num território onde o PSD liderou durante tantos anos?

As últimas duas eleições autárquicas foram ganhas pelo PS em coligação com outros partidos, algo que não era habitual na Madeira e no Funchal. Julgo que em 2013 foi mais o PSD que perdeu as eleições do que a coligação que as ganhou, porque estávamos a sair de um período eleitoral interno muito quente, com a sucessão do Dr. Alberto João Jardim dentro do partido, um processo eleitoral interno muito duro depois de quase 40 anos de presidência. Ter eleições internas com seis candidatos dividiu muito o partido. O resultado das eleições autárquicas de 2013 foi reflexo dessa divisão interna.

Perguntas à queima-roupa a Pedro Calado

O que fazem ou faziam os seus pais?

O meu pai era empresário por conta própria, era dono de uma sapataria ou de duas sapatarias. A minha mãe era doméstica, teve a felicidade de cuidar dos filhos em casa.

Quem são os seus amigos?

Tenho muito amigos, essencialmente pessoas muito ligadas à actividade desportiva, que mantenho, a associações e entidades com quem trabalho hoje. Tenho alguns amigos de infância e da faculdade que ainda preservo, e com quem mantenho contacto diariamente, e tenho, naturalmente amigos provenientes da actividade profissional e política.

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

Sócrates.

Qual o seu maior medo?

Não conseguir satisfazer e resolver os problemas da população.

Qual o seu maior defeito?

Talvez ser teimoso.

Quem é a pessoa que mais admira?

O meu pai e a minha mãe.

Qual a sua maior qualidade?

Talvez a humildade.

Qual a maior extravagância que já fez?

Talvez alguma viagem que tenha feito, porque não uso relógios, não uso joias...

Qual a pior profissão do mundo?

A pior profissão do mundo é aquela que vive à conta dos outros e que vive dependente dos outros.

Se fosse um animal, que animal seria?

Gostava de ser um cavalo [ri].

Quem não merece uma segunda oportunidade?

Quem não é leal.

Em que ocasiões mente?

Não tenho por hábito mentir. Detesto mentiras.

Quem foi o melhor presidente de sempre da Câmara Municipal do Funchal?

Talvez Miguel Albuquerque.

Se fosse uma personagem de ficção, que personagem seria?

Não gosto muito de ficção científica.

Que traço de perfil obrigatório tem de ter alguém para trabalhar consigo?

Lealdade.

Qual o seu filme de eleição?

Gostei muito de um filme que vi já há muitos anos, "As Palavras Que Nunca Te Direi" [de Luis Mandoki]

O que o faz perder a cabeça?

A mentira e a falta de lealdade.

O que o deixa feliz?

O sucesso.

Um adjetivo para Paulo Cafôfo?

Superficial.

Como gostaria de ser lembrado?

Como um homem do povo.

Com quem nunca faria uma aliança?

Com aqueles que nunca aceitem trabalhar com lealdade pelo povo.

Descreva a última vez que se irritou.

Exatamente com mentiras e com falta de lealdade.

Tem uma comida de conforto ou de consolo? Qual?

Hmm, não. Isto muito e fruta e como muita fruta diariamente.

Se for eleito presidente da Câmara Municipal do Funchal, qual a sua primeira medida?

Iniciar o cumprimento das promessas que estamos a fazer, porque não há nada pior para a população do que ver os políticos terem poder e não concretizarem as promessas que fizeram.

A que político nunca compraria um carro em segunda mão?

A este [presidente], ao Miguel Gouveia.

Se pudesse ser congelado e acordar daqui a 100 anos, o que quereria saber?

Onde estaria a minha família, como estariam os meus filhos.

Mas depois vieram as autárquicas de 2017 e a diferença entre PS e PSD acentuou-se ainda mais.

Em 2017 houve um voto de confiança aos quatro anos anteriores do PS. Entretanto, Paulo Cafôfo saiu da câmara municipal para apresentar uma candidatura ao governo regional, que não ganhou. O PS não ter ganho as eleições regionais em 2019 já veio mostrar um certo cansaço do eleitorado, um desacreditar nas promessas feitas de 2013 até agora. Aquilo a que temos estado a assistir e que a população do Funchal nos tem transmitido é um certo desalento e um cansaço por o PS estar há oito anos na governação da câmara do Funchal e não existir praticamente investimento. Por isso estamos à espera de dar a volta nestas eleições de 2021 e retomar o papel autárquico no Funchal.

O PS não ter ganho as eleições regionais em 2019 já veio mostrar um certo cansaço do eleitorado

Paulo Cafôfo pode ter sido penalizado por ter abandonado o cargo para o qual foi eleito, como aconteceu, a outro nível, com Durão Barroso quando deixou o governo para ir para a Comissão Europeia?

Penso que esse foi um dos fatores. Quando as pessoas elegeram o presidente da câmara do Funchal em 2017 elegeram-no para um período de quatro anos. O facto de ter abandonado a câmara a meio do mandato para tentar a presidência do Governo Regional transmitiu que não estava preocupado com o Funchal, estava preocupado com o ato governativo da região. O Governo Regional da Madeira é hoje composto por uma coligação PSD-CDS. 

Pedro Calado e Miguel Albuquerque
créditos: © 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Disse que tem notado um descontentamento generalizado por causa da falta de investimento. Uma das coisa de que o atual presidente, Miguel Silva Gouveia, se queixa é exatamente de o governo regional não transferir para o Funchal as verbas habituais e limitar a capacidade financeira do município.

Isso é errado. Quem financia todos os municípios sem excepção, incluindo o do Funchal, é o Estado português. Grande parte do orçamento da câmara do Funchal é proveniente de verbas do Orçamento do Estado. Quem tem o relacionamento financeiro com os municípios é o Estado português, o Governo da República.

Mas Miguel Gouveia refere-se ao Governo Regional e à relação do Governo Regional com a câmara do Funchal.

O Governo Regional da Madeira só pode intervir na gestão da câmara do Funchal em termos financeiros se fizer contratos programa para a realização de determinada obra. Fui vereador de vice-presidente da câmara do Funchal durante oito anos e nos últimos quatro anos era vice-presidente do governo [regional] e tinha o pelouro das Finanças. Portanto, sei bem do que estou a falar em termos de matéria financeira e orçamental. O Governo Regional num só ano investe mais no concelho do Funchal, em termos de obras realizadas, do que todo o orçamento da câmara municipal durante oito anos seguidos. O orçamento da câmara do Funchal tem um valor superior a 100 milhões de euros por ano. Tem neste momento mais receitas do que tinha no passado e faz um terço do investimento realizado os anos anteriores.

O Governo Regional num só ano investe mais no concelho do Funchal, em termos de obras realizadas, do que todo o orçamento da câmara municipal durante oito anos seguidos

Em que se reflete a falta de investimento no concelho? 

A falta de investimento tem levado à rutura de serviços públicos essenciais. Vou dar-lhe um exemplo: nunca mais houve investimento a sério nas redes de água e saneamento básico nos últimos oito anos, o que leva a que todos os dias, mas todos os dias sem excepção, tenhamos problemas em todas as freguesias com ruturas na rede. A falta de manutenção das redes de saneamento básico leva a que haja contaminação das águas do mar por haver uma mistura das redes pluviais com as redes de esgotos. Não há manutenção das ETAR [Estações de Tratamento de Águas Residuais]. Outro exemplo: a falta de manutenção das estradas é evidente. Hoje, o trânsito no Funchal está caótico e a falta de limpeza das ruas é uma constante. A cidade do Funchal era conhecida como uma das mais limpas, ganhou muitos prémios a nível internacional pela limpeza, pela beleza das ruas. Hoje as ruas estão porcas, estão sujas, nota-se que não há manutenção como havia antigamente. Temos tido problemas grandes de delinquência na ruas, pessoas com problemas de álcool e drogas que pernoitam nas ruas do Funchal, uma imagem a que não estávamos habituados até 2013. A razão que nos levou a fazer esta candidatura é para acabar com estes problemas, que são grandes.

Hoje as ruas estão porcas, estão sujas, nota-se que não há manutenção como havia antigamente

Para onde vão os 100 milhões do orçamento da câmara do Funchal?

Cerca de 60% dessa verba tem sido utilizada para pagamento de despesas correntes, sobretudo salários. Em nossa opinião houve uma gestão danosa de empresas municipais. A Frente MarFunchal, que gere todos os complexos balneares do concelho do Funchal, teve de 2013 para a frente um crescimento muito acentuado do número de efetivos,  contratados não para a parte operacional, mas sim para dar algum conforto político aos partidos que estavam na câmara. Resultado, a empresa apresenta muito mais despesas do que receitas, ficou com a atividade reduzida a muito pouco. Faliu. E, pela primeira vez na história da Região Autónoma da Madeira, tivemos funcionários da Frente MarFunchal sem ordenados.

pela primeira vez na história da Região Autónoma da Madeira, tivemos funcionários da Frente MarFunchal sem ordenados

Falou de empresas. Que outras empresas municipais estão com problemas?

A Sociohabita, que é a empresa que hoje gere todo o parque habitacional da câmara do Funchal, tem um administrador, o presidente da empresa, que há mais de um ano recebe ordenado para não estar a trabalhar.

Está onde?

Está na sua atividade particular, não sei, anda algures pelo Funchal. Foi assumido por razões internas e processuais da câmara que o senhor não trabalharia na empresa, mas recebe o ordenado. A Sociohabita tem neste momento uma lista de espera de quase 4 mil pessoas para habitação social. Nos últimos oito anos construiu apenas 66 fogos, que é praticamente nada, e dá-se ao luxo de pagar ordenado ao presidente para ele não estar na empresa. Agora, nunca se viu tanta publicidade institucional e tanta propaganda como a que faz esta câmara, ou esta gestão PS, que é muito célere nas campanhas publicitárias e a fazer uma gestão, que considero danosa, de dinheiros públicos.

A Sociohabita tem neste momento uma lista de espera de quase 4 mil pessoas para habitação social

De que campanhas está a falar?

Não se pode andar a comprar as pessoas com ofertas de cabazes de compras e com subsídio-dependência, isso não faz crescer nenhuma cidade. Um ponto importante que temos no nosso programa é que não queremos subsídio-dependência, ao contrário do que o PS tem feito no concelho do Funchal, que é entregar, como se fez na Venezuela durante anos, ajudas de frigoríficos, de serviços de loiça, de cabazes de compras. Não queremos ir por aí, temos um programa social muito objetivo.

Qual será a política do PSD em matéria de apoios sociais?

Reforçar os apoios a quem precisa. Já existem apoios para pessoas carenciadas, para que quer trabalhar e não pode. Mas as famílias de rendimento médio, da classe média, que têm rendimentos baixos e que trabalham das sete ou das oito da manhã até às oito da noite, também têm de ter apoios sociais. E temos um programa a sério para elas. Não posso dar 680 euros a um desempregado e ter uma pessoa que trabalha das sete da manhã às oito da noite a receber um ordenado  de 700 euros, porque essa pessoas ainda por cima perde os benefícios sociais por não estar desempregada. Estas pessoa é que têm de ter apoios sociais, uma creche para os filhos, transporte gratuito, apoio na medicação. E não estamos a ver isso. Quem está a trabalhar recebe praticamente o mesmo do que aqueles que estão desempregados.

Não posso dar 680 euros a um desempregado e ter uma pessoa que trabalha das sete da manhã às oito da noite a receber um ordenado  de 700 euros, porque essa pessoas ainda por cima perde os benefícios sociais por não estar desempregada

Vamos então falar das principais linhas do seu programa, áreas e soluções.

Temos projetos em todas as áreas. Além de querermos reforçar muito esta componente social de que lhe falei, temos um projeto muito ambicioso na área da saúde, que é contribuir para dar assistência médica a toda a população, oferecendo uma teleconsulta de pediatria, de medicina interna, de medicina geral e familiar a todos os cidadãos. Queremos também dar um apoio aos jovens para incentivar uma ligação ao desporto, financiando todos os clubes com atividades amadoras de formação para jovens até aos 15 anos - esses clubes vão receber um apoio financeiro para poderem inscrever estes jovens. Vamos também atribuir bolsas de estudo a jovens carenciados que estejam na escola e não tenham possibilidade de progredir nos estudos - famílias de rendimentos baixos, mas em que haja aproveitamento escolar. Bolsas de estudo, de manutenção em cursos superiores, mas também mestrados ou doutoramentos. Queremos incentivar isso para essas pessoas terem postos de trabalho aqui na região.

Mas para isso é preciso que haja emprego. 

Vamos incentivar as empresas a criar postos de trabalho, dar um benefício fiscal às empresas que criem programas de trabalho para estes jovens. E também vamos ter uma campanha muito forte na área dos idosos, no sentido de combater o isolamento. Temos uma população muito envelhecida, que carece de muito apoio social, não só no acompanhamento diário, mas também no serviço de refeições, que queremos fazer com as juntas de freguesia, e que também poderão incluir alguma manutenção das casas, porque os idosos não têm capacidade para arranjar uma porta, um frigorífico ou um fogão que se avariou. Propomos apoio domiciliário através de cuidadores informais que possam cuidar dos idosos nas suas próprias residências em vez de terem de se deslocar aos hospitais ou centros e saúde.

No início da nossa conversa falou da necessidade de investimento em infraestruturas. Pode concretizar?

Temos e tratar muito dos transportes públicos, sobretudo nas Zonas Altas do Funchal, onde o transporte público não está adequado às necessidades da população. Temos de criar bolsas de estacionamento, porque construíram-se casas, construíram-se estradas, mas as pessoas não têm onde estacionar os seus automóveis. Mas temos outros projectos: na área da cultura estamos a propor fazer uma bienal de cultura para atrair jovens artistas, na música, na dança, no teatro. Precisamos de ter uma cidade em movimento e queremos através da cultura e da expressão plástica criar toda essa dinâmica. Na área ambiental, um tema que nos preocupa muito é a falta de água e o problema relacionados com as redes de esgotos. A causa animal é outra que queremos defender: queremos proporcionar, com entidades privadas, a construção de um crematório municipal, fazer um programa muito acentuado de esterilização de animais de formação e sensibilização dos mais jovens para os cuidados a ter com os animais; porque as crianças gostam muito dos animais quando eles são pequeninos, mas depois um dia crescem e há casas com dificuldade em manter os animais.

O PSD tem quatro vereadores (sem pelouro) na câmara. Deste rol de propostas alguma foi apresentada ao longo dos últimos quatro anos?

Houve inúmeras propostas destas que foram apresentadas durante o nosso mandato, o mandato do PSD, na câmara do Funchal. Muitas foram chumbadas, noutras houve abstenção. Mas posso dizer-lhe que 65% das propostas aprovadas em Assembleia Municipal do Funchal nunca foram concretizadas. Ou seja, temos um órgão de decisão da câmara, que é a Assembleia Municipal, que aprova projectos dos partidos, faz aprovar esses projectos por maioria, e depois a câmara não os executa.

Pedro Calado e Miguel Albuquerque
créditos: © 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Onde irá o PSD buscar dinheiro para todos os seus projetos, todas as medidas de apoio?

Devo dizer que enquanto vereador com o pelouro das Finanças, e estive lá oito anos, conheço bem a realidade da câmara, tínhamos orçamentos praticamente iguais aos que a câmara tem hoje, à volta de 100 milhões de euros. Investíamos por ano, do nosso orçamento, entre entre 20 e 30 milhões de euros. É verdade que constituímos dívida, mas saímos oito anos depois com um valor de dívida inferior ao que tínhamos quando entrámos. E não havia estes problemas sociais que temos hoje. Este executivo optou por reduzir o passivo bancário, a dívida que a câmara tinha às instituições financeiras, em vez de canalizar esse dinheiro para fazer o investimento público que era necessário nestas infraestruturas. Quem vai pagar a fatura de não ter havido esse investimento são os funchalenses. Neste momento a câmara tem em média mais de seis milhões por ano em receita do que quando lá estivemos. E neste momento cada funchalense está a contribuir para a câmara do Funchal com quase 160 euros por ano a mais do que contribuía até 2013. Acontece que o dinheiro tem sido canalizado para coisas erradas e situações que não são aquelas que defendemos.

neste momento cada funchalense está a contribuir para a câmara do Funchal com quase 160 euros por ano a mais do que contribuía até 2013

Como disse, o atual executivo pagou uma dívida bancárias de vários milhões... 

O mais grave é que por uma lado faz o abatimento da dívida bancária, mas por outro aumenta os valores em dívida com as empresas públicas. Por exemplo, neste momento deve um valor superior a 30 milhões de euros só pelo fornecimento de água à Águas e Resíduos da Madeira, que fornece água a todos os concelhos da região. E tem uma dívida de mais de 20 milhões com a empresas que fornece a electricidade. No balanço as contas estão melhor, mas nos últimos dois anos os orçamentos foram chumbados pela oposição exatamente por causa destas situações. A câmara tem quase 50 milhões de dívida para com duas instituições públicas e não reconhece essa dívida nas suas contas porque acha que não deve. As empresas já moveram processos judiciais contra a câmara, 50 processos já foram perdidos pela câmara municipal, o que a obrigou a entregar edifícios públicos como garantia e bom pagamento. Hipotecou edifícios como o quartel dos bombeiros ou o Palácio da Justiça, que é onde funcionam os tribunais.

Mas recorreu dessas decisões.

Recorreu para o Tribuna Constitucional, mas mais cedo ou mais tarde vai ser obrigada a reconhecer essa dívida. Com certeza, esse vai ser um ónus que vai recair sobre nós quando entrarmos para a direção da câmara. 

Se for assim, como irá resolver a questão?

O que a câmara tem de fazer é um acordo de dívida com estas entidades púbicas, fazer o escalonamento da dívida ao longo de cinco, dez ou quinze anos. Mas tem de chegar a um acordo. O que não pode é correr o risco de a entidade que fornece a água vir a cortar o fornecimento, ficando com o ónus da situação. E se há capacidade de endividamento da câmara, a câmara pode e deve fazer financiamentos, desde que o dinheiro seja bem utilizado, como na construção de infra-estruturas públicas essenciais à população. Não podemos ter pessoas sem ligação à rede de esgotos ou Zonas Altas em que a população ainda não tem rede de água potável no século XXI. 

Como classificaria a relação que existe entre o Governo Regional e o Governo da República?

É uma relação institucional. Em minha opinião, e tive essa experiência de quatro anos no Governo Regional da Madeira, julgo que deveria haver um relacionamento muito mais próximo do que aquele que existe entre o Governo da República e o Governo Regional. 

Isso acontece por serem governos de determinados partidos ou acontece independentemente dos partidos que estão no poder?

Julgo que passa muito pelas pessoas que estão à frente dos partidos e da ação governativa. Em minha opinião, se tivesse responsabilidades governativas num país e tivesse duas regiões autónomas, teria forçosamente dois ministros, um afecto a cada uma das regiões, ou teria um ministério que fizesse a ponte de forma constante entre as regiões autónomas e o território nacional, porque aquelas regiões fazem parte integrante do território nacional. O que acho inacreditável é que temos hoje um país a ser gerido globalmente e deixam-se duas regiões autónomas um pouco à sua mercê e à sua vontade, "eles que façam lá aquilo que têm a fazer". As regiões autónomas não vivem à conta do Orçamento do Estado, têm os seus orçamentos. As receitas de todo o IVA da Região Autónoma da Madeira vão todas para o Orçamento do Estado, para o continente português. Depois há uma participação per capita de 2,4% que vem do continente para o nosso orçamento.

emos hoje um país a ser gerido globalmente e deixam-se duas regiões autónomas um pouco à sua mercê e à sua vontade

O governo está a fazer a transferência da gestão de algumas áreas para os municípios. Como vê isso no Funchal?

Não estou a dizer que não se devem passar algumas responsabilidades para os municípios, pode fazer-se essa descentralização de poderes. Mas, ao fazê-la, tem de se fazer a descentralização financeira também. De nada serve dizer aos municípios "os senhores agora passam a ter a responsabilidade na área da educação", se depois não dotam esses municípios com a capacidade financeira para assumir essa responsabilidade. Tudo o que diz respeito à educação, à saude é feito com o orçamento da Região Autónoma da Madeira. Vou dar-lhe um exemplo: as forças de segurança pública que estão hoje na Madeira, PSP, GNR e outras, têm o ordenado pago pelo Orçamento do Estado, mas toda a comparticipação de saúde dessas pessoas é assegurada pelo orçamento da Região Autónoma da Madeira. E é este não acompanhamento da realidade que faz com que na prática tenhamos situações completamente desprovidas de sentido. 

Isso não é um pouco como os filhos que saem de casa mas depois continuam a levar a roupa para lavar e passar a casa dos pais, a ir buscar as refeições a casa dos pais?

Percebo isso, mas... Vou dar-lhe um exemplo, e é isso que temos estado a tentar lutar junto da Assembleia da República, que é o nosso programa de autonomia política, financeira e autonómica. Se não querem ter esse encargo com as regiões autónomas, então digam de uma vez por todas: "Os senhores ficam por vossa conta e risco. Nós, República Portuguesa, continente territorial, não queremos ter relacionamento financeiro com as regiões autónomas". E então dêem-nos a capacidade de fiscalmente e legislativamente podermos gerir as nossas coisas. Então eu fico com toda a receita do IVA ou se quiser reduzo os impostos como me apetecer. Vou criar condições para ter uma gestão independente. O Estado português não deixa fazer isto. Se amanhã quiser baixar os impostos na Região Autónoma da Madeira em mais de 30% em relação ao valor que existe no continente, o senhor governo da República diz: "Os senhores estão impedidos de fazer isso". O que não posso é ser filho de manhã e enteado à noite. 

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