Segundo o porta-voz da agência da ONU, James Eldere, a “ajuda que salva vidas” está a ser “obstruída” na Faixa de Gaza, pelo que é de lamentar que a ofensiva israelita tenha levado o enclave a “bater os recordes da humanidade nos seus capítulos mais negros”.
“Sejamos claros: a ajuda que salva vidas está a ser obstruída. Estão a perder-se vidas. A dignidade está a ser negada”, afirmou Eldere, após uma visita oficial a Gaza, no meio de alegações de que Israel está a restringir a prestação de apoio humanitário.
Entre 01 e 22 de março, um quarto das 40 missões de ajuda humanitária no norte de Gaza foi recusado”, afirmou Eldere, sublinhando que “a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) está agora impedida de entregar alimentos no norte”.
No entanto, “50% dos alimentos destinados ao norte foram entregues pela UNRWA”, disse Eldere, acrescentando que “a privação e o desespero forçado fazem com que as pessoas se sintam sem esperança”.
“As pessoas perguntam-se muitas vezes se ainda há esperança. Tudo aqui está nos extremos, e esta questão não é diferente”, referiu, antes de contar que vários adolescentes de Gaza entrevistados pela UNICEF “disseram que estão tão desesperados para que o pesadelo acabe que esperam ser mortos”.
A este respeito, afirmou que “o indizível é dito regularmente em Gaza”. “Desde raparigas adolescentes à espera de serem mortas, a dizerem que uma criança é o último sobrevivente de toda a sua família. Este horror já não é excecional aqui”, sublinhou.
“Como ouvimos ontem [segunda-feira]: o cessar-fogo tem de ser substancial, não simbólico. Os reféns têm de regressar a casa. A população de Gaza tem de poder viver”, explicou, referindo-se à decisão do Conselho de Segurança da ONU que apela a um cessar-fogo na Faixa de Gaza, apesar de Israel ter prosseguido hoje a ofensiva.
“Nos três meses entre as minhas visitas, todos os números horríveis aumentaram dramaticamente. Gaza bateu os recordes da humanidade nos seus capítulos mais negros. A humanidade tem agora de escrever urgentemente um capítulo diferente”, afirmou.
Eldere afirmou que a cidade de Rafah, no sul de Gaza, na fronteira com o Egito, “está irreconhecível devido à sobrelotação e às tendas nas esquinas das ruas e nos terrenos arenosos”.
“As pessoas estão a dormir nas ruas, em edifícios públicos, em qualquer outro espaço vazio disponível. De acordo com as normas mundiais para emergências humanitárias, uma casa de banho deve ser utilizada por um máximo de 20 pessoas. Em Rafah, há cerca de uma casa de banho para cada 850 pessoas”, afirmou.
“No que diz respeito aos duches, o número é quatro vezes superior: um duche para cada 3.600 pessoas. É um desrespeito infernal pelas necessidades humanas básicas e pela dignidade”, disse Eldere sobre a situação na cidade, que abriga mais de 1,5 milhão de pessoas, a grande maioria delas deslocadas de outras áreas da Faixa.
Nesta linha, indicou que as normas internacionais dizem que “cada pessoa precisa de 15 litros de água por dia, com um mínimo absoluto de três litros apenas para sobreviver”, antes de acrescentar que atualmente, em média, “os agregados familiares inquiridos têm acesso a menos de um litro de água potável por pessoa e por dia”.
Eldere criticou as “conversas intermináveis” sobre uma possível ofensiva militar em Rafah e sublinhou que “é uma cidade de crianças”. “600.000 crianças. Uma ofensiva militar em Rafah? Ofensiva é a palavra certa”, defendeu, lembrando que a cidade alberga “alguns dos últimos hospitais, abrigos, mercados e sistemas de água que restam na Faixa de Gaza”.
“A cidade vizinha de Khan Yunis também está irreconhecível, mas por uma razão diferente: já quase não existe. Nos meus 20 anos na ONU, nunca vi tal devastação”, sublinhou Eldere, pormenorizando que a cidade “não é mais do que caos e ruína, com escombros e detritos espalhados em todas as direções”.
“Aniquilação total. Ao percorrer aquelas ruas, fiquei impressionado com a perda”, disse, antes de referir que, durante a sua recente visita a Jabalia (norte), viu “dezenas de milhares de pessoas a aglomerarem-se nas ruas com as mãos na boca, um sinal universal de fome”.
Reiterou que, antes de entrar na Faixa de Gaza há uma semana, viu “centenas de camiões com ajuda humanitária vital à espera de chegar às pessoas que dela necessitam urgentemente, mas do lado errado da fronteira”. “Centenas de camiões das Nações Unidas e de organizações não-governamentais internacionais estão atualmente bloqueados à espera de entrar em Gaza”, lamentou.
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