No Tribunal de Guimarães, no início do julgamento em que, conjuntamente com outros quatro arguidos, responde por nove crimes de escravidão, a arguida disse que a acusação foi “forjada” e passou mais de duas horas a repetir expressões como “não aceito isso”, “não vi isso”, “não conheço”, não me lembro”, “é falso” e “não é verdade”.

No entanto, e apesar de jurar amar as noviças que se queixaram de maus-tratos, sempre adiantou que elas às vezes eram “porcas e mentirosas”, que não gostavam de trabalhar e não sabiam fazer nada. Chegou a referir-se a elas como “esse tipo de gente”. “Eu amava-as as todas e ainda as amo”, disse.

“Cheguei a dar umas chapadas e mais nada”, admitiu a arguida, referindo ainda que por vezes se poderia ter aborrecido ou zangado e, por isso, pediu “perdão”.

Em causa no processo está a Fraternidade Missionária de Cristo Jovem”, instalada num convento em Requião, Vila Nova de Famalicão.

Os arguidos são o padre fundador da instituição e três religiosas que asseguravam o funcionamento do convento e a educação e orientação vocacional das noviças que ali entravam para seguir uma vida de “entrega a Deus”. A instituição também é arguida. Respondem todos por nove crimes de escravidão.

Segundo a acusação, os arguidos resolveram angariar jovens para exercer todas as tarefas diárias exigidas para a conservação e manutenção das instalações da instituição e continuação da sua atividade, “sem qualquer contrapartida e mediante a implementação de um clima de terror”.

Para o efeito, acrescenta a acusação, coartaram-lhes qualquer capacidade de reação, utilizando-as como mera força de trabalho.

“Os arguidos tinham como alvo jovens de raízes humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas e com pretensões a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus”, refere ainda a acusação.

Os arguidos diriam às jovens que “tinham sido escolhidas por Deus, convencendo-as de que deviam seguir a vida religiosa”, e que, caso negassem as suas vocações, teriam castigos “divinos”, problemas familiares e mortes na família.

A acusação diz que, “pelo menos” de 5 de dezembro de 1985 até ao início de 2015, os arguidos sujeitaram as jovens, diariamente, a várias agressões físicas, injúrias, pressões psicológicas, tratamentos humilhantes, castigos e trabalhos pesados.

Tudo isto foi negado pela arguida hoje ouvida, que, no entanto, admitiu que o convento tem regras e que ali havia mesmo um chicote que as noviças poderiam usar para se autoflagelarem.

“Havia isso, se elas quisessem. Mas elas não o faziam porque não tinham a garra e a generosidade suficientes para isso, não eram capazes”, apontou.

Esta arguida acabaria por ser “expulsa” do convento, em novembro de 2015, depois de ter estalado a polémica de alegados maus-tratos.

“Mas eu amo a instituição, cá dentro arde”, referiu, sempre num discurso de grande fervor religioso, próprio de uma “temente a Deus”.

O padre arguido, de 89 anos, não compareceu em julgamento, por razões de saúde.

Há ainda duas arguidas, igualmente de idade avançada e que também eram responsáveis pela gestão do convento, que optaram por não prestar declarações.

A acusação sublinha que as arguidas, apesar de se apelidarem como “irmãs”, na realidade não são freiras, pois não têm votos tal como exigido pela Igreja Católica.

“Eu sinto-me consagrada, não sei o que a Igreja pensa de mim”, disse a arguida hoje ouvida.

O crime de escravidão é punível com uma pena entre 5 a 15 anos de prisão.

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