É raro o dia em que Graça Freitas não aparece na comunicação social desde o início, em março, da pandemia de covid-19 em Portugal. Tornou-se numa das principais protagonistas no combate a uma doença que já fez 3.181 mortes no país em 198.011 casos confirmados de infeção pelo vírus SARS-CoV-2.
Em entrevista à agência Lusa, a médica que sucedeu formalmente, em 2 de janeiro de 2018, a Francisco George na liderança da Direção-Geral da Saúde (onde já exercia o cargo interinamente desde o ano anterior e onde antes já tinha sido subdiretora-geral) confessou que levou “algum tempo” a ter a perceção do mediatismo que estava a ter.
“Levei algum tempo a ter essa perceção porque é tal o turbilhão em que nós vivemos - e os primeiros tempos foram de tal maneira intensos - que isso era mais uma tarefa, mais uma coisa e não havia tempo suficiente para ter a noção dessa exposição”, disse Graça Freitas, 63 anos.
Quando foi declarado o estado de emergência e os portugueses ficaram confinadas em casa isso não aconteceu na DGS: “Tínhamos a quarentena ao contrário, que era no local de trabalho”, recordou.
“Passávamos, 12, 14, 15 horas no local de trabalho. Eu não tinha a perceção exterior que era de facto uma pessoa que tinha entrado na vida dos outros para o bem e para o mal”, salientou a especialista em saúde pública.
Para Graça Freitas, “o primeiro momento de choque” chegou com o fim da “quarentena” e teve “uns extraordinários minutos livres” para ir à rua fazer a sua caminhada habitual.
“Percebi pela primeira vez que estava muito exposta e que tinha perdido o direito de ser uma cidadã anónima”, disse, recordando que o momento “foi tão perturbador” que voltou para casa.
“Andei 300, 400 metros e voltei para casa porque foi uma sensação estranha”, contou, ressalvando que não foi porque sentisse algum tipo de agressividade por parte das pessoas, antes pelo contrário, mas não estava “programada para esse nível de exposição”.
“Eu segui uma carreira discreta, não quer dizer que não aparecesse de vez em quando, mas era mais na retaguarda do que na frente. Mas essa foi a primeira fase e depois percebi que não há nada a fazer”, reconheceu a médica já lidou com várias situações de emergência de saúde pública.
O facto de se descrever como “muito pragmática” também a ajudou nesta tarefa: “Quando não há remédio remediado está. Tinha de ser. Era preciso fazer uma conferência de imprensa por dia, fazia-se”, acrescentando: “É nessa fase onde ainda estou”.
Mas a diretora-geral separa a exposição da intrusão: “Quando começamos a perceber que as pessoas estão de facto a emitir juízos de valor sobre nós próprios, aí nem sempre é fácil”, desabafou.
“Há pessoas que se vão preparando ao longo da vida para esse tipo de intrusão porque têm profissões de alta exposição, porque são políticos, são atores ou são figuras públicas, por opção e, portanto, essa questão da intrusão é complexa”, assumiu Graça Freitas.
Mas, mais uma vez, considerou, prevaleceu o que considera ter sido o pragmatismo, a resistência e a resiliência: “Se o meu trabalho implica falar com as pessoas faço o melhor que sei e que posso”, declarou, apesar de “pessoas que dizem mal” e umas “são justas” e outras “são injustas”.
“Obviamente, não gosto muito das injustiças, mas também dependem de onde vêm. Valorizo mais umas do que outras e de certa forma encaro isso como uma espécie de papel que me coube e que tenho de desempenhar”, sustentou, reforçando: “Há críticas que são “profundamente injustas e algumas mesmo maldosas”.
“Se calhar magoa mais uma injustiça pontual vinda de alguém que eu considero muito do que um padrão de repetição, a dizer as mesmas coisas, que eu tenho certeza que os próprios sabem que não correspondem exatamente à verdade”, disse, observando que a sua preocupação é que os colaboradores da DGS “não se deixem contagiar, nem desanimar por este tipo de críticas”.
Na avaliação de Graça Freitas, estão a fazer um “esforço enorme”, desde o dia 21 de janeiro, e nunca pararam, acrescentando: “Tenho a certeza absoluta do que estou a dizer, porque fizemos um trabalho sério, seríssimo, que merecia consideração por parte de algumas pessoas”.
“Em relação a mim, catalogando-os nesse espetro de que são maldosos, premeditados e que têm um objetivo, eu consigo arrumá-los numa caixa e pensar: não lhes dou mais valor do que exatamente este que tem e acabo por lidar bem com isso”, declarou,
Graça Freitas, a segunda mulher a ocupar o cargo de diretora-geral da Saúde em mais de um século, afirmou que ainda não teve tempo para pensar de que forma as gerações futuras vão analisar o seu trabalho, mas entretanto vai desvalorizando: “Tenho a noção de que vou ficar ligada à pandemia, mas daqui a dois, três, quatro anos teremos outra pandemia e outros atores”, rematou.
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