O estudo está a ser feito no âmbito do projeto Ecologias da Liberdade e que visa perceber as mudanças ambientais e sociais provocadas pela colonização e pela escravatura desde o século XVI até aos dias de hoje.
“Os historiadores sabem desde há muito tempo e já há cada vez mais arqueólogos a trabalhar sobre o tema do impacto ambiental das atividades modernas, quer no ambiente, como nos ecossistemas e de um modo geral sobre a sociedade e como aquela se relaciona com o ambiente”, disse à Lusa Rui Coelho, coordenador do projeto e professor da Durham University.
“Uma coisa menos estudada é o impacto que a escravidão teve sobre os ecossistemas, ou seja, de que forma a escravidão, o tráfico e transporte forçado de pessoas de toda a África impactou na natureza e de que forma é que esse impacto continua a ter importância nos dias de hoje”, explicou o também arqueólogo e investigador da Universidade de Lisboa.
Segundo Rui Coelho, cerca de 12 milhões de pessoas, num período muito curto, foram escravizadas e forçadas a sair do seu local de origem, sobretudo da África Ocidental e Central, para as Américas.
“Por exemplo, sabemos que no início do período moderno e até mais ou menos ao século XVIII existiu aquilo a que se chama a pequena idade do gelo. Foi um período da história em que as temperaturas mundiais eram relativamente mais baixas do que são hoje e isso tem sido explicado por alguns cientistas como estando ligado à prática de genocídios, de conquista e ocupação das Américas pelos europeus”, explicou.
Aquelas práticas, segundos alguns investigadores, provocaram uma redução da população e que as pessoas deixassem de trabalhar nos campos, gerir florestas e provocou um aumento do oxigénio, redução do carbono e arrefecimento do planeta.
“Podemos imaginar que aqui em África estava algo a acontecer muito parecido. A escravização de pessoas de uma forma crescente significa que houve um esvaziamento de grandes áreas aqui. Houve deslocamentos forçados de pessoas, que estavam envolvidas em conflitos, que eram obrigadas a fugir, que eram obrigadas a restabelecer-se em outros locais”, disse Rui Coelho.
Isso criou, segundo o arqueólogo, uma “grande rutura nos modos de vida dessas comunidades e seguramente terá tido algum impacto sobre o ambiente” e ainda hoje se está “a conhecer esse impacto”.
“Outra coisa que está também associada ao desenvolvimento da escravatura, como um grande projeto da modernidade, que mudou o mundo, é a cultura de algumas produções agrícolas, por exemplo, o arroz”, afirmou.
O professor disse que o arroz foi domesticado na Guiné-Bissau a um dado momento, mas que na época da colonização com o aumento do tráfico de pessoas a produção é muito importante e aumentou.
O arroz “permite alimentar esses grandes contingentes de população, que são transferidas através do Atlântico para outras partes do mundo e permite também a distribuição e circulação do cereal. Por isso, o arroz se tornou numa das grandes produções da África Ocidental e, particularmente aqui na Guiné-Bissau”, afirmou.
Para o professor, é muito importante tentar entender quando o arroz se tornou numa grande produção nesta região, se o aparecimento dessa grande produção está associado ou não ao início da colonização e à expansão do tráfico de pessoas escravizadas e como essa produção de arroz se foi transformando ao longo do tempo.
“Através das sondagens geoarqueológicas teremos, em princípio, a possibilidade de entender essas transformações e as formas como ficaram registadas nos sedimentos da praia e no ambiente. É uma contribuição desta região para o mundo que precisa de ser estudada com maior detalhe”, salientou.
O projeto Ecologias da Liberdade é financiado por várias instituições, nomeadamente a National Geographic Society, Rust Family Foundation, a Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do centro de arqueologia da Universidade de Lisboa.
O projeto é também apoiado pela Durham University e pela organização não-governamental guineense Ação para o Desenvolvimento, instituição promotora do Memorial da Escravatura, que foi feito no âmbito de uma parceria com o centro de arqueologia e centro de história da Universidade de Lisboa.
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