Há 30 anos que, em Vilar de Perdizes, o padre António Fontes dinamiza um palco onde todos são convidados a subir e onde se reúnem cientistas e investigadores, curandeiros, bruxos, videntes, médiuns, astrólogos, tarólogos, massagistas, curiosos e turistas. Foi precisamente esta junção entre o sagrado e o profano que deu mediatismo ao congresso.

“Vamos tornar a mexer com o tema para agitar as águas. Se não se fala de medicina popular a tradição esquece-se, a ervanária põe-se de lado e é um prejuízo para a nossa cultura tradicional. Faz-nos falta mexer e agitar as águas”, afirmou António Lourenço Fontes à agência Lusa.

A primeira edição do evento realizou-se em 1983, numa altura em que as tradições e a medicina popular antiga estavam a cair em desuso devido à concorrência ou oposição da medicina química ou moderna. “Tentamos divulgar a medicina popular para que os médicos também tivessem conhecimento da cultura local e não ridicularizassem ou desprezassem, mas a olhassem como complementar. Nem oposta, nem sobreposta, nem contraditória, mas complementar”, frisou o sacerdote.

O objetivo foi também mostrar ao povo que “nem tudo o que vinha da medicina química era ouro que luzia”.

O Congresso de Vilar de Perdizes, que começa hoje e decorre até domingo, está “aberto a toda a mentira e verdade”. “Mentira para que seja exposta e contradita e analisada para se evitar cair na ratoeira do charlatão, seja ele da área científica ou o domínio de poderes dos curandeiros, videntes, das pessoas que dizem ter poderes sobre os outros. Para que as pessoas fiquem a saber o que é um exorcista, um curandeiro, um vidente, um charlatão”, sublinhou.

Lurdes Silva esteve com o padre Fontes desde o início do congresso, e referiu que, por causa do mediatismo que teve, o “evento ganhou história e constituiu-se como o centro da dinamização cultural da aldeia”. “O protagonismo faz-se com a confusão. Há sempre confronto em relação a terapias, a ideias, que depois vão criar aquela energia de discussão”, afirmou. Salienta também que, ao longo destas três décadas, se cumpriu o objetivo de divulgar a medicina popular.

Nesta 30.ª edição vão realizar-se 30 palestras e há também 30 'stands'. As intervenções dividem-se em painéis subordinados aos temas “Medicina popular, ontem e hoje”, “Artes da cura”, “As plantas e a medicina popular”, “Medicinas complementares”, “Medicina popular nos dias de hoje” e “Alimentação e o saber popular”.

António Fontes contribui para a discussão ao falar sobre as “Plantas medicinais da bíblia”, como a oliveira, a figueira, a arruda ou o tomilho.

O programa do certame contempla ainda uma exposição sobre plantas medicinais, um ‘workshop’ sobre “Chás com ciência”, a Confraria das Urtigas vai falar sobre as potencialidades destas plantas, há ainda apresentação de livros e uma caminhada noturna com “bruxas à solta nos campos, sustos de contrabando e bebidas espirituosas”.

Um “motor de progresso” em Montalegre

O congresso quis dar a conhecer “o valor da medicina popular e o poder das plantas para combater doenças”, mas, para além desse objetivo, tornou-se também numa oportunidade de negócio para a hotelaria, restauração, comércio e uma atração turística deste município do distrito de Vila Real.

“O padre Fontes é a alma de tudo isto, é o pai do congresso”, afirmou hoje à agência Lusa o presidente da Câmara de Montalegre, Orlando Alves, frisando que “o congresso é motor de desenvolvimento, é motor de progresso”.

Para o autarca, o evento “representa muito” para o concelho, porque atrai “milhares de pessoas” nos dias em que se realiza, mas também “pelas dinâmicas subsequentes” que ocorrem ao longo de todo o ano. “São milhares de pessoas que lhe batem à porta e há gente que aqui dorme, que se alimenta no território e que dá vida às ruas desta localidade”, frisou o presidente.

O presidente da Câmara de Montalegre classificou ainda este congresso como o “pai e a mãe das sextas-feiras 13”, um evento que atrai milhares de pessoas ao concelho. Montalegre soube aproveitar “esta âncora” e implementou outras iniciativas como a Feira do Fumeiro, que tem também hoje uma forte projeção mediática.

“Há 30 anos havia no concelho duas ou três pensões, com capacidade para 20 ou 30 pessoas, hoje há uma capacidade instalada de 400 camas, muito turismo rural, qualificado e com taxas de ocupação muito simpáticas”, frisou Orlando Alves. Nestas últimas décadas, abriram também vários restaurantes e espaços comerciais espalhadas pelo concelho e há novos projetos em curso.

Ana Martins tem um restaurante no centro de Vilar de Perdizes e disse à Lusa que, após o arranque do congresso, a localidade “começou a ser conhecida” e “começaram a chegar mais pessoas”. “Ajuda a atrair visitantes mesmo após os dias em que decorre o evento. Ao longo dos anos foi uma mais-valia para o comércio e para a freguesia. Foi o congresso quem nos deu o nome”, afirmou a proprietária.

Desde 1983, ano em que decorreu a primeira edição, que a iniciativa ajudou também a criar pequenos negócios para as gentes da aldeia. Há quem venda chás, bálsamos, arruda para a inveja e ainda compotas e bolinhos de coco e castanha.

O evento continua a girar em torno da figura do padre Fontes, mas a organização está agora a cargo da Associação de Defesa do Património de Vilar de Perdizes, que conta com o apoio da Câmara Municipal.

Paralelamente ao congresso, decorre uma feira de produtos locais, desde o artesanato aos produtos agrícolas, compotas ou as mais diversas ervas e chás de plantas recolhidas nas serras e vales do Barroso.