As eleições de 1980 marcam uma era: o fim dos militares na Presidência da República. Se neste ano ainda houve espaço para os mesmos, foi a partir daqui que se começou a ver refletida uma gradual saída de cena dos homens do 25 de abril.

Neste ano havia já a indefinição entre os portugueses, se um presidente civil ou a continuação do dogma de uma liderança militar. Apesar de se viver já em democracia, a verdade é que na altura era ainda quase impensável que os candidatos presidenciais não fossem militares, depois do que acontecera seis anos antes. Aliás, neste sufrágio foram seis os candidatos e apenas um civil, que recebeu apenas 12 mil votos. Era uma vida democrática, mas ainda próxima ao 25 de Abril de 1974 e, obviamente, a tudo o que era a realidade social e política dessa altura.

Em 1976, altura das primeiras presidenciais democráticas, o cenário foi semelhante, com três militares na corrida. Além de Eanes juntaram-se os candidatos Otelo, o grande operacional do 25 de Abril, e o Almirante Pinheiro de Azevedo, que já tinha sido primeiro-ministro. Uma democracia militar, portanto, a que se viveu nos primeiros anos após a conhecia revolução dos cravos.

Em 1980, o duelo principal foi entre Ramalho Eanes e Soares Carneiro, o primeiro confronto total entre esquerdas e direitas no topo do estado democrático em Portugal. As direitas viraram-se contra Eanes, ao contrário de 1976, e apoiavam outro para o seu lugar.

Ainda assim, para estas presidenciais, o grande e principal candidato continuava a ser o homem que liderava o país desde 1976, Ramalho Eanes, que tentava garantir nova reeleição. Desta feita, contudo, num cenário completamente diferente daquele de quatro anos passados, quando foi apoiado por PS, PSD, CDS e PPM.

Desta feita, o general viu, primeiro, o PSD, o CDS e o PPM escolherem outro candidato que iriam apoiar nestas presidenciais, mas mais que isso viu o líder do PS, Mário Soares, opor-se à sua candidatura, a menos de dois meses do sufrágio.

Eanes estava em 'guerra' com Mário Soares, a quem acusava de uma ligação próxima com Sá Carneiro e a Aliança Democrática (AD) e também ele não queria ver o seu nome próximo da Frente Republicana e Socialista (FRS) que tinha perdido as legislativas para a AD, com Mário Soares a ser o grande derrotado.

"[Eanes] era uma solução de facilidade: apesar de tudo, Eanes tinha força, era Presidente da República, eleitoralmente conhecido e popular em certas áreas e, sobretudo, beneficiava do prestígio que lhe conferia a função", disse posteriormente Mário Soares, confessando também que chegou a sugerir outros nomes ao PS: "A verdade é que não se improvisam candidatos.".

Acabou por ter o apoio dos socialistas, e do PCP, mas só depois de Mário Soares ter suspenso o seu cargo de líder do partido até às eleições. Ainda assim, as sondagens sempre o colocaram como o claro favorito.

Já o eleito então pela Aliança Democrática para tentar destronar Eanes foi o general Soares Carneiro, uma escolha pessoal do então primeiro-ministro Sá Carneiro, que tinha garantido meses antes a maioria nas eleições legislativas e sonhava com um lema, nomeadamente o de “um presidente, uma maioria e um governo”. Muitos dizem, no entanto, que Soares Carneiro não foi uma primeira escolha quer de Sá Carneiro quer da AD, mas a grande maioria dos generais que foram auscultados terá recusado fazer frente a Ramalho Eanes.

E se o presidente em ato na altura teve de lidar com a polémica em torno de Mário Soares, durante a campanha, também Soares Carneiro teve de lidar com uma. Em vésperas de eleições, o semanário O Jornal revelou que Soares Carneiro tinha, enquanto secretário-geral do governo-geral de Angola, em 1973, ordenado o internamento de três angolanos no campo de concentração de São Nicolau, por ordem da então Direção-Geral de Segurança (sucessora da PIDE), o que Soares Carneiro justificou com o cumprimento da legislação em vigor à data.

Mas nem esta polémica fez com que Sá Carneiro se afastasse do seu candidato. Vivia-se a tal democracia militar, algo que o primeiro-ministro queria acabar, queria o fim da tutela militar do poder político, exercida pelo Conselho da Revolução, cuja extinção também defendia. Escolheu, ainda assim, um militar para fazer face a Ramalho Eanes, mas escolheu Soares Carneiro com a ideia de que este seguisse o que o primeiro-ministro desejava. Um caminho mais civil do que propriamente militar.

“O General Eanes faz a política que convém ao Partido Comunista, uma política que implica a inexistência de maiorias estáveis, uma política de luta contra a AD, uma política de prolongamento do poder político militar”, disse Sá Carneiro na altura.

Tinha ganho duas maiorias absolutas em menos de um ano e queria alguém do seu lado no cargo de Presidente da República. A sua inimizade com Ramalho Eanes fez mesmo com que Sá Carneiro tenha referido que se demitiria do cargo de primeiro-ministro se Eanes voltasse a vencer as presidenciais. O líder do executivo sabia que Ramalho Eanes era um candidato muito forte, as sondagens apontavam todas no sentido deste ser reeleito, e tentou até ao fim que os portugueses apoiassem o seu candidato, daí que numa decisão de última hora tenha decidido viajar até ao Porto para participar numa ação de campanha de Soares Carneiro, a 4 de dezembro de 1980. Essa viagem foi fatal, com a queda do avião que mataria o primeiro-ministro.

Apesar das manifestações do povo a favor da alteração das eleições, a data, 7 de dezembro, manteve-se inalterada. Muitos pensaram também que a morte de Sá Carneiro conseguisse inverter a tendência para a vitória de Eanes e levasse, pelo menos, à realização de uma segunda volta, mas tal não viria a suceder, tendo o presidente em exercício sido reeleito para um segundo mandato com 56% dos votos contra 40% conquistados por Soares Carneiro.

Ramalho Eanes, o primeiro e único militar que foi presidente pós 25 de abril

Ramalho Eanes vota nas eleições de 1976 (?) - a LUSA não indica a data... mas deve ser
Ramalho Eanes vota nas eleições de 1976 (?) - a LUSA não indica a data... mas deve ser

António Ramalho Eanes nasceu em Alcains, concelho de Castelo Branco, a 25 de Janeiro de 1935. Frequentou o Liceu antes de ingressar na Escola do Exército em 1953.

Militar de carreira, António Ramalho Eanes serviu em missões em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Índia e Macau. Após a revolução é nomeado diretor de programas e presidente do Conselho de Administração da RTP, cargo que desempenha até março de 1975.

Na sequência do Verão de 1975, Ramalho Eanes cooperou com o Grupo dos Nove, encabeçado por Ernesto Melo Antunes, e participou ativamente no 25 de Novembro, despontando para a carreira política. Nesse ano foi nomeado chefe do Estado-Maior do Exército e graduado em General.

Em 14 de Maio de 1976 anunciou a candidatura à Presidência da República, depois de ter sido escolhido e apoiado pelo Conselho da Revolução, as primeiras eleições democráticas após a revolução de 1974. Alcançou quase 62 por cento dos votos, numa eleição em que concorreram também Otelo Saraiva de Carvalho, Pinheiro de Azevedo e Octávio Pato.

Este seu primeiro mandato ficou marcado pela questão militar. Enquanto Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) e presidente do Conselho da Revolução, uma das suas principais preocupações recairá sobre a reestruturação das Forças Armadas, no sentido do restabelecimento da hierarquia tradicional de comando. Seria, assim, decisivo o seu papel para o regresso pacífico e progressivo dos militares aos quartéis, após o protagonismo que haviam tido na Revolução de 25 de Abril.

Foi reeleito em 1980, tornando-se uma personalidade central do processo de consolidação da democracia portuguesa.

Soares Carneiro, um dos fundadores dos comandos

Soares Carneiro
Soares Carneiro créditos: Lusa

O General António da Silva Osório Soares Carneiro nasceu em 25 de janeiro de 1928, na freguesia de Custóias, concelho de Matosinhos, no Porto. Em 1947 alistou-se no Exército, onde fez carreira.

A carreira militar do General está intimamente associada à criação e afirmação das tropas Comando, como uma força operacional do Exército, tendo recebido louvores significativos, foi agraciado com condecorações nacionais e estrangeiras. Das primeiras merecem destaque a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor Lealdade e Mérito, Medalha de Ouro de Serviços Distintos, Medalha de Mérito Militar de 1.ª classe, grau de Oficial da Ordem Militar de Avis, medalha militar de ouro de Comportamento Exemplar, Medalha Comemorativa das Expedições do Norte de Angola e Medalha Comemorativa das Campanhas de Angola. Das condecorações estrangeiras, referem-se Grande Oficialato da Ordem Nacional de Mérito de França, Grã-Cruz de Mérito Militar de Espanha, Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul do Brasil, e Grã-Cruz da Ordem de Mérito de Segurança Nacional da Coreia do Sul.

Apesar de se ter destacado no ramo militar, foram muitos os que duvidaram da escolha de Sá Carneiro, dado que o general era visto, sim, como um militar perfeito, mas um político pouco hábil e demasiado discreto, o oposto de Sá Carneiro, dizia quem o conhecia.

Após a derrota nas presidenciais voltou então à sua discrição habitual. Só em 1989 voltaria à ribalta, com o então primeiro-ministro Cavaco Silva a nomeá-lo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, cargo que exerceu até 1994.