Embora os veículos elétricos sejam considerados nova tecnologia, a verdade é que a sua história recua até 1828, quando o húngaro Ányos Jedlik construiu o primeiro projeto de motor elétrico. E há dados que comprovam que em muitos países, como nos EUA, a frota automóvel de carros elétricos chegou a ser de quase 40%, no século XIX. A combustão, contudo, acabou por vencer esta 'guerra'. Tudo por causa dos negócios do petróleo, dizem os especialistas.
No nosso país, há uma década que essa 'nova tecnologia' começou a surgir numa escala maior. A aposta mais séria, dos portugueses, contudo, só se tem visto nos últimos anos. Neste momento, a percentagem de automóveis elétricos é de 0,8% e os motores a diesel ainda dominam, com 59,1% do total em circulação. Números ainda reduzidos, mas a verdade é que nos últimos dois anos, o crescimento deste tipo de veículos foi de 149%, passando dos 8.137 vendidos até 31 de dezembro de 2020 para os 20.230 em 31 de dezembro de 2022.
Como se explica então esta mudança? Os entendidos dizem que é um conjunto de fatores, mas a fatura mensal será a principal razão.
“Embora o custo inicial de aquisição seja, de facto, mais elevado, contudo, são vários os estudos e comparações que comprovam a poupança efetiva no TCO (Total Cost of Operation) de um veículo elétrico, desde o momento de aquisição, impostos, passando pelo uso, até à revenda/abate”, salienta ao SAPO24 a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), que dá depois alguns exemplos de poupanças com este tipo de aquisição.
“Atualmente, o preço de compra de um veículo 100% elétrico ligeiro de passageiro em Portugal começa a partir dos 20 mil euros [Dacia Spring], mas os veículos 100% elétricos beneficiam de vários descontos e isenções que ajudam a abater no valor inicial de compra, por exemplo, são isentos de IUC (imposto Único de Circulação) e ISV (Imposto Sobre Veículos), tal como são elegíveis para descontos e isenções de estacionamento em várias cidades portuguesas (por exemplo, em Lisboa, com o Selo Verde da Emel, no valor de 12€/ano, podem estacionar no lugares de estacionamento Emel na via publica); depois, quando se trata de vender um veículo 100% elétrico usado, a desvalorização do mesmo é substancialmente menor em relação aos veículos com motor de combustão interna, o que permite recuperar parcialmente o investimento inicial da compra”, salientou a Associação.
Pelo passado recente, os portugueses parecem não ter dúvidas que os elétricos serão o futuro, dada esta mudança de mentalidade, a que ajudou também, certamente, e recentemente, o aumento do custo de vida. O preço deste tipo de veículos, contudo, foram sempre o principal entrave para o bolso das pessoas. Mas esse pormenor também estará a mudar.
“Existe, sem dúvida, falta de oferta de veículos elétricos nas gamas de entrada: é possível comprar um utilitário a gasolina por 13 mil euros, não há equivalente elétrico, é um facto. No entanto, o preço dos veículos em termos de custo vs autonomia/capacidade da bateria, tem vindo a diminuir de forma evidente e continua a cair: há poucos anos 35 mil euros não compravam mais de 150km de autonomia, atualmente pelo mesmo valor compra-se o dobro da autonomia ou mais”, refere ao SAPO24 a Associação para a Modernização da Mobilidade Elétrica (AMME), deixando alguns reparos, ainda assim.
“Não temos dados sobre quais os modelos mais vendidos em Portugal por patamares de custo, mas a realidade mostra que o crescimento das vendas é exponencial, mesmo quando a maioria dos construtores ainda limitam a produção destes de forma clara: qualquer veículo elétrico tem muito tempo de espera em Portugal para entrega, se mais unidades estivessem disponíveis mais seriam vendidas. Nas gamas média e alta a paridade de custo já foi atingida e é seguro afirmar que há vários modelos elétricos que se apresentam como propostas mais racionais, até mesmo mais económicas, que boa parte das alternativas a combustão”, dizem.
A quota média de ligeiros de passageiros 100% elétricos, na totalidade do parque circulante na União Europeia, cifra-se nos 0.8%. Portugal encontra-se bem classificado no 10º lugar em 27 países da União Europeia com os mesmos 0.8%
Recentemente, o ISEG realizou um estudo que sugere que em 2025, em Portugal, o número de automóveis totalmente elétricos deverá superar os 150 mil, o que corresponderia a 2,7% do parque automóvel nacional. E esses até poderiam ser superiores, mais apoios houvessem.
“Os incentivos têm um papel fundamental na adoção de veículos elétricos. Só apoiar a rede ou só apoiar a compra não nos parece lógico, ambos dependem um do outro. No entanto, consideramos que a forma como os apoios à compra estão colocados atualmente não é a mais correta”, refere a AMME, dando exemplos de medidas que deveriam ser colocadas em prática.
“Reduzir ou eliminar a isenção do IVA para empresas, uma vez que é um critério discriminatório e de justiça fiscal incompreensível ao dar maiores apoios a viaturas mais caras; em vez disso, atribuição de apoios por patamares que decrescem nos veículos mais caros; eliminar as diferenças entre os apoios para empresas e particulares, em linha com o que é feito na generalidade dos países europeus; considerar apoios à compra de veículos usados, uma vez que serão estes os que mais facilmente podem ser adquiridos por pessoas com menor capacidade económica”, afirmam.
O dilema dos postos de carregamento
A autonomia (além do preço) começou por ser o grande problema dos veículos elétricos, mas à medida que estes carros foram ganhando admiradores surgiu um outro: onde os carregar? Em casa, claro, mas era preciso mais. E surgiram, de facto, mais. Inicialmente de borla e há uns anos começou a ser pago. E aqui começaram ainda mais problemas.
"Considerar apoios à compra de veículos usados, uma vez que serão estes os que mais facilmente podem ser adquiridos por pessoas com menor capacidade económica"AMME
Antes dos tais problemas, a boa notícia é que os postos têm crescido. “A estatística demonstra que o crescimento da rede pública acompanha a tendência da venda de veículos elétricos. Como noutros domínios há uma clara diferença na densidade de postos entre os grandes centros e fora destes, mas a rede está a crescer”, diz a AMME, que logo depois toca na 'atual ferida' destes postos.
“O grande problema, na nossa opinião, é a complexidade quer na operação quer na utilização dos postos ligados à rede Mobi.E. O preço não é transparente para o utilizador por ser composto por várias parcelas, dos vários intervenientes, o que dificulta ao utilizador saber previamente e sem calculadora o preço do kWh”, referem, dando depois exemplos do que um utilizador experiente pode beneficiar face a um que 'entrou' agora neste mundo.
“O modelo da rede pública potencia que utilizadores mais experientes e informados possam utilizar o mesmo recurso a preços muito melhores do que utilizadores menos experientes, uma clara discriminação: apenas o custo de operação do posto (OPC) é obrigatório estar afixado no posto e, não menos relevante, este valor é afixado sem IVA. Isto significa que utilizadores menos experientes ou informados pensam que o custo do carregamento é o que veem afixado no posto, para depois serem surpreendidos com valores muito mais elevados”, salientam num rol de críticas que não ficam por aqui.
“A enorme variação dos custos de energia nos vários Comercializadores de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME) aliada ao desconhecimento, tanto da existência de comercializadores alternativos como do próprio funcionamento do pagamento na rede pública, traduz-se num claro domínio do CEME mais caro do mercado. Não existe qualquer informação nos postos de carregamento (ou em qualquer outro lugar que não sites e redes sociais dedicados à Mobilidade Elétrica) sobre o modo de funcionamento da rede pública de carregamento, pelo que o facto de os postos não terem o preço final afixado antes do carregamento ser iniciado é um convite a esta discriminação entre utilizadores mais e menos informados. Esta discriminação é, na nossa opinião, inaceitável e não acontece em mais nenhum país Europeu”, concluem.
À espera do fim da combustão
Há muito que se fala sobre o fim dos veículos de combustão. E já este ano, em fevereiro, o Parlamento Europeu aprovou formalmente a lei que proíbe a venda de carros novos ligeiros de passageiros e de mercadorias a gasolina ou a gasóleo na União Europeia a partir de 2035. O fim, esse, contudo, deixa ainda algumas dúvidas.
A UVE lançou uma Petição Pública em que convoca Portugal a comprometer-se a pôr fim às vendas de veículos convencionais com motor de combustão interna, a partir de 2030
“O fim dos veículos a combustão será ditado pela evolução tecnológica dos combustíveis alternativos, mas objetivamente o "fim dos veículos a combustão" de forma absoluta não é algo que se possa afirmar estar para breve. A União Europeia acordou finalmente a proibição das vendas de veículos ligeiros de passageiros novos a partir de 2035, o que nos parece totalmente acertado (eventualmente até algo tardio), mas as restantes categorias ainda terão um caminho a percorrer antes de terem alternativas electrificadas totalmente viáveis”, diz a AMME.
Portugal terá de cumprir as regras, mas há também quem pense que o nosso país possa até antecipar-se. “Acreditamos que, com a provação formal desta legislação, será possível terminar efetivamente a venda de veículos novos ligeiros nos próximos 10 anos na União Europeia. Adicionalmente a esta decisão, a UVE acredita que é possível ir mais longe, por isso lançou uma Petição Pública em que convoca Portugal a comprometer-se a pôr fim às vendas de veículos convencionais com motor de combustão interna, a partir de 2030”, dizem, explicitando depois a proposta.
“Apelamos à adoção de restrições de vendas de novos veículos ligeiros em duas fases de forma a que, a partir de 2030, apenas seja permitida a venda de veículos 100% elétricos e híbridos plug-in e, a partir de 2035, apenas seja permitida a venda de veículos 100% elétricos. As metas que propomos são totalmente alcançáveis. Os fabricantes automóveis já estão a investir largamente na produção de veículos elétricos, existindo uma grande disponibilidade e diversidade da oferta – com maior autonomia, mais velocidade de carregamento rápido e melhor desempenho. Muitas marcas já se comprometeram, inclusive, a abandonar as vendas de veículos com motor de combustão interna e passar a vender exclusivamente veículos 100% elétricos, mesmo antes de 2035 – como é o caso da Smart, Audi, Ford, Honda, Renault, Volvo, etc”, salientam.
Dez anos antes do limite imposto pelo Parlamento Europeu, Portugal irá produzir os primeiros carros 100% elétricos, como foi confirmado já este mês. A fábrica da Stellantis, em Mangualde, vai ficar encarregue da produções das versões elétricas dos modelos Peugeot e-Partner, Citroen e-Berlingo, Opel e-Combo e Fiat e-Doblò, já a partir de 2025, anunciou a empresa no início deste mês. Mais um passo, então, que Portugal está a dar no 'mundo verde', e quem sabe com menos carros nas estradas.
"Embora os benefícios financeiros dos veículos 100% elétricos estejam comprovados, o uso de um veículo ligeiro de passageiros, como meio de transporte pessoal, será gradualmente abandonado pelas gerações mais novas, privilegiando cada vez mais o uso de veículos partilhados, transportes coletivos e veículos de mobilidade suave, todos eles meios de transporte elétricos ou eletrificados, como forma de colmatar a falta de espaço de circulação nas cidades e contribuir na diminuição da poluição sonora e atmosférica nos meios urbanos e grandes cidades", refere a UVE.
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