Em comunicado, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) afirmou que os esclarecimentos obtidos na reunião, pedida para obter informações sobre os projetos externos autorizados pelo Ministério da Educação (ME) a decorrer nas escolas, não só “não dissiparam” as preocupações dos sindicatos sobre a matéria, “como as aumentaram”, nomeadamente no que diz respeito à presença da empresa ‘Teach for Portugal’ (TFP).
“Confirmou-se que, tal como acontece em outros países onde se instalaram delegações da multinacional Teach for All (TFA), também a TFP, além da colocação de jovens em salas de aula, pretendia poder vir a ser entidade “formadora” de docentes. É claro que o quadro legal nacional não o permite, pois impõe perfis de formação e habilitações profissionais que não se compaginam com cursos de Verão de cinco a sete semanas, mas a verdade é que a organização mantém a designação ‘Teach’”, refere a Fenprof.
Para a federação, “os perigos são evidentes, pois o contexto em Portugal é semelhante ao que permitiu, noutros países, que alguns dos jovens da TFA se transformassem em ‘docentes’, apesar de não terem obtido a qualificação estabelecida: a crescente falta de docentes e o desinvestimento dos governos na profissão de professor, não apostando na sua formação e não a tornando atrativa para os jovens”.
No final de setembro a Fenprof acusou o ME de estar a aceitar a substituição de professores nas escolas por jovens sem qualificação para lecionar, mas a tutela negou.
A Fenprof solicitou, na altura, ao ME esclarecimentos “com caráter de urgência” sobre a entrada nas escolas portuguesas da organização TFP, o “tentáculo nacional” da multinacional TFA, uma organização “que funciona em modo ‘franchising’ e em grupo fechado” e que a partir da organização inicial, a norte-americana ‘Teach for America’, se alargou a vários países europeus, “funcionando em rede”.
O objetivo da organização original era o de recrutar diplomados, jovens em início de carreira, para “trabalhar nas áreas de maior complexidade social onde, alegadamente, seria mais difícil recrutar professores devidamente qualificados”, refere a estrutura sindical, que acrescenta que a formação para lecionar seria dada de forma intensiva, em poucas semanas, sendo a maioria do treino adquirido no decurso do exercício da lecionação.
A Fenprof, que cita os documentos disponíveis no ‘site’ da organização, refere que em Portugal decorreu uma formação de cinco semanas ao abrigo de “um designado Instituto de Verão”, que acolheu 18 jovens, acompanhados no processo por tutores que vieram de outros ramos europeus da multinacional, como sejam os da Bulgária ou de Espanha.
Para os sindicatos, o que está em causa é a substituição no ensino de professores por pessoas sem a qualificação legal para ensinar, “fáceis de explorar”.
Em resposta enviada à Fenprof, e também à Lusa, o ME confirmou na altura a presença da organização em algumas escolas, sem precisar quantas, mas negou que se trate de atividade docente e adiantou que se tal se viesse a confirmar a Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) seria chamada a atuar.
Confirmou também que se encontra a analisar uma proposta da ‘Teach for Portugal’ para assinatura de um memorando de entendimento, ainda que sem especificar o que é proposto nesse documento.
A Fenprof não faz qualquer referência a este memorando no comunicado sobre a reunião com a DGE, mas adianta que os serviços do ME não souberam esclarecer o que fazem exatamente nas salas de aula os jovens colocados “em escolas públicas, até agora todos no norte do país”, tendo remetido esclarecimentos para as direções das escolas e para a sua autonomia.
Segundo os responsáveis da DGE, refere a Fenprof, em cada escola deveria existir um protocolo a regular a presença e atividade destes jovens, “todavia, não se conhece nenhum”; os diretores serão chamados a assumir responsabilidades “se alguma coisa correr mal” nas escolas, “pois foi no quadro da sua autonomia que a TFP entrou”; e desconhece-se se foram exigidos os mesmos documentos exigidos aos professores, como o registo criminal.
A DGE acompanha oito projetos externos nas escolas, patrocinados por empresas e entidades como a Fundação Aga Khan, a Fundação Altice, a Galp, a Microsoft ou o Santander, entre outras, mas “revelou desconhecer por completo os projetos apresentados publicamente pela Fundação Teresa e Francisco Soares dos Santos, enquadrados na designada Iniciativa Educação e coordenados pelo ex-ministro Nuno Crato”.
Com uma verba de 20 milhões de euros, a Iniciativa Educação tem já dois projetos em curso em 33 escolas: um para as crianças do 1.º e 2.º anos de escolaridade e outro para os adolescentes que terminam o 3.º ciclo, anunciou o presidente do Conselho Diretivo, o ex-ministro da Educação Nuno Crato, na apresentação do programa.
A Fenprof refere ainda que a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) e a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP) são as outras duas instituições tuteladas pelo ME que acompanham nas escolas projetos promovidos por privados, “não se envolvem por filantropia”, uma vez apenas decorrem em regiões elegíveis para fundos comunitários.
“A reunião realizada confirmou que parte significativa das verbas que resultam do financiamento comunitário destinado a estes projetos se encontra nas CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional )e quem se pode candidatar são as Comunidades Intermunicipais (CIM), que, no âmbito do Plano Integrado e Inovador de Combate ao Insucesso Escolar (PIICIE), promovem as mais diversas iniciativas e colocam técnicos (psicólogos, terapeutas, educadores sociais e outros), que, para além de não passarem a pertencer às escolas, deixarão de nelas trabalhar quando acabar o programa financiado”, refere a Fenprof.
A Fenprof adianta que vai pedir mais informações à DGEstE, à ANQEP e às CIM sobre os projetos que promovem e que vai informar a Assembleia da República “sobre o que está a acontecer nas escolas”.
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