O único Banco de Cérebros Humanos do país, que funciona desde 2012 no Hospital de Santo António, Porto, tem uma “coleção” de cerca de 60 exemplares de pessoas com doenças neurológicas, destinados ao estudo, investigação e descoberta da cura.

Nos quatro primeiros anos, dois dos quais a funcionar como projeto-piloto, o banco recebeu oito doações, mas, oito anos volvidos, estas mais que duplicaram, triplicaram, quadruplicaram ou quintuplicaram e chegaram às 60, adiantou hoje à Lusa o coordenador-executivo, Ricardo Taipa.

“Passamos de dois a três cérebros por ano para cerca de um por mês. Por exemplo, este mês, que ainda não terminou, já recebemos duas doações”, contou.

O objetivo a médio prazo é “chegar perto” dos 15 cérebros por ano, número adequado aos recursos humanos do banco, onde trabalham dois neuropatologistas, duas técnicas e uma secretária, disse.

Ricardo Taipa salientou que, para serem mais ambiciosos, teriam de ver a equipa e a capacidade logística reforçada.

Na sala de autópsias, local onde se “trabalham” os cérebros, o coordenador-executivo explicou que, quando um dador morre, é-lhe retirado o cérebro que, depois, é cortado ao meio, sendo uma das metades congelada a fresco numa arca a 80 graus negativos, depois de devidamente separada nas diferentes áreas anatómicas, arquivada e numerada, tarefa que demora três a quatro horas.

A outra é colocada em formol e, passadas três semanas, é cortada, para se retirarem fragmentos microscópicos para análises e testes diagnósticos para se saber do que padeceu “exatamente em vida” o dador, realçou.

O tecido cerebral, em parafina ou congelação, dura décadas, podendo daqui a 30 anos estar-se a estudar um doente que morreu recentemente, adiantou Ricardo Taipa.

O neuropatologista garantiu que os familiares do dador, neurologista e médico de família são sempre avisados do “resultado final”, sendo que, em 80% dos casos, os diagnósticos em vida são concordantes com os de pós-morte.

Apesar dessa concordância, o responsável pela Unidade de Neuropatologia e diretor do Banco de Cérebros, Manuel Melo Pires, assumiu que, por vezes, há surpresas.

Manuel Melo Pires, responsável pela Unidade de Neuropatologia e diretor do Banco de Cérebros, 14 janeiro 2020. créditos: ESTELA SILVA/LUSA

“Por exemplo, temos doentes que tinham Alzheimer e outra patologia associada, algo que só se descobre pós-morte, e, quando se fazem essas descobertas, toda a gente ganha, desde os clínicos, investigadores e famílias”, ressalvou.

Aberto a qualquer patologia neurológica “bem estudada” do ponto de vista clínico, nomeadamente Alzheimer, Parkinson ou Esclerose Lateral Amiotrófica, o banco recebe cérebros de dadores de Viana do Castelo a Coimbra, comentou.

Adiantando que o objetivo é alargar a área, Melo Pires lembrou que, caso a colheita não seja feita no Santo António, o transporte do cérebro deverá ser “rápido” e chegar ao banco em “duas a três horas no máximo”, um dos problemas em aumentar a abrangência territorial.

Mas, preferencialmente, a colheita deverá ser no banco, não tendo a família qualquer custo com o transporte do cadáver, sendo assegurado na totalidade pelo banco, reforçou.

“Felizmente, há funerárias que nem cobram esse trajeto”, confidenciou.

O neuropatologista entendeu que a decisão de doar o cérebro para investigação pelo doente em vida ou pela família é um “ato altruísta” e essencial para o conhecimento das doenças do sistema nervoso central, para o avanço da ciência e para a descoberta da cura.

créditos: ESTELA SILVA/LUSA

Banco de Cérebros quer receber doações de exemplares saudáveis a partir deste ano

O Banco de Cérebros Humanos de Portugal só recebe atualmente tecido cerebral de pessoas com doenças neurológicas “bem definidas”, como por exemplo Alzheimer, Parkinson ou Esclerose Lateral Amiotrófica, mas quer agora receber cérebros sãos, contou o coordenador-executivo, Ricardo Taipa.

“Este ano temos de arranjar forma de ter cérebros de adultos saudáveis e que estejam dispostos a colaborar com a ciência”, disse.

Mas, explicou, para esta ideia ser uma realidade, o dador, que deverá manifestar essa vontade em vida por escrito, deverá ser acompanhado para, quando morrer, o banco ter informações detalhadas sobre a sua saúde, nomeadamente se tem alguma doença.

Mas, esta questão obriga a “extravasar” as competências do banco, tendo de ser um projeto articulado com clínicos associados para haver “feedback”, salientou.

Os dados obtidos de um cérebro saudável são “valiosíssimos” e fundamentais para o futuro e, portanto, a importância da sua recolha é “urgente”, disse Ricardo Taipa.

“Tivemos uma reunião com a nossa comissão científica, da qual faz parte o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), no Porto, e a Escola de Medicina da Universidade do Minho, em Braga, para estudar a possibilidade de colher tecido cerebral dos corpos que são doados à ciência para o ensino”, adiantou.

O coordenador-executivo referiu que a recolha de cérebros sãos é “fundamental” para perceber o que é normal e anormal.

Por exemplo, se os profissionais não souberem como é um cérebro de uma pessoa cognitivamente normal aos 90 anos não conseguem comparar com um cérebro de uma pessoa de 60, 70 ou 80 anos com uma doença, ressalvou.

Atualmente, e dado não terem esses tecidos, o neuropatologista explicou que sempre que precisam desse material para estudos de comparação solicitam a outros bancos de cérebros internacionais, dado integrarem uma rede de bancos.

Apesar de ter apenas nove anos de existência, o banco português já conseguiu, quer individualmente, quer em grupo, fazer algumas descobertas “interessantes”, confidenciou.

“Descobrimos uma forma genética de Parkinson que se desconhecia qual era a sua patologia”, avançou.

Falando na necessidade de envolver mais grupos de investigadores neste projeto, assim como academias, Ricardo Taipa reforçou que o banco de cérebros existe para diferentes investigações em neurociências, cujo objetivo é descobrir curas para as doenças.

*Suraia Ferreira (texto), André Sá (vídeo) e Estela Silva (fotos), da agência Lusa

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