Imagine que no meio da sua rua, ao lado da sua casa, de repente, sem nada que o anuncie, uma barraquinha de praia com três andares floresce. Impossível de ignorar, a construção, longe de qualquer praia onde tais empreendimentos sejam expectáveis, interrompe a coerência visual do bairro, do quarteirão, da cidade.
É uma enorme casa branca, às riscas vermelhas, que alguns dizem parecer, lá está, uma barraca de praia, mas também um quiosque de venda de gelados, ou, ainda na onda da doçaria, uma daquelas bengalas de açúcar coloridas - mas em formato gigante e no valor de 7,6 milhões de euros.
A propriedade está no bairro de Kensington, onde vivem os grandes e poderosos de Londres - como os príncipes William e Kate. Para além da abastada vizinhança, a casa está ainda numa “área de conservação”, isto é, numa zona protegida, o que em parte explica a razão por que as riscas com cerca de 20 centímetros de largura foram parar à fachada do edifício.
Para a proprietária, Zipporah Lisle-Mainwaring, que vive na Suíça, as riscas são a expressão de um desejo de “contribuir para a alegria da nação” britânica. As crianças, diz, adoram. “São divertidas” - as riscas -, diz Zipporah. E por isso hão de ficar.
Quem não acha piada são os vizinhos, que já desde 2015 têm vindo a contestar a decoração. Dos órgãos de governo locais às mais altas instâncias da justiça, a casa das riscas de Kensington tem sido assunto de sérios debates sobre a liberdade para a decoração.
A legislação nacional britânica dá aos proprietários, dizia, há dois anos, um porta-voz do conselho de Kensington e Chelsea, a liberdade para pintar a casa. Todavia, os moradores do bairro vêm-na como uma afronta, como uma vingança passivo-agressiva pela recusa de uma remodelação total da casa: que não era renovar portas e soalhos, mas antes deitar tudo abaixo e fazer uma coisa diferente - e por cima construir uma casa de cinco andares, com uma cave de dois andares.
A proprietária, contudo, nega a acusação. “Pensei que estava a fazer algo para me divertir e para animar a rua. Nunca esperei que isto se tornasse numa causa célèbre”, disse por telefone ao ‘The New York Times”. Mais ainda, acrescenta, a partir de Paris, que a revolta contra as riscas é fruto de “idiotas pomposos”, ressentidos pela sua riqueza e que com medo de que a casa “audaciosamente pintada”, como descreve o jornal americano, baixasse o valor das propriedades.
Os vizinhos, que vivem em Kensington, dizem que o edifício “afeta o tom” do bairro, e, por isso, a liberdade de Zipporah entra em confronto com a harmonia da área. “Parece o cruzamento entre uma barraca de praia e um circo”, dizia Saskia Moyle, residente na zona, em 2015, ao jornal ‘Get West London’.
A meia risca dá cabo dela: “Acho que isto não pertence aqui. Parece que brilha à noite. É fluorescente. E a risca inacabada está a levar-me à loucura.”, diz ao ‘Guardian’. “É uma monstruosidade”, prossegue a jovem no ‘Get West London’, “soa mal dizer que não é uma coisa muito à Kensington, mas a verdade é que parece tão estranho”. “Desce o nível de todo o bairro, mas vários turistas têm vindo espreitar”. “Basicamente, toda esta rua está unida no seu ódio contra esta casa.”
Vizinhos chiques em guerra
No meio de mansões, lojas de moda e do palácio de Kensington, onde viveu Diana, princesa de Gales, e hoje vive o filho William - com a mulher Kate e os dois filhos - , o surgimento de um padrão extravagante no meio dos tons pastel e da tijoleira dificilmente passa despercebido.
O caso chegou o ano passado à televisão. Mas não é inédito. As guerras entre os habitantes ricos que povoam as áreas mais caras de Londres acumulam-se, com os recém-chegados a rasgar caves com obras intermináveis que rompem a pacata vida dos bairros.
Zipporah, porém, que viu agora o Supremo Tribunal de Londres dar-lhe razão para manter a casa às listas vermelhas, ri-se dos “idiotas pomposos” que se insurgem contra a casa. Depois de aparecer no programa “Vizinhos chiques em guerra”, uma legião de fãs aplaudiu a luta decorativa de Zipporah. Zipporah, aliás, que numa das vezes que foi ao tribunal, decidiu ir a combinar com o alegado crime: foi com um fato às riscas.
O objetivo, explica a mulher que se divide entre Londres e Paris, era mostrar “o quão perfeitamente aceitáveis são as riscas” - e depois disto, acrescenta o New York Times, deixa um “riso malicioso”.
Por duas vezes os tribunais lhe disseram que as riscas tinham de desaparecer. Numa delas, o juiz disse mesmo que as riscas não eram mais do que uma forma de causar problemas com a vizinhança. Depois, Zipporah recorreu. E recorreu para o alto tribunal de Londres, que decidiu a favor da manutenção da excêntrica pintura no edifício.
Paul Brown, o advogado da proprietária, disse na semana passada que a decisão do tribunal representava a vitória do senso comum. “Depois de as linhas de batalha estarem desenhadas neste género de disputas de propriedade, o que quer que tentes fazer e que faças causa objeções”.
Estão desenhadas as linhas de batalha e hão de permanecer desenhadas as linhas na casa de Zapporah, pelo menos até que a proprietária decida regressar a Kensington. Numa entrevista, Zapporah Lisle-Mainwaring prefere agora os tijolos expostos, com persianas coloridas. Até lá, a casa, que agora serve apenas para armazenamento, e as 16,5 riscas hão de continuar a separar e a unir os vizinhos chiques de Kensington.
Numa visita ao local através do Google Maps podemos ver que havia trabalhos a correr. A propriedade estava escondida atrás de tábuas de contraplacado e os tijolos, a nu, espreitavam. Embora sem o brilho das riscas que, esta semana, viram-lhes ser reconhecido o direito de ali estarem, tal qual surgiram em 2015. Não há contudo, informações sobre o contraplacado, tampouco sobre o futuro das riscas.
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