“Os bairros realmente fizeram-se, os realojamentos fizeram-se, foi um esforço brutal, mas nalguns casos a solução transformou-se em problema”, disse Helena Roseta, que foi deputada e autarca, em declarações à Lusa.

O pós-PER, referiu, mostra que nalguns bairros a integração “não correu bem” e existem “problemas de coesão social, coesão económica e até de relacionamento entre diferentes tipos de pessoas que lá moram”.

Apesar de ter um percurso profissional de mais de meio século dedicado à área da habitação, que começou antes da Revolução de 1974, a arquiteta Helena Roseta, de 75 anos, não teve intervenção direta no PER, mas esteve presente aquando do surgimento da ideia de lançar um programa público para erradicar as chamadas barracas, que resultou de uma presidência aberta em 1992, com o então chede de Estado, Mário Soares (PS).

Sob liderança de Aníbal Cavaco Silva (PSD), “o Governo estava um bocado renitente em lançar um programa com estas características, mas Mário Soares fazia aquelas presidências abertas, levava a comunicação social toda com ele e, quando começam a dar a volta na Área Metropolitana de Lisboa, começa-se a mostrar o estado dramático em que viviam os bairros, muitos bairros precários”, indicou a arquiteta, realçando a “pressão enorme” para que houvesse um programa público de habitação.

Em 1993 foi lançado o PER, através do decreto-lei 163/93, de 07 de maio, para a erradicação das barracas e o realojamento das famílias nas áreas metropolitanas (AM), envolvendo 28 municípios – 19 em Lisboa e nove no Porto -, onde foram identificadas 48.416 famílias a viver em construções precárias ou barracas. Destas, mais de 33 mil viviam na AM de Lisboa e 15 mil na AM do Porto.

O programa teve um modelo de financiamento público, com 50% a fundo perdido dado pelo Estado e outros 50% de empréstimo aos municípios. A execução “dependeu muito da dinâmica dos municípios”, referiu Helena Roseta, destacando o exemplo de Oeiras (distrito de Lisboa), que “trabalhou muito bem o PER e é uma das razões pelas quais Isaltino Morais ganha sempre as eleições”.

“Os bairros construídos pelo PER em Oeiras, onde havia bairros de lata terríveis como a Pedreira dos Húngaros e outros, são bairros de qualidade, muito bons, portanto houve ali uma melhoria real”, apontou.

Considerando que no município de Lisboa “há muita diversidade” nos bairros de realojamento feitos pelo PER, a arquiteta identificou como mau exemplo o caso da Ameixoeira, para onde foram as últimas pessoas a serem realojadas na cidade, vindas de bairros completamente diferentes, em que “não havia nenhuma ligação entre aqueles moradores todos”.

“Grande parte dos bairros problemáticos acaba por ser bairros de realojamento do PER”, expôs a ex-vereadora da capital e ex-presidente da Câmara de Cascais, considerando que as dificuldades de integração dos moradores resultam da falta de participação das pessoas no processo de realojamento, que acabou por ser forçado.

“As pessoas tinham de se sujeitar às regras do jogo e isso não ajudou, mas também talvez não tenha havido um acompanhamento suficiente dessas pessoas que foram realojadas e desses novos bairros para que eles pudessem integrar-se na cidade”, frisou, afirmando que um bairro é como uma árvore ou um pinhal a crescer, demora tempo e requer acompanhamento.

Como principal lição do PER, destacou que “quando há dinheiro público há resultados” e ressalvou que “não houve guerra político-partidária entre as várias partes”.

“Depois do PER, nunca houve mais nenhum programa público para financiamento de habitação. Há programazinhos municipais, mas nacional não houve mais nenhum”, lamentou Helena Roseta, enaltecendo a atual disponibilidade do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para financiar habitação até 2026.

Sobre a preservação e manutenção dos bairros PER, a arquiteta disse que a academia deveria ser desafiada pelos poderes políticos a fazer um estudo sobre a manutenção do parque habitacional público, porque os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística dizem que está em pior estado do que o parque privado.

“Não houve dinheiro para fazer, também não houve dinheiro para manter, e isso depois paga-se muito caro […]. Uma casa aguenta 10, 15, 20 anos, ao fim de 30 começa a ter rugas e ao fim de 40 ou 50, se não se sacode, pode ficar inabitável”, alertou.

Helena Roseta sublinhou que o essencial é que há, novamente, dinheiro público para a habitação, que deve ser aproveitado, sendo que “o PER foi uma boa lição” na utilização de verbas, mas “foi uma má solução, porque não foi dada continuidade e hoje alguns bairros PER transformaram a solução em problema”.