O Relatório de Primavera 2018 do OPSS, que é hoje divulgado em Lisboa, resume o setor hospitalar como “endividado e à beira de um ataque de nervos” e constata que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde continuam marcados pela intervenção da ‘troika’, apesar de o país já não se encontrar sob intervenção externa.

O quotidiano dos hospitais é marcado pela ameaça de necessidade de injeção de dinheiro e há nas unidades do SNS falta de liquidez e um aumento do ‘stock’ da dívida a fornecedores, o que tem “conduzido à prática de entregas de verbas a título extraordinário aos hospitais”.

Segundo o documento, isto ocorre em grande parte porque a tesouraria dos hospitais é determinada centralmente pelo controlo de autorizações do Ministério das Finanças, enquanto o ciclo económico das unidades é estabelecido através de um orçamento preparado e monitorizado pelo Ministério da Saúde.

Os hospitais vivem, assim, limitados para realizar despesas correntes e de investimento. “No país, a crise económica acabou, mas no setor hospitalar continua”, resume o relatório.

O Observatório identifica ainda uma estagnação da reforma hospitalar: “O tempo da reforma hospitalar foi afetado não só pelo quadro de restrições financeiras, mas também pela incerteza gerada pela solução governativa inovadora. O tempo de lançamento de reformas estruturantes, tipicamente no início das legislaturas, foi condicionado pela capacidade de obtenção de ganhos rápidos que justificassem a solidez dessa mesma solução”.

Foi criada uma coordenação nacional para a reforma dos cuidados de saúde hospitalares, mas não são conhecidos os resultados globais do seu funcionamento.

Sobre a política do medicamento, o relatório concluiu que os encargos com fármacos entre 2012 e 2016 não sofreram alterações significativas, enquanto os orçamentos da saúde sofreram significativos decréscimos.

Globalmente, a análise feita ao setor público da saúde nos últimos dois anos aponta para um setor hospitalar endividado, cobertura insuficiente pelos cuidados de saúde primários, medidas simples e efetivas de saúde pública ainda por tomar e cuidados continuados com pequenos desenvolvimentos.

Outras (muitas) pedras no caminho da Saúde

O relatório que procura analisar o meio caminho percorrido pela atual equipa governativa da saúde e encontra “muitas pedras no caminho”, como vai sendo referido ao longo do documento.

A aposta na reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) “está longe de estar ganha”, com os cuidados de saúde primários a revelarem “carências estruturais”, o que deixa dúvidas ao Observatório quanto “ao grau de prioridade desta área para o Governo”.

Também nos cuidados continuados integrados, apesar da abertura de camas nas áreas metal e pediátrica, o país está “longe de atingir a cobertura da população” e falta uma aposta nos cuidados domiciliários.

Sobre os recursos humanos na área da saúde, o relatório diz que é frágil a informação sobre os profissionais, o que pode explicar a dificuldade em definir as necessidades de médio e longo prazo.

Ainda assim, os números sugerem que a despesa com profissionais de saúde está abaixo da média dos países desenvolvidos e que existe falta de equidade ao longo do país.

Na área do medicamento, o Observatório concluiu que há assimetrias geográficas na despesa com fármacos. A despesa nacional ‘per capita’ foi de cerca de 200 euros, baseada em preços de venda ao público, e a despesa diretamente paga pelas famílias rondou uma média de 71 euros.

O Alentejo e o Centro surgem como as regiões que mais gastam em medicamentos, sendo que a diferença “não é inteiramente explicada pela composição demográfica das regiões”.

É analisado o caso específico da diabetes, sendo apontada a necessidade de “monitorizar e compreender a utilização, muito superior à média de diversos países europeus, de medicamentos mais onerosos”.

Ainda na política do medicamento, o relatório reconhece que no período pós-‘troika’ aumentou o acesso a fármacos, mas considera que faltam medidas de uso racional de medicamentos em Portugal.

O Observatório dedica um capítulo do Relatório de Primavera 2018 a analisar as infeções associadas à resistência a antimicrobianos (como antibióticos), sublinhando a necessidade de definir uma estratégia a curto, médio e longo prazo, que contraste com “as medidas avulsas” e os discursos pontuais e mediáticos.

Dados de 2011 indicam que Portugal apresentava quase o dobro (10,6%) da taxa de prevalência de infeções associadas aos cuidados de saúde do que média europeia.

De volta à área hospitalar, incidindo na governação da saúde no SNS, o relatório conclui que o processo de seleção dos membros das administrações das unidades de saúde continua demasiado preso à confiança política e refere que devia avançar a avaliação de desempenho dos conselhos de administração.

Na gestão do acesso aos cuidados de saúde, o Observatório mostra que gerir as listas de espera “exige novas abordagens políticas”. O relatório indica que as últimas iniciativas governamentais para melhorar o acesso atempado aos cuidados ainda não tiveram impacto direto.

O Relatório de Primavera debruça-se ainda sobre a saúde materna e infantil, alertando que Portugal está entre os países da Europa com mais alta prevalência de cesarianas - 60% nos hospitais privados. No caso das episiotomias (incisão para ampliar o canal do parto), a frequência desta prática em Portugal é de 70%, quando comparada a países como a Dinamarca ronda os 4%.

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde.

Tem como finalidade proporcionar a todos aqueles que podem influenciar a saúde em Portugal, uma análise precisa, periódica e independente da evolução do sistema de português e dos fatores que a determinam.

(Notícia atualizada às 07h24)