“Se não tivesse o vidro, dava-lhe o beijinho do costume. Assim, atiro-o”, conta Rosália Ferreira, de 71 anos, depois do reencontro com a mãe, Alexandrina Charneco, de 93 anos, que sofre de demência e vive, há quatro anos, no lar Montepio, da União Mutualista Nossa Senhora da Conceição, no Montijo, distrito de Setúbal.
Celebrando o Dia da Mãe, Rosália Ferreira, que é filha única, aproveita para oferecer à mãe uma fotografia das duas e “umas palavrinhas de afeto”, além dos beijos atirados pelo vidro, numa “surpresa de que não estava à espera”.
“Olha, assim que puder, venho logo ter contigo”, garante Rosália Ferreira, equipada de uma viseira com a frase "vai ficar tudo bem". Ao sair da cabine, a filha confessa sentir-se com o coração mais aconchegado. Do contacto “sem filtros”, percebe que a mãe “está tranquila, com um ar sereno”.
Depois de cerca de dois meses de isolamento devido à covid-19, o reencontro entre os idosos e os seus familiares é possível através da ‘box’ das emoções, numa cabine instalada à entrada do lar, com um vidro que separa e impede o contacto físico, e sem qualquer interação entre o interior e o exterior da instituição, cumprindo com as recomendações das autoridades da saúde, uma vez que se mantêm proibidas as visitas nos lares.
“Com muita emoção e muitas saudades”, Maria Antónia Angélico, de 66 anos, manifesta a vontade de voltar a ver, de perto, ainda que sem tocar, a mãe, Isabel Barreto, que festeja hoje 89 anos, reencontro que necessitou de lenços para enxugar as lágrimas.
Além da celebração do Dia da Mãe, cantaram-se os parabéns a Isabel Barreto, momento de alegria que foi partilhado com os dois filhos e mais dois familiares que entraram na cabine, todos protegidos com máscaras e luvas.
Na ‘box’ das emoções, a idosa e os seus familiares tocaram no vidro e juntaram as mãos, numa tentativa de se sentirem mais próximos, com a promessa: “Quando isto passar, vai lá almoçar”.
Se não fosse o vírus, este era mais um domingo em que a idosa saía do lar para ir almoçar a casa da família, o que não acontece há cerca de dois meses, porque a pandemia da covid-19 fez com que os contactos se resumissem a chamadas e videochamadas.
Na visita à distância, a filha aproveita, ainda, para brindar a mãe com “uns miminhos, umas amêndoas e umas bolachinhas”.
Apesar de sofrer de alzheimer, a idosa reconhece os familiares, compreende o risco do novo vírus e até aconselha a terem cuidado, manifestando-se “desejosa de que isto passe”.
“Não temos visitas”, lê-se na porta de entrada do lar Montepio. A verdade é que, depois de cerca de dois meses sem contactos do exterior, a instituição resolve encontrar uma solução, sem comprometer a proteção e a segurança dos utentes, através da ‘box’ das emoções, que começou hoje a proporcionar o reencontro com os familiares.
Em declarações à Lusa, o presidente do Conselho de Administração do lar Montepio, Pedro Santos, indica que a instituição acolhe 90 idosos, número que “não regista nem saídas, nem entradas”, desde a pandemia da covid-19.
Com a ‘box’, o lar Montepio pretende “quebrar o gelo das emoções gerado com a proibição das visitas”, refere Pedro Santos, acrescentando que, apesar dos contactos por telefone, “o aspeto emocional de ver e sentir estava a faltar”.
Sem casos de infeção, o lar tem apostado na testagem dos 105 trabalhadores, em que todos tiveram resultado negativo, adianta o presidente do Conselho da Administração, reforçando que “não há casos suspeitos” de covid-19.
Desde que os familiares deixaram de visitar os idosos, o que antes da pandemia era possível todos os dias e com horário livre, registam-se “menos infeções respiratórios”, avança a enfermeira do lar, Patrícia Soares, sublinhando que, “apesar da proibição das visitas”, nunca deixaram “de investir no contacto dos utentes com os familiares”.
“A nova inovação, prevendo que a proibição das visitas se vai prolongar, aproxima as famílias dos utentes, com toda a segurança e proteção”, frisa a enfermeira.
Além da ‘box’ das emoções, o lar tem o túnel de descontaminação, destinado a todos os profissionais que entram na instituição.
Por: Sónia Miguel da agência Lusa
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