No escritório de Ding Shaojie, duas bandeiras de mesa estão pousadas sobre uma montra de vidro: a bandeira chinesa e a palestiniana. A guerra entre Israel e Palestina, agravada desde que o grupo islamita Hamas, que governa a Faixa de Gaza, lançou o ataque de 07 de outubro, é seguida diariamente pelo imã da única mesquita de Macau.

As duas bandeiras, unidas pelo mesmo mastro, refletem a visão chinesa sobre este histórico conflito no Médio Oriente. Apesar de ter relações estáveis com Israel, Pequim apoia a causa da Palestina, considerando-a um Estado soberano e defendendo a solução de “dois Estados”.

Na sequência do ataque do Hamas, que matou 1.200 pessoas em Israel e fez 240 reféns, a resposta de Telavive causou a morte a mais de 21 mil palestinianos e deslocou quase todos os 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza.

“Como muçulmanos, temos de estar com o povo palestiniano. Por isso, todos os dias acompanhamos as notícias e é doloroso para nós, tantas crianças mortas”, começa por dizer Ding Shaojie em entrevista à Lusa.

Ding é também Mohammed Ramadan. É originário de Hohhot, capital da região autónoma chinesa da Mongólia Interior, onde cresceu no seio de uma família Hui, um dos maiores grupos étnicos da China, predominantemente muçulmano.

Referindo-se “a esta matança” que está a “pôr o mundo em ebulição”, Ding questiona por que razão permanece Macau em silêncio. “Pergunto, porquê?”, interroga o líder religioso, notando que, até ao momento, não foi questionado por ninguém sobre o que se passa em Gaza.

“É estranho, a população não tomou nenhuma atitude, incluindo a comunidade muçulmana”, constata.

Em Macau, não há dados oficiais sobre o número de muçulmanos, mas o imã estima que, antes da pandemia da covid-19, este se situasse entre os cinco e os dez mil fiéis. Com a crise do coronavírus, Macau perdeu milhares de estrangeiros com estatuto de trabalhador migrante, incluindo da Indonésia, país com a maior população muçulmana do mundo.

A vulnerabilidade deste estatuto laboral, que implica menos direitos em relação aos residentes, pode estar a condicionar possíveis movimentações de protesto por parte dos praticantes islâmicos locais, defende o líder espiritual.

“[Fiéis indonésios] têm medo que talvez ao se manifestarem sejam expulsos e enviados de regresso ao país. Existe essa preocupação. No primeiro dia que aqui cheguei, fui aconselhado a não fazer nada relacionado com manifestações. Somos avisados que Macau é uma cidade pacífica, daí ser melhor não fazer nada”, conta.

A última manifestação pública local ocorreu antes de Macau fechar portas ao mundo devido à covid-19, em 2020. Durante a pandemia, as forças de segurança recusaram-se a aprovar o percurso de qualquer protesto, invocando razões de “ordem e segurança” ou saúde públicas. As restrições antipandémicas levantaram-se entretanto, mas os protestos não voltaram às ruas da cidade.

Estas proibições chegaram ao Comité dos Direitos Humanos da ONU que, em 2022, avaliou “um crescente número de informações de restrições indevidas ao exercício da liberdade de manifestações pacíficas”.

Apesar do silêncio à volta da Faixa de Gaza, Ding admite haver espaço de discussão na mesquita: “Não há como evitar, não podemos ficar calados. Todos os líderes muçulmanos, os imãs das mesquitas do mundo, falam disso, invocam Alá para que proteja as pessoas na Palestina. Por isso, nós também falamos. A matança deve ser interrompida”, reforça.

Há mais que se pode fazer, conclui. Seja via doações a Gaza ou através da própria comunidade muçulmana, a quem Ding sugeriu, desde o primeiro dia, “escreverem aos seus países e consulados para apoiarem a Palestina”.