“Tinha uma estrutura muito débil para a dimensão do problema que estava a enfrentar”, afirmou Henrique Gouveia e Melo, oficial da Marinha que comandou um destacamento deste ramo das Forças Armadas que se deslocou para Pedrógão Grande, distrito de Leiria, para auxiliar a população na sequência dos fogos.
A testemunha, indicada pela defesa do presidente deste município, Valdemar Alves, um dos 28 arguidos deste processo, foi hoje inquirida em mais uma sessão do julgamento do Tribunal Judicial de Leiria, que decorre na Batalha.
“A impressão que tive na altura foi a de que a Câmara Municipal era meia dúzia de pessoas, se tanto. Estavam um bocado perdidos no meio daquele problema gravíssimo, muitos deles ainda em estado de choque”, declarou.
A testemunha elencou depois o trabalho desenvolvido pelos militares, realçando que havia “10 patrulhas móveis sempre a circular”.
“Distribuíamos comida, roupa, transportávamos pessoas, dávamos apoio psicológico”, exemplificou, destacando um levantamento relativo às pessoas que tinham perdido bens, com “extensa reportagem fotográfica georreferenciada e entrevistas”, que foi depois entregue ao município quando o destacamento saiu de Pedrógão Grande.
O vice-almirante explicou, por outro lado, que se devia “conferir o mínimo de estrutura à Câmara para lidar com aquela emergência”, o que foi feito através da criação de uma equipa “para responder às emergências mais urgentes”, como água, roupa e comida.
A equipa foi instalada e estruturada pelos militares na Casa da Cultura, adiantou Gouveia e Melo, frisando: “Nós não organizámos a reconstrução das casas, como é evidente. (…) O que eu transmiti foi que as habitações deviam ser reconstruídas, com prioridade, como é evidente, primeiro aquelas que tinham a ver com a pessoa ter um sítio para viver”.
“Eu não partilho de nenhuma ideia jacobina de que a propriedade só é aquela que é essencial”, sustentou ainda, considerando que “a reconstrução é uma cura psicológica para aquelas pessoas que tinham perdido tudo”.
Para aquela população recuperar, “não basta dar uma casa para não apanhar chuva, tem de se recuperar todo o tecido económico, por isso é que há prioridades”, afirmou.
Lembrando que chegou a Pedrógão Grande na fase terminal dos incêndios e que os militares ficaram cerca de mais um mês, o oficial da Marinha recordou: “A população, depois daquele impacto do incêndio, quando os bombeiros saíram todos, ficou abandonada a si própria”.
“Quando saímos de lá ainda estávamos a meter lonas nos telhados [de casas] de pessoas que precisavam de um sítio para se abrigar”, observou.
Sobre o trabalho do presidente da câmara, Gouveia e Melo sublinhou que “estava a fazer o seu esforço máximo”.
“Não diria que estaria em pânico, mas bastante desorientado face a uma situação que, desculpem a expressão, era areia demais para a camioneta que tinha naquele momento”, disse, acrescentando: “Perante um problema daquela gravidade e extensão, só pessoas muito treinadas e até desligadas da região é que conseguem ter sangue-frio para estarem a decidir sem ‘stresse'”.
Gouveia e Melo acrescentou que viveu a situação de forma intensa. “Ainda hoje sofro com o que vi e sou uma pessoa treinada”, assegurou.
Na sessão de hoje foram inquiridas mais quatro testemunhas. O julgamento, interrompido devido às férias judiciais, é retomado em 09 de setembro.
O julgamento das alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas que arderam nos incêndios de junho de 2017 no concelho de Pedrógão Grande e que alastrou a municípios vizinhos tem 28 arguidos.
Além do presidente da Câmara de Pedrógão Grande, o ex-vereador deste município Bruno Gomes é também arguido. Ambos estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação.
Estes incêndios provocaram 66 mortos e 253 feridos, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.
Comentários