"Não vale a pena continuarmos a apostar na mesma receita. O que está efetivamente mal é a ocupação do solo, que é praticamente 80% a 90% floresta de pinheiro bravo e eucalipto. Está provado que esta ocupação do solo não é a defensável do ponto de vista das alterações climáticas, por isso temos de começar a iniciar o processo de transformação da paisagem", declarou João Catarino, que tutela também a Conservação da Natureza, em entrevista à agência Lusa.
Na sua perspetiva, entre as florestas existentes em Portugal, "algumas estão bem e recomendam-se", mas há uma parte com territórios vulneráveis que “precisam de mais Estado e de mais investimento público", localizadas essencialmente nas regiões Norte e Centro, em especial no interior, e a sul do rio Tejo - com a serra de São Mamede, no Alentejo, e Silves e Monchique, no Algarve.
"Temos uma paisagem que precisa de ser compartimentada, com outras espécies florestais ou até com agricultura, e para esse território fizemos o Programa de Transformação da Paisagem [PTP], com um conjunto de medidas, precisamente, para iniciarmos este processo de alteração da ocupação do solo", indicou, explicando que o eucalipto e o pinheiro bravo, ainda que estejam adaptados ao território, "não podem ocupar uma percentagem tão elevada desse espaço".
De acordo com João Catarino, os concelhos que tenham mais de 60% ou 65% da sua área territorial ocupada com estas duas espécies têm "uma enorme probabilidade" de ter grandes incêndios florestais, pelo que é preciso compartimentá-las com outras mais resilientes ao fogo.
"Isso passou-se no Pinhal Interior Sul durante os últimos 20 a 30 anos e começa-se a passar agora também noutras partes do país, por isso é que delimitámos esses territórios vulneráveis, fizemos um mapa desses territórios e, para esses, estamos agora a implementar uma política diferente", apontou o governante, que tutela a pasta das Florestas desde outubro de 2019, depois de transitar do cargo de secretário de Estado da Valorização do Interior, que ocupava desde outubro de 2018.
A classificação de territórios vulneráveis tem a ver "com orografia, com o despovoamento, com a ocupação do solo, mas essencialmente com o rendimento económico desses territórios", disse João Catarino, dando o exemplo de duas áreas territoriais com características semelhantes, o Douro Vinhateiro, que está cuidado e cultivado, e o Pinhal Interior, que tem problemas de abandono.
"Obviamente que isto tem a ver só com uma variável nesta equação que é o rendimento económico que o proprietário tira da exploração que faz nesse espaço", reforçou.
Neste âmbito, o Governo decidiu criar o MULTIFUNDOS, juntando as verbas do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) e do Fundo Ambiental, para apoiar os proprietários privados na plantação das árvores e na manutenção da nova floresta durante 20 anos, na expectativa de que adiram à transformação da paisagem e possam ter um rendimento económico, com apoios ao investimento que ascendem a 85% de subsídio não reembolsável, incluindo-se nos critérios de majoração as zonas desfavorecidas e de montanha.
O valor dos apoios vai depender das espécies florestais, se folhosas ou resinosas, e no caso das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem serão dirigidos apoios no âmbito dos serviços dos ecossistemas e das ações de reordenamento e gestão da paisagem, em que o montante previsto “é entre 80 euros e 150 euros anuais por hectare”.
Com 100 milhões de euros dos fundos comunitários do PDR para a transformação da paisagem, o processo de candidaturas, aberto em março deste ano, regista "25 milhões de euros de candidaturas para analisar", avançou o secretário de Estado, referindo-se ao valor total das 151 candidaturas submetidas até 31 de julho e que aguardam aprovação. Há ainda “em pré-registo 223 candidaturas”.
"Temos, obviamente, já alguma adesão, mas a intenção é, a partir de agora, também divulgarmos de forma mais persistente, para que os portugueses que são detentores, em especial nesses territórios onde precisamos de fazer essa transformação da paisagem, tenham consciência de que, além de pagarmos a plantação das árvores, estamos a dar um rendimento periódico anual durante 20 anos para que essa transformação se faça", frisou.
"Mesmo que tivéssemos o país todo, do ponto de vista utópico, todo o mato limpo, tudo gerido de acordo com os mais conceituados livros e técnicas florestais, nada nos garante que não continuasse a arder", expôs o governante, considerando que a solução passa por alterar a ocupação do solo nos territórios vulneráveis.
Para que se consiga sair do 'ranking' dos países onde mais arde, entende João Catarino, Portugal precisa de "voltar a ter manchas" com uma ocupação do solo com 50% ou 60% de floresta e com agricultura, inclusive métodos biológicos e de proteção integrada, porque para a defesa da floresta contra incêndios "faz todo o sentido ocupar as várzeas das linhas de água e manter também as espécies ripícolas".
"Obviamente que isto não é um processo para um ano, nem para dois, nem para uma legislatura, nem para duas. Criou-se agora um regulamento próprio para o fazer, provavelmente até poderá vir a precisar de alguma afinação, mas temos de ter consciência de que uma parte substancial do país, além de limpar mato, precisa efetivamente de alterar a ocupação do solo, porque não é compatível com as alterações climáticas", perspetivou.
Esperando "daqui a 20 anos já ter resultados práticos e efetivos no terreno", João Catarino destacou o "desafio enorme" de intervir numa floresta que é maioritariamente privada, em que a rentabilidade económica do investimento é determinante, porque os proprietários só investem se tiverem a expectativa de ser rentável economicamente e de não perder tudo com os incêndios.
"Mas sabem à partida que estão a investir hoje numa espécie que só lhes vai dar rendimento daqui a 30 ou 40 anos", referiu, admitindo que tem de ser o Estado a ajudar nos primeiros 20 anos.
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