Sofia Neves, advogada de profissão, afirmou hoje ao coletivo de juízes do Tribunal de Leiria que o “presidente [da câmara] estava hierarquicamente acima dele [Bruno Gomes], que não tinha delegação de competências”.
“Tudo ia ao presidente. Era ele que despachava tudo. O Bruno não deliberava nem tomava decisões. Não assinava documentos. Desempenhava as tarefas sem competências atribuídas”, salientou a testemunha na Exposalão, na Batalha, distrito de Leiria, onde decorre o julgamento.
Segundo relatou, as indemnizações atribuídas para pagar as mortes de familiares e a reconstrução de casas “geraram muitas invejas, até entre famílias”.
“O Bruno contava comentários de pessoas que diziam: 'por que é que a mim não me morreu ninguém? Aquela vizinha ficou rica'. Ou: 'pena que a minha casa não ardeu, a vizinha agora tem uma casa nova'”, revelou.
Garantindo que Bruno Gomes “não favoreceu ninguém, nem a mãe”, Sofia Neves afirmou que “as chamas passaram naquele dia, mas o inferno ficou em Pedrógão Grande”.
“O Bruno teve de arregaçar as mangas e ajudar as pessoas na reconstrução. Ele era um bocadinho o faz tudo. Nunca mais voltou a ser o mesmo. Foram dias, semanas e meses com muito trabalho, com sacrifício da vida pessoal”, adiantou, ao referir que Bruno Gomes “encarou aquilo como uma missão”.
A mulher constatou que o arguido “era alegre e bem-disposto e, hoje, em dia não”. “Perdeu essa alegria, está sempre calado e isola-se”.
Também Pedro Pimpão, amigo de Bruno Gomes e ex-deputado do PSD eleito pelo círculo de Leiria na Assembleia da República, confirmou que o arguido “deixou de participar nos encontros com o grupo de amigos”.
Esta testemunha lembrou que, no âmbito das suas funções à data, e por ser de Pombal e ter “afinidade com o território”, se dirigiu para Pedrógão Grande no domingo a seguir ao deflagrar do incêndio.
“O Bruno era ‘pau para toda a obra’. Era preciso ajudar a resolver as situações e encontrar respostas. Senti do Bruno uma vontade genuína de dar tudo o que tinham para ajudar a salvar vidas”, salientou.
Durante a manhã, foi ainda ouvido Fernando Marto, marido da arguida Maria de Fátima Nunes, que garantiu que “informou sempre” que não vivia na casa de Pedrógão Grande, que ardeu no incêndio de junho de 2017.
“Quando fui à reunião na câmara disse que não vivíamos naquela casa e não tinha condições. A nossa residência era em Figueiró dos Vinhos. Mesmo assim disseram que tinha direito à reconstrução e mandaram-me tratar da papelada”, afirmou, ao referir que a pessoa com quem sempre falou foi com a “D. Carina”.
O marido desmentiu que alguma vez tivesse sido dito que a mulher “ia e vinha do trabalho” para a casa de Pedrógão Grande.
Arminda Rosa, amiga da arguida Laurinda Leitão, confirmou que a habitação em Pedrógão Grande “era habitável” e tinha “água, luz, tudo”.
“Numa reunião na Graça, foi dito que havia dinheiro para reconstruir tudo e explicaram o que se deveria fazer para ter o apoio”, acrescentou Arminda Rosa.
O julgamento das alegadas irregularidades na reconstrução das casas em Pedrógão Grande após os incêndios de junho de 2017 começou em 26 de outubro de 2020, sendo retomado em 09 de setembro.
O processo conta com 28 arguidos, incluindo o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, e o ex-vereador deste município Bruno Gomes. Estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação.
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