Abordoado a um pequeno sacho, Luís Fontinha, de 40 anos, sobe e desce os urzais do Rabadão, no concelho de Góis, na extremidade oeste da Serra do Açor, e procura que os cerca de 100 caprinos, incluindo três machos, não se dispersem muito pelas encostas.
As fêmeas estão maioritariamente em fase de gestação, o que permitirá pelo menos duplicar o número de efetivos que o pastor e a sua companheira, Anabela Martins, de 51 anos, albergam em instalações outrora construídas pelos Serviços Florestais.
Ao abrigo de protocolos com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e os compartes dos baldios, recolhem os animais nos antigos currais e têm a possibilidade de os apascentar nos matos em redor.
Há um ano, na sequência dos fogos de 15 de outubro de 2017, apresentaram uma candidatura a um programa do ICNF de apoio financeiro a projetos na área da silvopastorícia.
Na sua deambulação, em busca de alimentos variados que abundam na Serra do Açor, os animais fazem o papel de “cabras sapadoras”, dando um contributo para reduzir o material combustível e minimizar a ameaça dos incêndios.
“O processo foi longo. Ainda não recebemos nada, mas também tomámos a iniciativa um pouco por nossa conta e risco”, conta Luís Fontinha à agência Lusa, enquanto abre um sulco com ajuda do sacho, a fim de encaminhar as próximas águas pluviais para a berma.
O plano contratualizado com o ICNF tem uma duração de cinco anos, cabendo à empresa familiar do Rabadão (palavra de origem árabe, 'rabb ad-dan', que identifica o dono de pequenos ruminantes) uma compensação pecuniária pela sua atividade de limpeza da floresta, tendo em conta a área intervencionada e o tipo de vegetação predominante.
A uma pergunta sobre a determinação com que se lançou no projeto do rebanho, com vista a uma posterior comercialização de cabritos, queijo e bens alimentares inovadores, como um ansiado iogurte à base de leite de cabra, eventualmente enriquecido com mel, castanha ou medronho, entre outros produtos endógenos, o pastor deixa escapar uma sonora gargalhada.
“Coragem ou estupidez, mas o futuro o dirá. Por razões familiares, era uma ideia antiga voltar a fazer este tipo de trabalho”, assume Luís Fontinha, num dia em que Anabela está ocupada com outras tarefas na exploração.
Há dois anos, a habitação do casal, na povoação de Outeiro, não foi afetada pelo incêndio que varreu as florestas de Góis, no distrito de Coimbra, e de outros municípios da região Centro.
“Mas acabei por perder o meu armazém com todo o equipamento”, recorda o agora pastor, que antes trabalhava na reparação de casas e outros imóveis, compradas sobretudo por famílias estrangeiras.
Devido aos fogos, as “quintas remotas” e edifícios por si reconstruídos nos últimos anos “desapareceram outra vez”.
Luís Fontinha, que tem formação em gestão hoteleira e aprendeu na infância os segredos da caprinicultura com um avô transmontano, teve mesmo de pensar noutra ocupação, para si e para a mulher, que já tinha experiência no setor, especialmente na produção artesanal de queijo.
Nos próximos meses, os donos esperam um acréscimo importante do número de cabras, já que as fêmeas podem parir de um a dois filhotes pelo menos.
“É uma ideia gira, mas precisa de ganhar escala para fazer a diferença a vários níveis”, segundo o antigo construtor, que também labutou vários anos na área tecnológica, no Reino Unido.
O casal espera que outros pastores se juntem a eles na Serra do Açor, onde existem 60 mil hectares de flora diversa.
Para Luís Fontinha, “era interessante virem mais pessoas para esta atividade” e depois criarem uma cooperativa que pudesse fabricar e escoar o queijo e outros laticínios dos diferentes produtores.
“É preciso tornar isto maior, com uma escala que tenha algum impacto”, sublinha.
Conhecendo bem a magreza dos solos, a falta de emprego e o êxodo secular dos povos da região, o casal Luís e Anabela está determinado a prosseguir em novos moldes o trabalho dos ancestrais.
Na Serra do Açor, só a união faz a força.
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