Manuel Pinho foi ontem chamado à comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas na energia, quatro meses depois de se ter recusado a responder a dezenas de perguntas de deputados sobre pagamentos do Grupo Espírito Santo (GES).

Pinho esteve durante mais de cinco horas a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade, uma audição que começou com uma declaração prévia na qual exerceu o direito em manter-se em silêncio sobre os temas em relação aos quais é considerado suspeito e terminou com uma nota final sobre os trabalhos.

Falando em resposta ao deputado social-democrata Paulo Rios de Oliveira, o antigo governante vincou: “Senhor deputado, eu peço desculpa, mas não tenho mais nada a dizer que do que disse no princípio, de que não recebi nenhuma avença”.

Antes, o eleito do PSD considerou que “tudo nesta audição cheira a BES” e que Manuel Pinho “saiu do BES, mas o BES não saiu” do antigo governante.

“Há aqui um triângulo impossível de evitar que ultrapassa a sociedade portuguesa que é o triângulo BES, EDP e Manuel Pinho. E este triângulo faz colocar uma enorme suspeição sobre todas as suas decisões”, referiu Paulo Rios de Oliveira, perguntando a Manuel Pinho se “recebeu na qualidade de ministro, direta ou indiretamente - para ‘offshores’ que tinha controlo -, algum valor de alguma entidade”.

Rios perguntou questionou também se, “na qualidade de ministro, tinha uma sociedade imobiliária que fez um negócio extraordinário com o grupo GES”.

“Compra imóvel ao grupo GES, financia a construção com dinheiro do GES, vende o tal imóvel ao GES e depois o GES perde dinheiro a revender o que tinha”, apontou, falando num encaixe de quatro milhões de euros.

Em resposta, Manuel Pinho disse apenas: “Quanto a negócios imobiliários que o senhor deputado referiu, é totalmente mentira”.

“Não posso dizer mais nada”, reforçou, recusando a existência de “negócios milionários”.

“Enquanto ministro da economia agi sempre e exclusivamente em prol do interesse público, […] sendo falso aquilo que tem sido propalado de que eu receberia uma remuneração ou uma avença do BES enquanto fui governante”, garantiu nessa primeira declaração.

Em 17 de julho, o antigo ministro do Governo de José Sócrates já tinha sido ouvido no parlamento, mas na comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas.

Perante as dezenas de perguntas dos deputados relativas aos eventuais pagamentos que terá recebido pelo GES, Manuel Pinho recusou sempre responder, por serem matérias “em avaliação judiciária”.

O antigo governante afirmou, nessa audição, que se declarou 490 mil euros por dois meses de trabalho no BES em 2005, ano em que integrou o Governo de José Sócrates, é porque foi o valor ganho.

Na audição, Manuel Pinho foi também questionado pelo bloquista Jorge Costa se “foi sempre verdadeiro a preencher as suas declarações ao Tribunal Constitucional”.

“Eu respondo com a declaração que fiz ao início [da intervenção, de manter-se em silêncio sobre alguns temas]. Compreendo o interesse, mas compreenda as respostas que dou”, indicou o antigo governante.

Pinho diz que responsáveis por tarifas tão altas são os políticos

O antigo ministro da Economia Manuel Pinho defendeu, dirigindo-se aos deputados da comissão de inquérito, que os responsáveis por Portugal "ter tarifas de eletricidade tão altas são os políticos, são os senhores".

"Os senhores deputados não querem assumir uma coisa: os responsáveis por o nosso país ter tarifas de eletricidade tão altas são os políticos, são os senhores", atirou.

Antes, Manuel Pinho tinha lamentado que, estando numa comissão para falar de rendas excessivas pagas aos produtores de eletricidade, podia-se "ao menos ter perdido um pouquito com o que interessa às pessoas que me estão a ver e ouvir, que é a fatura da eletricidade".

"Tudo aquilo que me parece relevante em termos de política energética foi aqui evitado. Não nos admiremos depois com os movimentos sociais descontrolados porque o povo percebe quem está a falar dos assuntos que lhe interessam ou quem está a fazer uma história", criticou.

Para o antigo ministro da Economia, "a história das rendas excessivas é uma história que se sabe qual foi a origem", que nasceu "num falso estudo da Cambridge com propósitos específicos".

"Quando foi aqui [parlamento] aprovada o aumento da taxa do IVA, para ir além da troika, eu sei o que é que o PS dizia e tenho até as declarações dos seus dirigentes", lembrou.

O BE e o PCP, prosseguiu Pinho, "imediatamente apresentaram uma moção para que a taxa baixasse".

"Muito bem. Passa-se para a geringonça, já não há dinheiro. Já não há dinheiro, mas continua o consumidor a pagar", criticou, voltando-se desta vez para os partidos mais à esquerda do PS.

O economista voltou a criticar a contribuição para o audiovisual.

"Alguém no seu perfeito juízo está de acordo que uma televisão pública com publicidade receba 220 milhões de euros por ano", perguntou.

Dos deputados do PS, neste momento, ouviu-se uma pergunta, se microfone desligado: "e quando lá esteve, tomou alguma medida".

Apesar da intervenção do presidente da comissão, o social-democrata Emídio Guerreiro, sobre este tipo de apartes, Pinho quis responder e deixou uma garantia: "é evidente que eu tomei, se ainda não percebeu, senhor deputado, é porque não quis falar das energias renováveis".

"Quando Portugal conseguiu das tarifas mais baratas na Europa ou no mundo, foi precisamente porque o Governo de que fiz parte lançou o que era, à altura, um leilão totalmente inovador e que foi uma tarifa que nem a própria ‘troika’ quando teve o programa com Portugal colocou em questão. Não falamos das tarifas", lembrou.

Depois desta última exposição de Manuel Pinho, Emídio Guerreiro fez questão de deixar claro que "não é legítimo afirmar aqui no final que não se falou em custos de eletricidade", lembrando que "esta comissão já tem mais de 30 audições".

"Nós sabemos o tipo de rendas que estão na fatura da eletricidade e estamos a discutir a origem delas. Por isso o senhor doutor tem razão: foram os decisores políticos, mas o senhor está aqui exatamente por isso, por ter sido um decisor político que tem um aspeto relevante nesta fatura de eletricidade e por isso é que foi chamado", observou.

No final do dia, prosseguiu o presidente da comissão, "cada um assume as suas responsabilidades, os deputados, os ex-ministros, os atuais ministros".

"Todas as decisões políticas que foram tomadas nos últimos anos, incluindo de 2005 a 2009, estão refletidas na fatura da eletricidade", lembrou.

Emídio Guerreiro aproveitou a reta final da audição para lembrar que na sexta-feira, no plenário, será votada "a suspensão do prazo desta comissão até 08 de janeiro e, também, "se for esse o entendimento da maioria dos deputados, o prolongamento dos trabalhos em mais 60 dias".