A investigação, que “ainda está a decorrer”, é da Universidade de Évora (UÉ) e tem interesse porque, “para já, corpos mumificados não são frequentes em Portugal e, depois, em redor destes dois, há várias lendas”, disse hoje à agência Lusa a bioantropóloga Teresa Fernandes, da academia alentejana.
“A mais conhecida das lendas locais, de Évora, é a de que as múmias seriam um homem e um rapaz, pai e filho, que tratariam mal a mulher e mãe”, respetivamente, a qual, como vingança, “os teria amaldiçoado, dizendo que, quando morressem, os seus corpos não se iriam desfazer”, contou.
A professora da UÉ Teresa Fernandes, em parceria com a bioantropóloga brasileira Cláudia Cunha, docente na Universidade Federal do Piauí e que, em 2014, liderou a investigação e restauro das duas múmias da Capelas dos Ossos, quis desvendar mais sobre mistérios em torno destes indivíduos mumificados.
“Já que tínhamos acesso às múmias, resolvemos ir verificar se a lenda era verdadeira ou não e concluímos que é falsa”, destacou Teresa Fernandes, a propósito do estudo, que envolve também a equipa que a docente coordena no Laboratório de Antropologia Biológica, assim como investigadores do Laboratório HERCULES, ambos da academia alentejana.
Os trabalhos indicaram que os corpos mumificados pertencem a “uma mulher adulta, madura, e a uma criança do sexo feminino, com cerca de dois anos e meio”, resumiu.
A Universidade de Évora, em comunicado, acrescentou que a múmia adulta da Capela dos Ossos, junto à Igreja de S. Francisco, é “uma mulher na casa dos 30 a 50 anos”.
“Não foram detetadas patologias relevantes na criança, mas, na mulher, havia as patologias habituais da sua idade, ou seja, processos degenerativos, artroses, mas nada de muito severo”, acrescentou a bioantropóloga.
Os investigadores detetaram foi que a múmia adulta “tinha uma péssima saúde oral”, que “se agravou nos últimos dois anos de vida”, quando a mulher “perdeu vários dentes”, destacou.
Segundo a UÉ, entre outras patologias, a mulher teria “um processo infeccioso, ativo aquando da morte”, com “um abcesso na raiz dos molares superiores esquerdos e a perda ‘ante mortem’ de nove dentes”.
A investigação recorreu a métodos de estimativa do sexo e da idade à morte ou à pesquisa de lesões ósseas e dentárias.
Teresa Fernandes revelou à Lusa que “já foram enviadas amostras para datação por Carbono 14” e, “em breve” deverão estar disponíveis os resultados.
“Estão ainda em curso análises isotópicas de Carbono e Azoto”, cujos resultados “vão permitir ter uma ideia sobre a dieta dos indivíduos e sobre a sua mobilidade, nos últimos tempos de vida”, acrescentou.
Este estudo, frisou, “serve para ilustrar que os corpos, sejam esqueletos ou múmias, são testemunhos diretos do passado”, mas “lendas ou mesmo documentos podem estar escritos de uma maneira muito subjetiva”, pelo que “a biologia e a antropologia biológica podem contribuir para verificar a História”.
Na Capela dos Ossos da Igreja de São Francisco, cujas paredes interiores foram revestidas com ossos humanos e que é conhecida pelo seu convite ao repouso eterno – “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos” -, há que recuar “até 1750 para encontrar documentada a presença de múmias”, disse a UÉ.
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