Num comunicado da sua advogada enviado às redações na quarta-feira à noite, Cláudia Simões, de 42 anos e mãe de quatro filhos, conta que no passado domingo pensou que ia morrer sufocada na rua diante da filha de 8 anos, vítima de agressões policiais.

Ao longo de três páginas Cláudia Simões conta a sua versão dos factos, dizendo que temeu pela vida quando foi vítima de um episódio de violência policial.

Depois de um desentendimento com o motorista do autocarro no qual queria entrar, supostamente porque a filha não transportava o passe, este chamou um agente da PSP que ali passava tendo sido abordada “agressivamente” e o seu telemóvel foi atirado para o chão.

“Ordenou-me que me sentasse no passeio, pedi-lhe para me sentar antes no banco da paragem, respondeu-me que não, que era no chão. Recusei-me a sentar no chão em plena via pública e perante a minha recusa o agente deitou-me ao chão”, descreve.

Cláudia Simões continua: “No chão sentou-se em cima de mim, na zona lombar, pressionando-me contra o chão, imobilizando-me como também asfixiando-me”.

Numa tentativa de evitar que fosse sufocada, admitiu que mordeu ao agente num braço.

A arguida conta depois as alegadas agressões que sofreu num carro da PSP, onde garante ter sido esmurrada e alvo de ofensas verbais antes de ser assistida no hospital Fernando Fonseca, na Amadora.

Foi no hospital, segundo a cidadã portuguesa nascida em Angola, que um agente a mandou assinar uns papéis, que não leu porque tinha “os olhos muito inchados”, que eram a constituição de arguida.

Cláudia Simões termina a carta a dizer que está em choque com tudo o que viveu, que tem muitas mazelas e que sabe que “a luta ainda agora começou”.

“Mas irei até ao fim e lutarei com todas as minhas formas, pelo fim do racismo ou de qualquer outro foco de violência”, assegura.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) abriu um processo de averiguações sobre a atuação policial contra uma mulher que foi detida no domingo na Amadora, ocorrência que envolveu "agressões" e que resultou numa denúncia contra o polícia de serviço.
Sobre as circunstâncias da ocorrência, a Direção Nacional da PSP informou que o polícia acusado de agredir a mulher detida “foi abordado pelo motorista de autocarro de transporte público que solicitou auxílio em face da recusa de uma cidadã em proceder ao pagamento da utilização do transporte da sua filha, e também pelo facto de o ter ameaçado e injuriado”.

“Este polícia, depois de se inteirar da versão dos acontecimentos prestada pelo motorista, dirigiu-se à cidadã por este indicada”, esclareceu a PSP, referindo que a intervenção policial ocorreu pelas 20:30 de domingo, na Amadora.

Ao contrário da denúncia contra o polícia, a PSP afirmou que a mulher reagiu de forma “agressiva” perante a iniciativa do polícia em tentar dialogar, “tendo por diversas vezes empurrado o polícia com violência, motivo pelo qual lhe foi dada voz de detenção”.

A partir do momento da detenção da mulher, alguns outros cidadãos que se encontravam no interior do transporte público tentaram impedir a ação policial, nomeadamente “pontapeando e empurrando o polícia”, disse a Direção Nacional da PSP, em comunicado, acrescentando que o polícia se encontrava sozinho.

Para fazer cessar as agressões, o polícia “procedeu à algemagem da mesma, utilizando a força estritamente necessária para o efeito face à sua resistência”.

“Salienta-se que a mesma, para se tentar libertar, mordeu repetidamente o polícia, ficando este com a mão e o braço direitos com marcas das mordidelas que sofreu e das quais recebeu tratamento hospitalar”, avançou a PSP.

A situação só ficou resolvida com a chegada de reforço policial, para conter as pessoas no local e promover a condução da mulher detida à esquadra para formalização da detenção e notificação para comparência em tribunal.

De acordo com a PSP, a mulher detida pediu para ser conduzida ao Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora, o que aconteceu pelas 22:00 de domingo, assim como o polícia que foi igualmente assistido na mesma unidade hospitalar, encontrando-se de baixa médica e, “até ao momento, não foi decretada a suspensão preventiva de funções”, disse à Lusa fonte policial.

Como consequência direta da formalização de uma denúncia contra o polícia que procedeu à detenção, apresentada pela mulher na segunda-feira, “a PSP já iniciou a instrução de um processo de averiguações para, a par do processo criminal, proceder à averiguação formal das circunstâncias da ocorrência e de todos os factos alegados pela cidadã”.

Entretanto, na quarta-feira o ministro da Administração Interna (MAI) ordenou a abertura de um inquérito sobre a atuação policial no caso da detenção de Cláudia Simões que resultou numa denúncia contra o polícia de serviço.

Vários partidos já pediram esclarecimentos ao MAI sobre a atuação policial nesta situação e na segunda-feira a PSP já tinha anunciado a abertura de um processo de averiguações na sequência da denúncia apresentada pela mulher detida contra o polícia de serviço.

No âmbito desta ocorrência, a organização SOS Racismo recebeu “uma denúncia de violência policial contra a cidadã portuguesa negra”, indicando que a mulher ficou “em estado grave”, resultado das agressões que sofreu na paragem de autocarros e dentro da viatura da PSP em direção à esquadra de Casal de São Brás, na Amadora.

Segundo a organização SOS Racismo, a mulher detida “confirmou toda a cronologia da bárbara agressão de que foi vítima em frente à sua filha menor de 8 anos”, relatando ainda que, enquanto a agredia, “o agente não parou de proferir insultos racistas”.

“A versão da vítima desmente em tudo o conteúdo da versão do comunicado emitido pela PSP sobre este caso de abuso de força e de violência policial”, reforçou a SOS Racismo, alertando que 76% das queixas contra agentes de polícia por agressão a cidadãos no concelho de Amadora são arquivadas.

Para esta organização, “é inconcebível que a vítima seja constituída arguida e presente ‘sine die’ a tribunal enquanto nada acontece ao seu agressor”.

Neste sentido, a SOS Racismo defendeu que o polícia envolvido nas agressões deve ser “imediatamente suspenso” de funções, pretendendo “que se faça justiça e que se acabe com a impunidade da violência policial racista”.