Parecem já memórias longínquas os elogios internacionais à atuação de Portugal face à covid-19. Em finais de abril, o país granjeava de bom crédito perante os outros Estados, dada a sua prontidão para aplicar as medidas de confinamento necessárias para evitar o mesmo destino que Itália e Espanha tiveram.
Seguiu-se a fase de desconfinamento e, apesar de todas as medidas de retoma da normalidade possível tomadas serem acompanhadas de um discurso cauteloso, a situação que se vive hoje no país é bem menos animadora que a prevista. Portugal depara-se atualmente com vários surtos sensíveis — de Paços de Ferreira a Reguengos de Monsaraz —, mas é inegável que a situação que inspira mais cuidados é a da região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT).
Hoje o epicentro da pandemia em Portugal, a região continua a ser a responsável pela contabilização da maioria dos novos casos de infeção no país. Dos 418 hoje publicados pela Direção-Geral da Saúde, 328 foram em LVT, ou seja, perto de 78% do total. Para piorar a situação, todos os óbitos decorrentes da doença hoje divulgados deram-se na região, 13, o mais elevado número registado desde 1 de junho.
Há duas maneiras de olhar para a situação que se tem vivido na região, e em particular na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Por um lado, apesar de ainda serem números elevados, não têm subido nas últimas semanas, o que aponta para uma tendência de estabilização. Por outro, essa estabilização também significa que não há prazo apontado para que a curva epidémica baixe.
Por isso mesmo é que, quando questionado quanto a uma possível alteração do estatuto da AML — que, recorde-se está em estado de contingência e com 19 freguesias em situação de calamidade —, António Costa confessou não antecipar "que na próxima quinzena se altere o estado de classificação das diferentes partes do país".
O problema é que, não só os habitantes da AML permanecem sob o temor do contágio e o desconforto de medidas mais rígidas, como o resto do país também está a sofrer por consequência dos surtos a cobrir a Grande Lisboa, pois continuam a somar-se os países a colocar barreiras a viajar de e para Portugal.
Depois da Escócia e da Finlândia terem ontem anunciado que manteriam Portugal excluído, hoje foi a Bélgica a anunciar que quem para lá viajar a partir do nosso país será sujeito a testes e ser-lhe-á recomendada quarentena, sendo que Lisboa em particular está sinalizada como uma zona vermelha. O que isso quer dizer é que quem viajar da capital portuguesa para o país vai obrigatoriamente cumprir 14 dias de confinamento.
Já em sentido contrário, Lisboa continua a tentar manter uma postura de abertura para fazer-se convidativa aos seus visitantes, tendo a autarquia hoje rejeitado uma moção do CDS-PP que pedia a testagem obrigatória para os passageiros que cheguem a Portugal por fronteiras aéreas ou marítimas, como acontece, por exemplo, nos Açores e na Madeira.
Face ao dinamismo da pandemia, alguns dirão que é preciso persistência e tempo para que esta diminua o seu jugo. No entanto, tanto o tempo como a própria paciência de muitos dos que dependem do turismo para sobreviver começam a escassear. Hoje, por exemplo, as maiores associações empresariais do Algarve apelaram ao Governo para que intensifique a diplomacia junto dos países que impuseram quarentena obrigatória aos turistas que regressam de Portugal, de forma a que a decisão seja revertida.
Uma das práticas, e expressões, que se tornaram em voga nos últimos meses foi a do “isolamento voluntário”, ou seja, uma ação de confinamento que alguém toma quando sente que esteve sujeito a uma situação de potencial contágio. Portugal, e Lisboa em particular, ao invés, arriscam-se a ficar involuntariamente isolados pelo verão adentro se a situação não tiver melhorias nas próximas semanas.
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