A 14 de março, o parlamento israelita aprovou, na primeira de três votações, um projeto-lei que pode vir a proteger o primeiro-ministro da suspensão de funções e que se integra na reforma judicial que confere mais poder ao governo sobre o Ministério da Justiça.
A reforma judicial do Governo ultra direitista israelita, que no essencial compromete a independência da justiça, provocou os maiores protestos da história de Israel durante mais de dez semanas consecutivas, chegando a reunir meio milhão de pessoas na rua.
Qual a polémica?
O ponto polémico deste texto prende-se com a suspensão do exercício das funções do primeiro-ministro apenas em caso de ser declarado física ou mentalmente inapto para exercer o cargo.
O projeto-lei indica que em caso de suspensão, a medida só pode ser aplicada após a aprovação de 75% dos membros do governo e, posteriormente, por 75% dos deputados, no parlamento.
Entre outros pontos previstos na reforma judicial figura a denominada "cláusula de anulação" que permitiria aos deputados - com uma maioria simples - afastar as decisões de anulação emitidas pelo Supremo.
Estão igualmente incluídas iniciativas que permitem ao governo "controlo total" sobre a nomeação de juízes além de permitir que políticos (membros de partidos políticos) ocupem cargos de assessores legais junto dos vários ministérios.
O que dizem os manifestantes?
Os manifestantes afirmam que as mudanças propostas minam a democracia do país, restringindo o poder do Supremo Tribunal de Justiça. Benjamin Netanyahu e os seus aliados dizem que o plano é necessário para refrear o que afirmam ser poderes excessivos de juízes não eleitos.
Na generalidade dos protestos, as pessoas ostentam bandeiras do país e faixas de sinalização de trânsito com frases como "Dead End!" (Beco sem saída) e "Risk Ahead!” (Risco à frente).
Face aos protestos, o que disse Netanyahu?
A 23 de março, o primeiro-ministro israelita prometeu alcançar uma "solução" para "acalmar os ânimos" perante a fratura social causada pela sua reforma judicial.
"Estou a tomar as rédeas, para o bem do povo e do país. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para chegar a uma solução e acalmar o povo. Somos um povo fraterno", frisou o primeiro-ministro numa mensagem televisiva, na qual se dirigiu à oposição para que adote uma posição de diálogo, mas sem suspender a controversa legislação.
A mensagem foi transmitida depois de uma reunião privada com o ministro da defesa, Yoav Gallant, um veterano do seu partido, Likud, que se preparava para apelar publicamente para a suspensão da reforma judicial devido à divisão social causada.
Netanyahu conseguiu impedir a intervenção, que teria causado problemas ao seu Governo.
Problemas? Então o que aconteceu ao ministro?
Foi demitido passados três dias. Yoav Gallant pediu a suspensão do processo de reforma judicial, alegando risco para a segurança do Estado perante o aumento da contestação popular, revelando pela primeira vez dissensões dentro do governo sobre esta matéria.
A decisão do primeiro-ministro de demitir o ministro da Defesa deu um sinal de que o Governo israelita não quer recuar no plano da reforma do sistema judicial, que procura limitar os poderes do Supremo Tribunal, transferindo competências judiciais para as mãos dos políticos.
Gallant, um ex-general do exército, é uma figura influente no partido Likud, de Netanyahu, que é um dos principais pilares de apoio do governo.
O que aconteceu, aumentou o descontentamento?
Pode-se dizer que sim, já que esta segunda-feira trabalhadores de vários setores económicos e sociais de Israel entraram em greve em mais uma tentativa de aumentar a pressão sobre Netanyahu para descartar o plano de reforma judicial.
Também vários diplomatas de diferentes embaixadas israelitas no estrangeiro anunciaram a adesão às greves e aos protestos. A informação foi confirmada por Yaniv Levy, porta-voz do Histadrut, o maior sindicato de Israel, que explicou que as missões diplomáticas israelitas também entravam em greve e que apenas funcionariam os “serviços de emergência”, uma vez que quer embaixadores quer cônsules aderiram à vaga de contestação. Portugal não foi exceção, ao anunciar que a embaixada estaria encerrada "até nova ordem".
Por sua vez, o presidente de Israel pediu hoje ao primeiro-ministro para "atuar com responsabilidade e coragem" e pôr fim "de imediato" ao processo legislativo da polémica reforma judicial que está a dividir o país.
Os manifestantes marcaram também lugar nas ruas, com mais de 100.000 pessoas concentradas em frente ao parlamento israelita (Knesset).
Tudo isto teve algum efeito?
Sim. Netanyahu anunciou esta tarde uma pausa no processo de aprovação da reforma do sistema judicial.
Num discurso ao país, após consultas políticas com alguns parceiros da coligação governamental, o primeiro-ministro anunciou que a adoção final dos vários projetos de reforma foi adiada para a próxima sessão parlamentar, que deverá acontecer após as celebrações da Páscoa.
Com esta decisão, o primeiro-ministro cede, em parte às exigências dos adversários políticos, mas também faz concessões aos seus parceiros de coligação, alguns dos quais se manifestaram desagradados com a intransigência do governo sobre esta matéria.
No discurso televisionado, Netanyahu disse esperar que esta pausa no processo legislativo seja um momento de diálogo aberto.
“Quando há uma oportunidade de evitar a guerra civil por meio do diálogo, eu, como primeiro-ministro, estou a dar tempo ao diálogo”, explicou.
Adotando um tom mais conciliador do que em discursos anteriores, o primeiro-ministro israelita disse estar determinado a aprovar uma reforma judicial, mas pediu “uma tentativa para alcançar um amplo consenso”.
Então as greves e protestos vão parar?
Em reação ao anúncio de Netanyahu, a Histadrut, principal central sindical israelita, já anunciou o fim da greve geral decretada, que tinha o objetivo de contestar a polémica reforma da justiça.
"Após o anúncio do primeiro-ministro, declaro o fim da greve anunciada", disse o líder do Histadrut, Arnon Bar David, num comunicado.
O presidente de Israel, Isaac Herzog, aplaudiu também o anúncio do primeiro-ministro, dizendo que esta é a hora para “uma discussão franca, séria e responsável, para acalmar os espíritos e as tensões”.
*Com Lusa
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