A escritora, uma das mais acarinhadas e prolíficas autoras de literatura para a infância, publica esta semana o primeiro livro de memórias, que é dirigido aos leitores, novos e de gerações anteriores, que a acompanham nestes 50 anos.
“Nunca tinha escrito nada sobre mim própria. Já estou farta de me aturar, desde que acordo até que me deito sei tudo sobre mim, por isso prefiro escrever sobre outras coisas”, afirma, em entrevista à agência Lusa.
A convite da Porto Editora, repensou o que foram os seus 80 anos e escreveu “Luísa – As histórias da minha vida”, que é editado esta semana, com ilustrações, fotografias, pequenos episódios biográficos e recordações da família.
“Fez-me repensar, ver a minha vida como um filme e pensá-la para os mais novos. Eu própria fiz uma avaliação de muita coisa. Foi interessante e triste. Quando se chega a esta idade, pensa-se que se podia ter feito isto ou aquilo da vida. Há sempre encruzilhadas por onde decidir”, afirmou.
Os 50 anos de vida literária de Luísa Ducla Soares são contados a partir da estreia literária, com o livro de poesia “Contrato”, de 1970. Atualmente “esgotadíssimo”, este não é um livro para crianças, reúne poemas que escreveu por essa época, antes dos trinta, refletindo ainda a vida universitária, as lutas estudantis.
O primeiro livro para crianças só surgiria dois anos, em 1972, com “História da papoila”, que lhe valeu Grande Prémio da Literatura Infantil, e que recusou por razões políticas e ideológicas.
As encruzilhadas de que fala, passaram, por exemplo, pelo escritor José Saramago, então editor da Editorial Estúdios Cor, que a incentivou a escrever mais histórias para crianças.
Outras encruzilhadas são relembradas no livro de memórias, como o dia em que foi presa pela PIDE, a polícia política da ditadura, por ter participado numa manifestação estudantil, ou a experiência traumática da morte de um dos filhos.
Hoje Luísa Ducla Soares tem mais de 180 livros para os mais novos, entre contos, lengalengas, poesia, trava-línguas, que versam sobre a vida das crianças. Estão marcados pelo tempo em que foram publicados e, ao mesmo tempo, vão beber à literatura tradicional.
“Sinto-me bem comigo própria a escrever para crianças”, reconheceu.
Apesar do ofício literário, Luísa Ducla Soares trabalhou na imprensa, foi tradutora, passou pelo Ministério da Educação e esteve 30 anos na Biblioteca Nacional, onde teve oportunidade de aprofundar esse vigor da leitura e da literatura, que transpôs para a escrita.
“Ganhei anos a conhecer a literatura tradicional portuguesa. E isso é importante, porque, através da literatura tradicional, cruzando com certas experiências do surrealismo, do neorrealismo, podemos fazer coisas originais com as crianças. (…) [A literatura infantil] não é dedicada a atrasados mentais nem a parvos. A literatura infantil deve despertar nas crianças o gosto por aquilo que é bonito, que é belo, que tem determinados valores, por aquilo que tem humor e que soa maravilhosamente”, defendeu.
Luísa Ducla Soares, quase a cumprir 81 anos, está, por enquanto, afastada das atividades públicas, por causa da covid-19.
As atividades em bibliotecas e escolas, os encontros com leitores têm sido colmatados ocasionalmente de forma virtual, através da Internet, mas o tempo é passado sobretudo a escrever.
Luísa Ducla Soares, um dos raros nomes da literatura para a infância ainda ativos desde antes do 25 de Abril de 1974, está atualmente a trabalhar em poemas a partir da peça musical “O carnaval dos animais”, de Camille Saint-Saens, e tem andado a mexer nos arquivos, onde estão várias histórias a repousar, a 'demolhar'.
“Tenho imensas histórias por editar, mas teria de as reler e de lhes dar uma voltinha. Sabe, os textos literários são um bocadinho como o bacalhau, devem secar para ficarem bem. E depois de estarem secos vai-se ver como é que aquilo ficou. Nessa altura já não somos o criador do texto, somos o leitor, e já vemos de uma maneira diversa”, comparou.
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