A 7 de outubro de 2009, Mário Soares foi convidado para proferir a palestra de boas vindas aos alunos da 10ª edição do Curso de Estudos Avançados em Gestão Publica - CEAGP. Motivo? Todos os anos, a entidade que ministra o curso, o Instituto Nacional de Administração, escolhe uma figura histórica para patrono do curso e, nesse ano, a escolha recaiu sobre Jaime Cortesão.  Mário Soares escreveu, pelo seu punho nessa intervenção, a importância que Jaime Cortesão tinha para ele e para a sua visão de Portugal. “Este ano a escolha recaiu em Jaime Cortesão e o presidente do Conselho Científico do Instituto, por sugestão anterior do professor Correia de Campos, convidou-me para falar do patrono. Aceitei com a consciência perfeita de que dos alunos que se inscreveram no curso deste ano pouquíssimos teriam ouvido alguma vez falar em Jaime Cortesão”, escreveu então Mário Soares.

É uma constatação provavelmente válida para muitos portugueses, apesar de Jaime Cortesão ter sido uma figura de grande referência na primeira metade do século XX. O próprio Mário Soares define-o nesse artigo: “Jaime Cortesão foi um dos intelectuais mais relevantes do século XX”.

Olhemos então para a biografia. Jaime Cortesão nasceu em 1884, em Ança, Cantanhede. Em 1909, licenciou-se em medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Em 1914, a Europa entrava em guerra e Jaime Cortesão integrou o grupo dos que defenderam a participação de Portugal no conflito. Mais do que defender politicamente, alistou-se e foi voluntário no Corpo Expedicionário Português como capitão-médico, tendo sido ferido com gravidade na Flandres.

Apesar da sua formação em Medicina, Jaime Cortesão foi, como Mário Soares sublinhava, sobretudo um intelectual. Fundou a revista A Águia, em 1910, com Teixeira de Pascoaes, e em 1912 iniciou a Renascença Portuguesa que publicava o boletim A Vida Portuguesa, movimento que abandonaria em 1921 para fundar a revista Seara Nova. O fim deste projecto seria a promoção “da cultura do povo português”, utilizando como instrumentos privilegiados a conferência, o manifesto, a revista, o livro, a biblioteca e a escola.

Em 1927 participou numa tentativa de derrube da ditadura militar, liderando a junta revolucionária com sede no Porto. O movimento falha com os seus objectivos e Jaime Cortesão é demitido do cargo de presidente da Biblioteca Nacional de Lisboa, que exercia desde 1919 e onde formou o Grupo da Biblioteca, com Raul Proença, Aquilino Ribeiro e outros intelectuais. Na sequência destes acontecimentos é forçado ao exílio. Vive na Bélgica, em França e em Inglaterra. Em 1931, com o advento da II República espanhola, fixou-se em Espanha onde permanece até ao final da guerra civil. Conta Mário Soares no seu texto: “No final da guerra de Espanha, que constituiu uma tragédia para a Europa - e para o mundo -, ganha pelos nazis e pelos fascistas italianos e portugueses, contra as democracias, conseguiu atravessar a pé os Pirenéus e voltar ao exílio em França.”

Exila-se então em França onde reside até 1940 quando o país é invadido pelas tropas de Hitler na 2ª Guerra Mundial. Muda de país, mas não regressa a Portugal por onde apenas tem uma passagem breve e não muito feliz - esteve preso durante um curto período de tempo em Peniche - e fixa residência no Brasil, no Rio de Janeiro onde dá aulas na universidade, especializando-se na História dos Descobrimentos Portugueses e sendo professor na professor na Escola para Diplomatas do Itamaraty. Regressa a Portugal no início dos anos 50 e retoma a luta contra a ditadura, tornado-se uma figura de referência na oposição ao regime de Salazar.Envolve-se na campanha presidencial do general Humberto Delgado, tendo sido preso com António Sérgio, Vieira de Almeida e Azevedo Gomes em 1958. Morre dois anos depois, em 1960, em Lisboa.

É este homem que Mário Soares evocava no seu artigo como “poeta, dramaturgo, memorialista, escritor, historiador, homem político impoluto e grande resistente à Ditadura, que oprimiu o País, para nossa desgraça, 48 longos anos.”

Se o percurso de vida de Jaime Cortesão evidencia por si mesmo a proximidade natural a Mário Soares, as palavras do líder socialista não deixam dúvidas. Disse Mário Soares, referindo-se à década de 50, quando do regresso de Cortesão a Portugal: “Foi nessa altura que o conheci e que me tornei seu modesto e fiel discípulo e admirador. Durante dois anos reunimo-nos, na sua residência, à Estrela, para elaborar o Programa para a Democratização da República. Morreu em 1960 depois de ter sido presidente da Associação de Escritores, aliás extinta, pouco depois, pela Ditadura. Era um homem de uma cordialidade e generosidade extremas e com um sentido agudo da amizade e da solidariedade. Ficou para mim sempre como um Mestre e uma referência moral, política e intelectual.”

Hoje, na despedida a Mário Soares, também Jaime Cortesão será recordado. Discípulo e mestre, juntos uma vez mais.